Holodomor: anatomia de uma farsa


A Revolução de Outubro de 1917 na Rússia deixou o Ocidente alarmado. Em um mundo marcado por conflitos e pela ascensão dos movimentos operários e sindicais, a instalação do primeiro governo socialista representava uma ameaça aos lucros e privilégios das elites políticas e financeiras ocidentais. Apresentando-se como a antítese absoluta do capitalismo, o socialismo soviético prometia a distribuição justa das riquezas, igualitarismo e internacionalismo. O eventual sucesso de um novo sistema nesses moldes teria o potencial de mudar o mundo pra sempre, demolindo a estrutura de poder concentrada nas mãos das plutocracias capitalistas. Estabelece-se então um axioma: o socialismo, dando certo ou errado, precisava falhar.

A mídia, as universidades e demais aparelhos ideológicos das elites passam então a se dedicar à minimização das conquistas soviéticas e à criação de um quadro de horror e desespero que supostamente teria se originado a partir da instalação do socialismo na Rússia. Exageros, distorções, mentiras, tudo era válido para minar o apoio popular ao socialismo e convencer a população de que o novo sistema era uma ameaça. Tudo mesmo - até propaganda nazista. E é justamente junto ao maior propagandista de Adolf Hitler que os ocidentais vão buscar inspiração para a primeira "bala de prata" contra o socialismo. Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda da Alemanha Nazista, é o criador do mito do "Holodomor". Em 1933, Goebbels criou uma campanha de propaganda contra o domínio soviético na Ucrânia, com o objetivo de instrumentalizar a insatisfação popular dos ucranianos num contexto propício para gerar uma crise política.

Desde a Idade Média, a Rússia sofria com crises famélicas sazonais, causadas tanto por fatores climáticos quanto pelo modelo de cultivo rudimentar denominado "campo aberto". Entre 1932 e 1933, a União Soviética passou por uma grave crise em seu sistema produtivo, gerando carestia nas regiões produtoras de grãos, tais como a Ucrânia, o Cáucaso do Norte, a região do Volga e o Cazaquistão. O problema foi agravado por uma epidemia de tifo, resultando em cerca de três milhões de mortes - um terço das quais na Ucrânia.

Vários fatores contribuíram para a crise agrícola no começo da década de trinta. Além dos problemas climáticos que afetaram a safra de grãos, a União Soviética passava por uma crise política no campo, com a resistência dos kulaks (grandes latifundiários) à política de coletivização das terras agricultáveis. Os kulaks organizaram intensas campanhas de boicote, destruindo plantações, queimando fazendas, abatendo o gado, etc. Já desgastada pela recente guerra civil e conflitos externos, a capacidade de resposta da União Soviética à crise famélica foi profundamente limitada em função dos embargos econômicos e bloqueio de suas reservas de ouro, impostos pelas potências ocidentais. 

Buscando tirar proveito da tragédia, Goebbels passou a responsabilizar o governo soviético pela crise famélica. O propagandista de Hitler alegava que Stalin teria causado propositalmente a fome na Ucrânia, com o objetivo deliberado de exterminar a população ucraniana. Através desses rumores, Goebbels pretendia incitar uma revolta dos ucranianos contra o governo soviético, desestabilizando a nação socialista e avançando os planos de expansão do território alemão, conforme o conceito nazista de "espaço vital" ou "Lebensraum". Já em 1925, em sua autobiografia "Mein Kampf", Hitler havia informado sobre sua intenção de anexar a Ucrânia ao território alemão.

Em 1934, William Hearst, magnata da imprensa estadunidense e proprietário de dezenas de jornais dos Estados Unidos, viajou para a Alemanha, onde se encontrou com Adolf Hitler. Admirador declarado do líder nazista, William Hearst era conhecido como "o pai da imprensa marrom", pelo seu hábito de publicar notícias falsas ou sensacionalistas, manchetes fabricadas e informações tiradas de contexto. Sua figura nefasta serviu de inspiração para Orson Welles criar o personagem Charles Foster Kane, protagonista do filme "Cidadão Kane". Na Alemanha, Hearst travou contato com Goebbels e foi informado sobre a campanha anticomunista em curso na Ucrânia. Ao retornar aos Estados Unidos, os jornais de Hearst, que já publicavam textos escritos por Hitler e Mussolini, passaram a divulgar matérias sobre o "Holodomor", o "genocídio por fome" causado por Stalin.

A maioria dos artigos sobre o "Holodomor" publicados nos jornais de Hearst foram escritos por "Thomas Walker", apresentado como "notável jornalista, viajante e estudioso dos assuntos russos". Os artigos de Walker eram impressionantes. Eram servidos como jornalismo investigativo feito "in loco", trazendo histórias chocantes sobre famílias canibalizando os próprios filhos e fotografias pungentes retratando o desespero das vítimas da fome. Ao mesmo tempo em que demonizava as políticas soviéticas, Walker elogiava o desenvolvimento econômico da Alemanha Nazista. As histórias de Walker chocaram os estadunidenses, ajudando a fomentar o medo da "Ameaça Vermelha" e a imagem de Stalin como um genocida sem escrúpulos. Mas era tudo mentira. "Thomas Walker" não existia. Era um pseudônimo utilizado por Robert Green - que não era jornalista, mas sim um presidiário foragido de uma cadeia de Colorado. Robert Green nunca havia visitado a Ucrânia. E as fotografias publicadas pelos jornais de Hearst não eram da Ucrânia, mas sim de áreas da Europa devastadas pela Primeira Guerra Mundial ou de vítimas da crise famélica do Volga dos anos vinte.

A revelação dos horrores do Holocausto e a derrota da Alemanha Nazista pela União Soviética na Segunda Guerra Mundial levou à intensificação da propaganda anticomunista durante o período da Guerra Fria. Mais do que nunca, o Ocidente capitalista via a necessidade de desconstruir a figura de Josef Stalin e demonizar o socialismo. O mito do Holodomor foi retomado pela imprensa dos Estados Unidos e por acadêmicos subservientes aos interesses econômicos e políticos ocidentais, que se valeram até mesmo do uso repetido de fotografias que já haviam sido reveladas como falsas. O casamento de conveniência entre os interesses dos liberais, da direita estadunidense, de neonazistas e nacionalistas ucranianos levou ao reavivamento do mito sob uma nova roupagem, ainda mais agressiva. Dezenas de livros foram escritos por ex-colaboradores nazistas ucranianos e jornalistas ocidentais, elencando histórias cada vez mais grotescas sobre atrocidades, brutalidades e crueldades cometidas pelo regime socialista soviético. Também a contagem de corpos passou a crescer de forma exponencial, saltando do contingente de um milhão de vítimas nos anos 30 para 12 milhões de pessoas nos anos 80.

Um dos acadêmicos mais empenhados na campanha anticomunista foi o jornalista britânico Robert Conquest, autor de um livro denominado "The Harvest of Sorrow", lançado em 1986. Harvest era um ex-funcionário do Departamento de Pesquisa de Informação, um braço do Serviço Secreto Britânico empenhado em subsidiar ações de inteligência contra regimes vistos como inimigos do Reino Unido - tais como a União Soviética. Para escrever sua obra, Conquest utilizou-se de reportagens dos jornais de Hearst nos anos trinta, notas da viagem inexistente de "Thomas Walker"/Robert Green, fotografias falsas e relatos escritos por membros da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, um grupo de colaboradores do regime nazista. Antes de "The Harvest of Sorrow", Conquest, anticomunista hidrófobo, já havia escrito panfleto político denominado "O que fazer quando os comunistas chegarem: um manual de sobrevivência", publicado no início dos anos oitenta. A obra, cuja histeria beira o humor involuntário, narra um cenário apocalíptico hipotético causado pela invasão de monstros comunistas devorando crianças, estuprando mulheres e destruindo os alicerces da civilização ocidental. A obra de Conquest ajudou a alicerçar o mito do Holodomor, mas o próprio autor negaria posteriormente a existência de intenção genocida nas ações de Stalin, após ser confrontado com documentação proveniente dos arquivos soviéticos: "Stalin infligiu propositadamente a fome de 1933? Não. O que eu argumento é que, com a iminência da fome, ele poderia tê-la evitado, mas colocou o 'interesse soviético' à frente de alimentar os famintos primeiro", alegou o britânico.

O mito do "Holodomor" voltou a ganhar força com o surgimento da chamada "direita alternativa" ou "nova direita" na última década. Em países governados pela extrema-direita, a narrativa do mito inventado por Goebbels impulsionou movimentos políticos que visam criminalizar o comunismo ou equipará-lo ao nazismo em termos legais. Apesar de todos os esforços em encampar a farsa, o "Holodomor" segue sendo uma tese rejeitada pela maioria dos historiadores e acadêmicos, sobretudo pela ausência de evidências materiais. Após a abertura dos arquivos soviéticos, jamais se encontrou qualquer documento ou evidência historiográfica que comprove que a Fome Ucraniana de 1932/1933 foi causada propositalmente por Stalin com o objetivo de matar ucranianos. Mesmo historiadores não marxistas como Arch Getty negam a tese: "o peso esmagador da opinião entre os estudiosos que trabalham nos novos arquivos (...) é que a terrível fome da década de 1930 foi o resultado da rigidez estalinista e não de algum plano genocida", afirmou. A tese também segue sendo rejeitada pela maioria esmagadora da comunidade internacional: dos 206 países do mundo, apenas 15 reconhecem a veracidade do "Holodomor".

Em 1987, o historiador canadense Douglas Tottle publicou a obra "Fraude, Fome e Fascismo: O Mito do Genocídio Ucraniano de Hitler a Harvard", compilando uma série de evidências da construção do mito do "Holodomor" a partir da cooperação de acadêmicos, jornalistas e colaboradores nazistas. A obra se dedicava a rebater manipulações e desinformações utilizadas na construção do mito do Holodomor. As editoras ocidentais, entretanto, se recusaram a publicar o livro de Tottle. O boicote editorial e a subsequente campanha de desqualificação do autor tem uma razão: o livro desmistifica totalmente a fraude, tornando o "Holodomor" um caso historicamente liquidado. A bem da verdade, é importante notar que a história nunca se sustentou em termos lógicos. A análise da evolução demográfica nos anos trinta e os censos soviéticos desmentem as estimativas histéricas de mais de dez milhões de mortos: a população que era de 148 milhões em 1926 pulou para 162 milhões em 1937. E, até hoje, nunca houve uma explicação convincente para a singela pergunta: "por que o governo soviético, que estava tentando estimular o aumento da sua população, arquitetaria um genocídio contra os próprios soviéticos?".

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