Governo militar estadunidense da Coreia do Sul
Militares prestam continência à bandeira dos Estados Unidos, em cerimônia de substituição à bandeira de ocupação do Japão. Seul, Coreia do Sul, 9 de setembro de 1945.
Cobiçada pelo Japão desde o século XIX, a Coreia se tornou um protetorado japonês após a queda da Dinastia Qing, quando os líderes coreanos foram forçados a assinar o Tratado de Eulsa. Embora o tratado fosse visto internacionalmente como ilegítimo, uma vez que fora assinado sob coerção, os Estados Unidos reconheceram o domínio japonês sobre a Coreia, expresso por meio do Acordo de Taft-Katsura. Em troca, os japoneses reconheceram a autoridade dos Estados Unidos sobre as Filipinas, igualmente contestada. O reconhecimento dos Estados Unidos à ocupação japonesa da Coreia seria endossado após a assinatura do Tratado de Portsmouth. Em 1910, tropas japonesas ocuparam a Coreia e estabeleceram um dos projetos coloniais mais repressivos da Ásia Oriental, que se estenderia por quase quatro décadas.
Durante a ocupação japonesa, as terras agricultáveis e as indústrias coreanas foram confiscadas pelo Japão e a imprensa coreana foi censurada. A cultura e as práticas tradicionais da Coreia foram reprimidas e até o uso alfabeto coreano foi proibido, sob alegação de se tratar de "prática subversiva". O Japão instituiu um código penal barbaresco, que punia até contravenções leves com açoitamentos, e submeteu centenas de milhares de coreanos à realização de trabalhos forçados. Também instituíram a prática de sequestrar mulheres coreanas para servirem como "mulheres de conforto" (i.e., prostituição forçada) para os militares japoneses. Quase 200.000 mulheres coreanas foram sequestradas com essa finalidade.
Na Segunda Guerra Mundial, Japão e Estados Unidos lutaram em lados opostos e a Coreia foi ocupada por tropas soviéticas e estadunidenses. Com a derrota do Japão, os coreanos acreditavam que estariam livres do jugo colonial nipônico. Não obstante, a península foi dividida logo após o término do conflito em duas zonas de influência distintas - uma soviética e outra estadunidense - antecipando a polarização do mundo da superveniente Guerra Fria. Na Coreia do Norte, os soviéticos expulsaram imediatamente os japoneses e estabeleceram um governo provisório ideologicamente aliado, porém autóctone e imbuído da participação de conselhos de trabalhadores e organizações camponesas. Na Coreia do Sul, entretanto, para a surpresa dos sul-coreanos, os Estados Unidos ordenaram às autoridades coloniais japonesas que continuassem administrando o território.
Responsável por coordenar a ocupação militar estadunidense na Coreia do Sul, o tenente-general John Hodge não fazia questão de esconder sua antipatia pelos sul-coreanos, declarando publicamente que os considerava como "inimigos dos Estados Unidos". Já na cerimônia de rendição, Hodge anunciou que a estrutura do governo colonial japonês permaneceria intacta e que todo os burocratas japoneses seriam mantidos em seus cargos - incluindo o governador-geral. Diante dos protestos sul-coreanos, Hodge decidiu criar um Conselho Consultivo formado por lideranças locais, mas cedeu quase todos os assentos para membros do Partido Democrático da Coreia do Sul - uma agremiação política subordinada aos interesses dos Estados Unidos e da elite econômica da Coreia do Sul. Os conselheiros eram quase todos grandes empresários, mega-latifundiários e ex-burocratas ligados à administração colonial japonesa. Hodge também manteve intactas as leis coloniais autoritárias legadas pelo Japão. Até mesmo a prostituição forçada de mulheres coreanas continuou sendo uma política oficial de governo - atendendo, dessa vez, os soldados dos Estados Unidos.
Indignados, os camponeses da província sul-coreana de Daegu iniciaram uma rebelião contra a ocupação do país pelos Estados Unidos em outubro de 1946, mas foram duramente reprimidos pelos militares estadunidenses em um massacre que deixou mais de 250 mortos, 7.500 feridos e múltiplas denúncias de abusos e torturas. Em setembro de 1946, trabalhadores de Busan iniciaram uma greve-geral que se espalhou por diversas cidades da Coreia do Sul. Os Estados Unidos responderam com uma brutal política de repressão contra as organizações sindicais e progressistas, aprovando uma legislação que coibia o ativismo de esquerda e proibia os sul-coreanos de fazerem greves. A insatisfação popular, entretanto, era generalizada e as rebeliões espontâneas continuaram a ocorrer. Na cidade de Yeongcheon, uma multidão de 10.000 sul-coreanos invadiram instalações policiais. O governo dos Estados Unidos respondeu declarando lei marcial e autorizando seus militares a usarem força letal e dispararem contra multidões, matando um número indeterminado de pessoas.
Com dificuldades crescentes em controlar a Coreia do Sul, os Estados Unidos decidiram "terceirizar" a gestão para um governo-fantoche. Syngman Rhee, um coreano que vivia nos Estados Unidos, anticomunista fervoroso e amigo pessoal do presidente Theodore Roosevelt, foi eleito indiretamente para o cargo de presidente da Coreia do Sul. Syngman Rhee estabeleceu um governo ditatorial e corrupto, marcado tanto pela firme adesão aos interesses da burguesia sul-coreana quanto pela completa submissão aos ditames dos Estados Unidos. Ao longo de seus doze anos à frente do governo, Rhee instituiu uma série de medidas autoritárias e repressivas e ordenou a execução de dezenas de massacres que ceifaram a vida de pelo menos 100.000 sul-coreanos, com o conhecimento e aprovação tácita dos Estados Unidos. Muitos historiadores argumentam que a ocupação da Coreia do Sul pelos Estados Unidos e seus governos-fantoches foram ainda mais hostis e brutais do que o governo colonial japonês. Até os dias de hoje, a Coreia do Sul continua a abrigar diversas bases militares e tropas de aproximadamente 30.000 soldados estadunidenses.

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