O mito dos estupros em massa do Exército Vermelho
"Oficiais e soldados! Nós entramos em território inimigo. Cada um de vocês deve possuir autocontrole, cada um deve ser valente. (...) A população que resta nos territórios conquistados, independentemente de sua nacionalidade, seja alemã, tcheca, polaca, não deve ser submetida a nenhuma agressão. Os culpados serão castigados segundo as leis marciais. Nos territórios conquistados, estão proibidas as relações sexuais. Os que cometerem violações e agressões serão fuzilados."
O documento desmente o boato anticomunista de que havia uma política oficial do governo soviético incentivando a violência sexual contra mulheres alemãs. Tal boato tem origem em uma declaração do próprio ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, datada de 2 de março de 1945, onde afirma que os "bastardos dos estepes" teriam sido instruídos por Joseph Stalin a estuprar todas as mulheres alemãs. Esse mito foi perpetuado pelas potências ocidentais durante e após a Guerra Fria. Embora tenham ocorrido abusos, a documentação historiográfica coeva não revela qualquer indício de que os estupros nas zonas de ocupação soviética fossem superiores em escala ou frequência em relação às zonas administradas e ocupadas por soldados das potências ocidentais. A diferença entre União Soviética e os aliados ocidentais está apenas na resposta - enquanto os crimes cometidos por soldados soviéticos foram punidos com fuzilamento e prisão, Estados Unidos, França e Reino Unido acobertaram seus estupradores.
Os estudos realizados por acadêmicos ocidentais, como Antony Beevor, Helke Sander e Barbara Johr, são apoiados em inconsistências metodológicas. A dupla Sander e Johr, por exemplo, utilizou-se de progressão geométrica para concluir que dois milhões de mulheres alemãs teriam sido estupradas por soldados soviéticos a partir do registro de 9 casos de gravidez após estupro em uma única aldeia alemã. Mas se a mesma metodologia fosse aplicada em relação a outros casos de gravidez pós estupro por soldados ocidentais, o total de mulheres alemãs estupradas por militares das forças aliadas seria de 13 milhões - um número que parece extremamente improvável diante dos registros historiográficos conhecidos.
Sobre o assunto, a pesquisadora Júlia Garraio, da Universidade de Coimbra, declarou: "As violações cometidas pelo Exército Vermelho são usadas para associar o comunismo à selvageria e materializar a imagem de um Leste asiático, bárbaro e sanguinário. O soldado soviético é repetidamente conotado com uma masculinidade ameaçadora, repelente e perversa." Ao mesmo tempo, os crimes cometidos por soldados das potências ocidentais são apagados da história e dos estudos acadêmicos ocidentais, visando, ainda nas palavras de Garraio, associá-los a uma "masculinidade saudável, protetora e mais potente, personificada pelos militares norte‑americanos." A satanização do Exército Vermelho se prestaria ainda à neutralização de seu legado simbólico em termos de igualdade de gênero, já que as forças armadas soviéticas eram as únicas do mundo à época que contavam com mulheres em cargos no oficialato e entre combatentes - quase 10% das tropas soviéticas eram femininas.
Comentários
Postar um comentário