Envelhecer no Chile


Em 1981, em meio à ditadura militar de Augusto Pinochet, o Chile se tornou o primeiro país do mundo a privatizar seu sistema de previdência. Com a privatização, extinguiu-se o fundo público que financiava o sistema de pensões em favor de um sistema de capitalização que, até então, só existia como uma formulação teórica nos livros de economia. Os trabalhadores depositariam 10% do salário em uma espécie de poupança individual por um período mínimo de 20 anos. Essa poupança seria administrada por empresas privadas, que utilizariam esses recursos para investir no mercado financeiro.

A mudança fazia parte de uma série de reformas econômicas implementadas pelo ministro da economia, José Piñera, com base no receituário liberal de Milton Friedman e outros luminares da chamada "Escola de Chicago", que preconizavam austeridade fiscal, privatização de serviços públicos, corte de benefícios, pensões e programas sociais, limitação dos investimentos estatais e desregulamentação de setores chaves da economia como uma fórmula segura para a prosperidade.

O país de fato mudou - principalmente para os empresários, rentistas e outros setores da elite. A desregulamentação e os incentivos fiscais atraíram fundos de investimentos bilionários, multinacionais e capital especulativo. Os trabalhadores, por outro lado, não colheram dividendos do chamado "milagre econômico". Para os aposentados, em especial, o milagre se transformou em maldição.

Envelhecer no Chile se tornou um caminho certo para a pobreza. De cada 10 aposentados chilenos, 9 recebem menos do que um salário mínimo. Em média, os chilenos recebem pensões que variam entre 40 e 60% do valor do salário mínimo - isso é, menos de 600 reais em um país que tem um dos mais altos custos de vida do continente. As mulheres recebem menos ainda - em média, 50% menos do que os homens. A consequência disso é uma situação de penúria generalizada - 44% de todos os idosos do Chile estão vivendo abaixo da linha da pobreza. Oito em cada dez idosos chilenos estão endividados. O problema é agravado pela ausência de redes de proteção social para idosos, em especial em relação aos cuidados com a saúde, já que o sistema público de saúde chileno é burocrático e não cobre diversos procedimentos, forçando idosos a recorrerem ao setor privado, caracterizado pela cobrança de preços abusivos.

O resultado é visível em uma simples visita ao "país modelo do liberalismo", que ostenta simultaneamente uma das maiores rendas per capita da América do Sul e uma multidão de idosos trabalhando como ambulantes nas ruas de Santiago. Se por um lado é verdade que na capital chilena há muitos menos moradores de rua e pedintes do que nas demais metrópoles sul-americanas, também é verdade que quase todos os moradores de rua chilenos são idosos. Há um outro recorde ainda mais mórbido no país andino: sem perspectivas de sobreviver dignamente nesse sistema, os idosos chilenos são os que mais recorrem ao suicídio. A taxa de suicídio entre pessoas com mais de 80 anos no Chile atinge a impressionante cifra de 17,7 suicídios para cada 100 mil habitantes. Com isso, o Chile ocupa atualmente a primeira posição entre número de suicídios na América Latina.

As pesquisas mais recentes revelam que 91% dos chilenos são contra o atual sistema de aposentadoria. Mesmo assim, não há nenhuma proposta concreta para a  alteração do regime, que conta com 10 milhões de filiados e movimenta mais de 170 bilhões de dólares, aplicados no mercado especulativo de capital e nas bolsas de valores de Londres e Frankfurt. Enquanto o capitalismo conseguir transformar o desespero de idosos em dividendos, há pouca esperança de mudança no horizonte.





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