O Domingo Sangrento


Na Rússia, a segunda metade do século XIX foi caracterizada por profundas transformações econômicas e sociais. A emancipação dos servos pelo czar Alexandre II em 1861 e a rápida expansão da industrialização haviam favorecido o surgimento de uma nova classe operária urbana. A frustração dessa classe operária com as péssimas condições de vida nas cidades e com a angustiante rotina de disciplina fabril se converteria em forte pressão por modificações das relações trabalhistas. Baixos salários, ambientes insalubres, jornadas extenuantes de até quinze horas por dia e autoritarismo patronal eram a realidade da maioria dos trabalhadores russos.

Insatisfeitos, os operários começaram a se organizar politicamente e, de 1870 em diante, coordenaram uma série de greves em todo o país. Um dos líderes do movimento operário russo era um padre ortodoxo chamado George Gapon, um orador carismático com destacada atuação junto aos trabalhadores e às classes menos abastadas. Desde 1903, o padre Gapon presidia uma espécie de associação sindical chamada "Assembleia dos Operários das Fábricas da Cidade de São Petersburgo".

Em dezembro de 1904, quatro trabalhadores da Fábrica de Ferro Putilov foram demitidos por serem filiados à assembleia do padre Gapon. Em solidariedade, os demais trabalhadores da fábrica cruzaram os braços e se recusaram a retomar a produção enquanto os quatro operários não fossem readmitidos. A greve, entretanto, não ficou restrita à Fábrica Putilov. Em pouco tempo, quase 150 mil operários haviam aderido à paralisação, interrompendo a produção em quase 400 fábricas da cidade. Em janeiro de 1905, São Petersburgo estava completamente parada. Não tinha eletricidade, não tinha jornais e todas suas áreas públicas estavam fechadas.

O padre Gapon decidiu então organizar uma marcha pacífica de trabalhadores para entregar uma petição ao czar Nicolau II. O documento solicitava a intervenção do czar para garantir melhores condições de trabalho, salários dignos, redução da jornada de trabalho para oito horas diárias e a introdução do sufrágio universal. Assim, em 22 de janeiro de 1905, uma manhã de domingo, dezenas de milhares de trabalhadores em greve e suas famílias se reuniram nos portões das fábricas de São Petersburgo, seguindo em marcha para o Palácio de Inverno, segurando ícones religiosos e cantando hinos e canções patrióticas. O povo, entretanto, não sabia que o czar não estava no palácio: na véspera da marcha, ele havia se retirado para uma residência imperial nos arredores de São Petersburgo.

Malgrado a ausência do czar, os acessos ao Palácio do Inverno estavam todos bloqueados pelos cossacos da Guarda Imperial. Tropas de 10 mil guardas impediam a população de se aproximar do palácio e ordenavam a dispersão da marcha, que seguia pacífica. Diante da recusa dos manifestantes em encerrar o protesto, os soldados da Guarda Imperial abriram fogo. Os trabalhadores foram alvejados com tiros e atacados com baionetas e golpes de sabre pela cavalaria. Aproximadamente 3.000 pessoas morreram durante o massacre do Domingo Sangrento. Cadáveres ficaram empilhados nas ruas, enquanto sangue tingia de vermelho a neve acumulada nos passeios dos arredores do Palácio de Inverno.

O massacre abalou profundamente a imagem do czar Nicolau II, até então visto de forma relativamente positiva pela população, alimentando forte ressentimento contra a aristocracia russa. Em protesto contra o Domingo Sangrento, trabalhadores em todo o Império Russo organizaram uma greve geral, dando início à Revolução de 1905. Quase 500 mil operários cruzaram os braços em Moscou, Riga, Vilna, Baku e diversas outras cidades. Na ilha de Vassiliev, os trabalhadores distribuíram folhetos conclamando o povo a iniciar uma luta armada contra a autocracia czarista. Lojas e depósitos de armas foram tomados pela população que, por conta própria, passou a desarmar as polícias. Nicolau II tentou reagir com a criação da Duma - o parlamento do Império Russo -, mas já era tarde. O Domingo Sangrento havia criado uma situação de rompimento irremediável com as estruturas políticas vigentes e plantado a semente da convulsão social que, alguns anos depois, daria origem à Revolução Russa de 1917.

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