A revolução sexual soviética
Uma praia de nudismo às margens do Rio Moscou, próxima à Catedral do Cristo Salvador e ao Kremlin. Moscou, União Soviética, década de 1930.
Após a Revolução de Outubro de 1917 e a subsequente implementação do governo socialista, a sociedade russa, ainda muito influenciada pela tradição conservadora e religiosa legada pelo império czarista, passou por um processo de revisão e transformação de seus valores morais, comportamentos e visões de mundo. A revolução socialista impactou fortemente a pauta dos costumes, dando origem a uma verdadeira revolução sexual. Buscando combater as tradições conservadoras e os valores morais da velha ordem e debelar a influência da Igreja Ortodoxa, o governo revolucionário incentivou uma série de mudanças que reforçavam atitudes mais liberais em relação ao sexo.
Ainda em 1917, apenas um mês após a revolução socialista, a Rússia se tornou um dos primeiros países do mundo a descriminalizar a homossexualidade. No ano seguinte, foram editados decretos que estabeleciam a igualdade formal entre homens e mulheres. Em 1918, a Rússia legalizou o aborto e o divórcio. Os casamentos na igreja foram abolidos, substituídos pela instituição da parceria civil. Abandonou-se igualmente o policiamento das vestimentas, para alívio das mulheres, que antes não poderiam sonhar em sair de casa com um vestido que não cobrisse, no mínimo, os joelhos. Ao mesmo tempo, a revolucionária Alexandra Kollontai promovia uma série de medidas que visavam criar o conceito de "nova mulher", espalhando cartazes conclamando as mulheres a se livrarem da "opressão do casamento, da maternidade e do trabalho doméstico".
Visitas à União Soviética nas décadas de vinte e trinta tinham um imenso potencial de chocar turistas ocidentais desavisados. Numa época em que estadunidenses detinham mulheres por exibirem as canelas em trajes de banho, o nudismo era livremente praticado nas praias soviéticas - incluindo na praia fluvial e urbana do centro de Moscou, ao lado da Catedral do Cristo Salvador. Um movimento social chamado "Abaixo a Vergonha" realizava marchas de pessoas nuas pelas cidades soviéticas, criticando o conservadorismo moral e a erotização do corpo nu, vistos como tradições burguesas. Uma dessas marchas chegou a reunir 10 mil pessoas no centro de Moscou.
Os costumes não chocavam apenas os estrangeiros. Em 1924, o renomado escritor russo Mikhaíl Bulgákov, por exemplo, escreveu textos em seu diário relatando seu espanto ao ver pessoas nuas andando em uma manifestação. Já o monarquista Aleksander Truchnovitch fez troça de um jovem que apanhou após subiu num púlpito gritando "não precisamos de roupas, somos filhos do sol e do ar". A revolução sexual chocou-se fortemente com os valores conservadores socialmente arraigados, não sendo compreendida ou assimilada por toda a sociedade. Não demorou para que surgissem pressões para retroceder a revolução sexual, justificada por dados como o aumento do número de estupros e de gestações indesejadas. Em 1924, Aron Salkind publicou os "12 Mandamentos Sexuais do Proletariado Revolucionário", onde argumentava que "o amor deve ser monogâmico", ao mesmo tempo em que Nikolai Semachko, Comissário do Povo para a Saúde Pública, passou a defender a ideia de que a nudez "presta auxílio à imoralidade".
As pressões econômicas advindas da industrialização reforçaram a ideia de parte da burocracia soviética de que a organização social em núcleos familiares tradicionais era a mais adequada. Algumas das medidas liberalizantes no campo dos costumes instituídas após a Revolução de Outubro foram revertidas. Em 1934, a descriminalização da homossexualidade foi revertida e, em 1936, o aborto voltou a ser proibido. Malgrado a curta duração da revolução sexual, a experiência soviética segue sendo uma referência e um marco do pioneirismo socialista nas questões de diversidade sexual e igualdade de gênero, que só seriam discutidas pelos países capitalistas ocidentais décadas mais tarde.
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