O mito dos estupros em massa do Exército Vermelho

Ordem de Stalin ao Exército Vermelho, datada de 19 de janeiro de 1945, com instruções aos soldados soviéticos quanto ao comportamento que deveriam adotar ao adentrarem o território da Alemanha Nazista. Em um trecho do documento, lê-se:

"Oficiais e soldados! Nós entramos em território inimigo. Cada um de vocês deve possuir autocontrole, cada um deve ser valente. (...) A população que resta nos territórios conquistados, independentemente de sua nacionalidade, seja alemã, tcheca, polaca, não deve ser submetida a nenhuma agressão. Os culpados serão castigados segundo as leis marciais. Nos territórios conquistados, estão proibidas as relações sexuais. Os que cometerem violações e agressões serão fuzilados."

O documento desmente o boato anticomunista de que havia uma política oficial do governo soviético incentivando a violência sexual contra mulheres alemãs. Tal boato tem origem em uma declaração do próprio ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, datada de 2 de março de 1945, onde afirma que os "bastardos dos estepes" teriam sido instruídos por Joseph Stalin a estuprar todas as mulheres alemãs. Esse mito foi perpetuado pelas potências ocidentais durante e após a Guerra Fria. Embora tenham ocorrido abusos, a documentação historiográfica coeva não revela qualquer indício de que os estupros nas zonas de ocupação soviética fossem superiores em escala ou frequência em relação às zonas administradas e ocupadas por soldados das potências ocidentais. A diferença entre União Soviética e os aliados ocidentais está apenas na resposta - enquanto os crimes cometidos por soldados soviéticos foram punidos com fuzilamento e prisão, Estados Unidos, França e Reino Unido acobertaram seus estupradores.

Os estudos realizados por acadêmicos ocidentais, como Antony Beevor, Helke Sander e Barbara Johr, são apoiados em inconsistências metodológicas. A dupla Sander e Johr, por exemplo, utilizou-se de progressão geométrica para concluir que dois milhões de mulheres alemãs teriam sido estupradas por soldados soviéticos a partir do registro de 9 casos de gravidez após estupro em uma única aldeia alemã. Mas se a mesma metodologia fosse aplicada em relação a outros casos de gravidez pós estupro por soldados ocidentais, o total de mulheres alemãs estupradas por militares das forças aliadas seria de 13 milhões - um número que parece extremamente improvável diante dos registros historiográficos conhecidos.

Sobre o assunto, a pesquisadora Júlia Garraio, da Universidade de Coimbra, declarou: "As violações cometidas pelo Exército Vermelho são usadas para associar o comunismo à selvageria e materializar a imagem de um Leste asiático, bárbaro e sanguinário. O soldado soviético é repetidamente conotado com uma masculinidade ameaçadora, repelente e perversa." Ao mesmo tempo, os crimes cometidos por soldados das potências ocidentais são apagados da história e dos estudos acadêmicos ocidentais, visando, ainda nas palavras de Garraio, associá-los a uma "masculinidade saudável, protetora e mais potente, personificada pelos militares norte‑americanos." A satanização do Exército Vermelho se prestaria ainda à neutralização de seu legado simbólico em termos de igualdade de gênero, já que as forças armadas soviéticas eram as únicas do mundo à época que contavam com mulheres em cargos no oficialato e entre combatentes - quase 10% das tropas soviéticas eram femininas.

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