Carlos Marighella (I)

Carteira de filiação do escritor e guerrilheiro Carlos Marighella ao Partido Comunista do Brasil, emitida em 1945.

Carlos Marighella nasceu em 5 de dezembro de 1911 em Salvador, filho de Augusto Marighella, imigrante italiano que trabalhava como metalúrgico, e Maria Rita, ex-empregada doméstica. Desde cedo, seu pai o incentivou a ler, presenteando-o com obras de autores nacionais e estrangeiros. Marighella frequentou o ensino básico no Colégio Carneiro Ribeiro e posteriormente cursou o Ginásio da Bahia, destacando-se entre os melhores alunos de sua turma. Data desse período um de seus registros escolares mais conhecidos - uma prova de física respondida em versos, que ficaria exposta no Ginásio da Bahia até o Golpe de 1964.

Em 1929, Marighella ingressou no curso de engenharia civil na Escola Politécnica da Bahia. Três anos depois, escreveu outro famoso poema, dessa vez com críticas ao interventor Juracy Magalhães, que lhe renderia sua primeira prisão. Após ser libertado, seguiu se aprofundando na militância política. Abandonou o curso de engenharia para ingressar no Partido Comunista do Brasil (antigo PCB), mudando-se em seguida para o Rio de Janeiro, onde ficava a sede do partido, e passou a atuar na reorganização da legenda.

Com o recrudescimento do anticomunismo da Era Vargas, intensificado após o Levante de 1935, Marighella voltou a ser preso, acusado de "subversão". Torturado pela polícia por ordens de Filinto Müller, Marighella seria libertado após um ano de prisão, no contexto da "macedada" - medida editada pelo ministro da justiça, José Carlos de Macedo Soares, que libertava os presos políticos sem condenação. Posto em liberdade, Marighella voltou a atuar de forma clandestina, reagrupando os comunistas. Em 1939, foi novamente preso e submetido a torturas. Dessa vez, permaneceria encarcerado até 1945, quando foi beneficiado pela anistia concedida durante o processo de redemocratização.

No ano seguinte, Marighella elegeu-se deputado federal pela seção baiana do PCB. Dois anos depois, teve seu mandato cassado, após mais uma proscrição do registro do Partido Comunista. Voltou então a atuar na clandestinidade, ocupando cargos na direção do partido. Em 1953, viajou para a China, a convite do Partido Comunista chinês. Passou dois anos nesse país, acompanhando de perto a gestão desenvolvida após a consolidação do governo revolucionário. De volta ao Brasil, dedicou-se a difundir os ideais comunistas e à produção intelectual. Em 1958, escreveu "Alguns Aspectos da Renda da Terra no Brasil", uma sucinta análise crítica sobre as questões agrárias, concentração fundiária e o modelo econômico agroexportador.

Após o Golpe Militar de 1964, Marighella foi baleado e preso por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) enquanto frequentava um cinema no Rio de Janeiro. Libertado por ordem judicial no ano seguinte, decidiu se juntar à luta armada contra a ditadura militar. Em 1966, escreveu "A Crise Brasileira", um trabalho teórico analisando a conjuntura nacional a partir da observação da estrutura de classes do Brasil. A obra também criticava o PCB, acusando o partido de se acomodar na ilusão da política institucional burguesa. No mesmo ano, Marighella renunciou à Comissão Executiva do PCB. Contrariando a recomendação do partido, viajou para Cuba em 1967, a fim de participar da I Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS). Durante sua estadia em Havana, escreveu "Algumas Questões Sobre a Guerrilha do Brasil", trabalho que dedicou à memória do revolucionário Che Guevara, que havia sido assassinado recentemente na Bolívia. Os constantes desentendimentos com o PCB atingiram seu ápice, culminando com a expulsão de Marighella do partido nesse mesmo ano.

Em 1968, Marighella escreveu "Chamamento ao Povo Brasileiro", conclamando a população à resistência contra o regime. Também fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN), um grupo armado que tinha por objetivo lutar contra a ditadura militar. Em uma ação conjunta com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), os integrantes da ALN conseguiram executar Charles Chandler, oficial do exército dos Estados Unidos que prestava assessoria aos órgãos de repressão do regime militar. No ano seguinte, Marighella publicou o "Minimanual do Guerrilheiro Urbano", uma obra com orientações sobre estratégias e táticas de guerrilha. Mimeografada e fotocopiada, a obra foi fartamente distribuída entre os movimentos revolucionários de oposição à ditadura. Também em 1969, membros da ALN, unidos aos integrantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), sequestraram o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick, e negociaram com sucesso sua soltura em troca da libertação de 15 presos políticos.

As ações da ALN e a preocupação com a capacidade de liderança e de orquestração estratégica de Marighella levaram os órgãos da ditadura a concentrar esforços na sua captura. Informados pelo governo estadunidense sobre uma reunião que Marighella teria com frades dominicanos contrários ao regime militar, os agentes da repressão armaram uma emboscada. Marighella foi assassinado a tiros na noite de 4 de novembro de 1969, enquanto caminhava pela Alameda Casa Branca, durante uma operação do DOPS coordenada pelo delegado Sérgio Fleury.

Em 2008, o Ministério da Justiça reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de Marighella e, em 2012, a Comissão da Verdade lhe concedeu a anistia post mortem. Marighella foi homenageado por Caetano Veloso na canção "Um Comunista" e também pelos Racionais MC's na música "Mil Faces de um Homem Leal". O guerrilheiro também foi tema de três documentários e dois longa-metragens. Sua obra "Minimanual do Guerrilheiro Urbano" foi traduzida para vários idiomas e publicada em dezenas de países - inclusive nos Estados Unidos, onde o livro foi integrado como material didático pela Agência Central de Inteligência (CIA). Marighella segue sendo um dos maiores expoentes e influências da esquerda brasileira e um símbolo máximo de resistência à arbitrariedade e de dedicação inarredável pelas causas comuns, sintetizados em seu mais famoso adágio: "a única luta que se perde é aquela que se abandona".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Othon Pinheiro, Lava Jato e Programa Nuclear Brasileiro

Evolução do PIB per capita da antiga União Soviética

Explosão da Base de Alcântara