O Caracaço
A década de 1980 foi marcada na Venezuela por uma grave crise econômica. A queda abrupta do preço do barril do petróleo nos mercados internacionais havia causado um enorme desequilíbrio fiscal na economia venezuelana, muito dependente da exportação dessa commodity. As reservas cambiais secaram, a dívida externa explodiu e a inflação disparou. O país registrou uma fuga de capitais sem precedentes e um grande aumento na taxa de desemprego.
Em 1988, Carlos Andrés Pérez foi eleito presidente da Venezuela prometendo ações enérgicas para superar a crise econômica e retomar o crescimento. Seu programa, chamado "El Gran Viraje" ("A Grande Virada"), consistia na aplicação do receituário neoliberal do Fundo Monetário Internacional (FMI) e das recomendações dos economistas da chamada "Escola de Chicago". As medidas incluíam privatização de empresas estatais, redução dos investimentos públicos, corte de programas sociais, desregulamentação do setor financeiro e redução das taxas alfandegárias.
As ações do governo venezuelano tiveram um resultado desastroso, causando perda de poder de compra dos trabalhadores, concentração de renda e aumento generalizado da pobreza e da desigualdade. Ao fim da década de oitenta, 85% dos venezuelanos estavam vivendo abaixo da linha da pobreza, enquanto menos de 3,5% da população integrava as classes A e B. A ação de maior impacto imediato no bolso da população, entretanto, foi o fim do subsídio da gasolina. Em um único fim de semana, os preços do combustível subiram mais de 100%, gerando aumentos em cascata nas tarifas do transporte público (que subiram 30% em apenas um dia) e em diversos setores da economia.
A insatisfação popular atingiu o ápice em 27 de fevereiro de 1989, quando uma rebelião espontânea explodiu em Guarenas, no estado de Miranda. Rapidamente os protestos se espalharam por todo o país. Na capital venezuelana, Caracas, registraram-se manifestações em quase todos os bairros. As ruas se converteram em um cenário de batalha campal, com piquetes, barricadas e tumultos. Ônibus foram apedrejados, shopping centers foram incendiados, lojas e supermercados foram saqueados e prédios públicos foram invadidos.
Em reação à rebelião popular, o governo venezuelano decretou estado de emergência e toque de recolher. Também determinou imposição da lei marcial. Em 28 de fevereiro, o presidente Carlos Andrés Pérez suspendeu uma série de artigos da Constituição que garantiam o direitos civis e liberdades individuais e ordenou ao exército o "restabelecimento da ordem". A repressão resultou em um massacre de grandes proporções, com inúmeros registros de execuções sumárias, torturas e desaparecimentos, denunciados pela Anistia Internacional. O número de mortos é estimado em mais de 3.500 pessoas e dezenas de milhares de feridos. Houve escassez de caixões e colapso nos sistemas de atendimento médico.
A violenta repressão do governo de Carlos Andrés Pérez contra a população venezuelana marcou a derrocada política dos setores liberais e conservadores do país, criando uma atmosfera de instabilidade política permanente que beneficiaria a ascensão de movimentos progressistas - em especial, o Movimento Bolivariano Revolucionário e seu principal líder, Hugo Chávez.
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