Che Guevara na Coreia do Norte


Che Guevara visitando a Coreia do Norte: discurso para a assembleia, reunião com o líder norte-coreano Kim Il-Sung e interação com os populares. Pyongyang, 1960.

Che Guevara visitou a Coreia do Norte enquanto ocupava o cargo de presidente do Banco Central de Cuba. Embora as relações diplomáticas entre os dois países só tenham sido oficialmente estabelecidas em 1960, os dois governos revolucionários já mantinham profundos laços de amizade, baseados na luta anti-imperialista e anticapitalista e na experiência de construção do socialismo, comum às duas nações. A Coreia do Norte havia sido um dos poucos países que apoiaram o Movimento 26 de Julho na luta contra a ditadura de Fulgencio Batista. A ilha caribenha, por sua vez, incrementara enormemente o envio de insumos básicos ao país asiático.

Após sua sua viagem à Coreia do Norte e impressões sobre o país, Che Guevara deu um relato impactante, transcrito a seguir:

“Dos países socialistas que visitamos pessoalmente, a Coreia é um dos mais extraordinários. Talvez seja o que mais nos impressionou de todos eles. Tem apenas dez milhões de habitantes e é do tamanho de Cuba, um pouco menos, cerca de 110.000 quilômetros quadrados. O mesmo território da parte sul da Coreia, mas com apenas metade da população. O pais foi devastado por uma guerra tão incrivelmente destrutiva que nada sobrou de suas cidades e, quando eu digo nada, quero dizer isso: nada. É como as pequenas aldeias que Merob Sosa e Sánchez Mosquera queimaram aqui, das quais só restaram cinzas. Assim foi, por exemplo, em Pyongyang, que é uma cidade de um milhão de habitantes. Hoje, você não vê um único resquício de toda aquela destruição. Tudo é novo. A única memória que resta da guerra são os buracos abertos pelas bombas no leito das ferrovias.

Eles me mostraram muitas das fábricas, todas reconstruídas e outras renovadas, e todas essas fábricas tinham sido atingidas por algo entre 30 e 50 mil bombas. Se tivermos uma ideia de que eram 10 ou 12 bombas que foram lançadas ao nosso redor na Serra Maestra, o que já era um terrível bombardeio, e requeria uma boa uma dose de coragem para resistir, imaginem o que significa 30 mil bombas lançadas em um espaço terrestre às vezes menos do que um posto de cavalaria! A Coreia do Norte saiu da guerra sem nenhuma indústria em pé, sem nenhuma casa em pé, sem rebanhos. Numa época em que a superioridade aérea dos americanos era tão grande e eles não tinham mais nada para destruir, os aviadores se divertiam matando bois. Matavam o que encontravam pela frente. Foi, portanto, uma verdadeira orgia de morte que pairou sobre a Coreia do Norte por dois anos. No terceiro ano apareceu o Mig-15 e as coisas mudaram. Mas aqueles dois primeiros anos de guerra significaram, talvez, a destruição sistemática mais bárbara já feita na história.

Tudo o que pode ser dito sobre a Coreia parece mentira. Por exemplo, nas fotos dá para ver gente com ódio. Esse ódio dos povos quando atinge o fundo do ser, que se vê nas fotos de cavernas onde 200, 300 e 400 crianças, de idade 3 ou 4 anos, eram assassinadas com lança-chamas e outras vezes com gás. O desmembramento de pessoas, matança de mulheres grávidas com baionetas para arrancar o bebê das entranhas, queimar os feridos com lança-chamas. As coisas mais desumanas que a mente pode imaginar foram realizadas pelo exército de ocupação dos Estados Unidos. E alcançou quase a fronteira da Coreia com a China e ocupou, em certo ponto, quase todo o país. Somado a isso, na retirada, destruíram tudo. Podemos dizer que a Coréia do Norte é um país fundado sobre mortes. Naturalmente, recebeu a ajuda dos países socialistas, especialmente a ajuda da União Soviética, de forma generosa e extensa. Mas o que mais impressiona é o espírito daquela cidade. É um povo que saiu de tudo isso depois de trinta anos de domínio japonês, uma luta violenta contra o domínio japonês, mesmo sem ter um alfabeto. Em outras palavras, foi um dos povos mais atrasados do mundo nesse sentido. Hoje tem uma literatura e cultura nacionais, uma ordem nacional e um desenvolvimento cultural praticamente ilimitado. Eles têm o ensino médio, que lá vai até a nona série, obrigatório para todos.

Eles têm na indústria o mesmo problema que acreditamos que vamos ter aqui daqui a 2 ou 3 anos - que é o problema da falta de mão de obra. A Coreia está mecanizando rapidamente toda a agricultura para diminuir a dependência de mão-de-obra e cumprir seus planos, e também se prepara para trazer produtos têxteis e outras fábricas para os irmãos da Coréia do Sul, para ajudá-los a suportar o peso da dominação colonial norte-americana. É realmente o exemplo de um país que, graças a um sistema e líderes extraordinários, como o marechal Kim II-Sung, conseguiu sair das maiores desgraças para se tornar hoje um país industrializado. A Coreia do Norte poderia ser, para qualquer um aqui em Cuba, o símbolo de um dos muitos países atrasados da Ásia. No entanto, vendemos açúcar semi-processado, ou açúcar bruto, e outros produtos que ainda não foram industrializados, como henequén, e eles nos vendem tornos de moagem, todos os tipos de máquinas, máquinas de mineração, ou seja, produtos que precisam de um alta capacidade técnica para produzi-los. É por isso que é um dos países que mais nos entusiasma."



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Othon Pinheiro, Lava Jato e Programa Nuclear Brasileiro

Explosão da Base de Alcântara

O tango e o apagamento histórico da herança cultural negra na Argentina