Currais: campos de concentração da seca no Nordeste
Em 1877, uma seca prolongada no interior do Ceará estimulou um dos maiores deslocamentos de refugiados já testemunhados na história do Brasil até então, quando mais de 100 mil retirantes deixaram o Sertão e rumaram para a capital, Fortaleza. Como resultado, a população da capital cearense triplicou, gerando protestos por parte da parcela mais abastada da cidade.
Temendo que o cenário se repetisse com a seca de 1915, o coronel Benjamin Liberato Barroso criou o primeiro campo de concentração do estado, em Fortaleza, no bairro do Alagadiço. Embora anunciado como "acampamento" para proteção dos flagelados, o local visava segregar e aprisionar os retirantes, impedindo-os de vagar livremente pela cidade, mantendo-os longe do contato com a elite cearense. Aproximadamente 8.000 pessoas foram amontoadas em condições sub-humanas, com pouca comida e submetidas a péssimas condições sanitárias. O sofrimento no campo de concentração do Alagadiço motivou a escritora Rachel de Queiroz a escrever "O Quinze", obra na qual descreve o sítio como um “atravancamento de gente imunda, de latas velhas e trapos sujos”. O confinamento durou até dezembro daquele ano.
Dezessete anos depois, durante a estiagem de 1932, o cenário seria agravado: além de uma seca ainda mais prolongada e rigorosa, os conflitos entre os cangaceiros do bando de Lampião e as forças policiais do estado e a influência social e política de Padre Cícero, arrebanhando multidões de sertanejos, estimularam a formação de uma leva ainda maior de retirantes. Para segregar os sertanejos e combater a migração, sete novos campos de concentração foram erguidos próximos às linhas férreas. Os retirantes eram atraídos com promessa de trabalho - principalmente para a Companhia Inglesa Norton Griffiths, que então construía uma barragem no estado - mas negar não era opção. Denominados "currais", os campos foram erguidos na capital, Fortaleza, e nas cidades de Crato, Senador Pompeu, Quixeramobim, Cariús, Pirambu, Quixadá e Ipu.
Os flagelados se alimentavam de punhados de comida oferecidos uma vez ao dia através de uma janela de um prédio administrativo. Não recebiam nenhum tipo de ajuda financeira e viviam em barracas pequenas e sujas. Tinham de se vestir com sacos de farinha e eram obrigados a raspar os cabelos. Morriam aos montes - de fome, sede, estafa ou doenças. Mais de 90 mil pessoas ficaram aprisionadas nos campos durante mais de um ano - até a chuva voltar a cair no Sertão, em 1933. Quando finalmente foram libertados, milhares haviam perecido.
A história dos campos de concentração da seca é contada no documentário "Currais", de Sabina Colares e David Aguiar. Símbolos da desigualdade social e do preconceito, ruínas desses campos ainda subsistem no município de Senador Pompeu - onde desde 1982 ocorre anualmente a Caminhada da Seca (ou Caminhada das Almas) para lembrar e homenagear os que morreram no cativeiro.
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