Igualdade econômica na União Soviética


Poucas nações deram contribuições tão significativas para a redução da desigualdade econômica ao longo do século XX quanto a União Soviética. O país conseguiu manter uma trajetória constante de altas taxas de crescimento econômico (a economia soviética foi a que mais cresceu no mundo entre 1928 e 1970) aliadas a indicadores excepcionais de distribuição de renda - um fenômeno sem paralelo no mundo capitalista. Os dados constam do paper "From Soviets to Oligarchs: Inequality and Property in Russia, 1905-2016” ("Dos Soviéticos aos Oligarcas: Desigualdade e Propriedade na Rússia, 1905-2016) publicado em 2017 pelos economistas Thomas Piketty, Gabriel Zucman e Filip Novokmet.

A desigualdade de renda era extremamente elevada na Rússia czarista. O país contava então com uma estrutura econômica semifeudal, cuja principal característica era a imensa concentração de recursos nas mãos de uma minúscula oligarquia, enquanto a maior parte da população estava abaixo da linha da pobreza. Em 1905, o 1% mais rico do país concentrava aproximadamente 20% da renda nacional. Após a criação da União Soviética, o percentual da renda do 1% mais rico despencou para 4%. Esse patamar (4 a 5%) se manteve praticamente inalterado durante todo o período soviético.

Em média, durante o período soviético, os 10% mais ricos viram sua participação na renda total do país ser reduzida de quase metade para aproximadamente 20%. A renda dos 50% mais pobres saltou de 15% para mais de 30% do total. Os 40% intermediários saíram de 35% para 50% da renda nacional. Como resultado, o país chegou na década de 1980 com os melhores indicadores de igualdade econômica. O Coeficiente de Gini da União Soviética em 1981 era 0,217, em uma escala que vai de 0 (igualdade perfeita) a 1 (desigualdade severa). Para efeitos de comparação, em 2018 o Coeficiente de Gini dos Estados Unidos era de 0,480 e o do Brasil 0,539. A porcentagem de russos vivendo abaixo da linha da pobreza em meados da década de 1980 era de 2%.

Durante a Guerra Fria, os resultados extraordinários da União Soviética e dos países do bloco socialista na redução da desigualdade e da pobreza tiveram efeitos importantes para além de suas fronteiras, pressionando os países ocidentais a adotarem programas de distribuição de renda e redes de proteção social. A criação do Estado de bem-estar social nos países ocidentais foi uma resposta ao modelo socialista soviético, uma tentativa de "disciplinar" a desigualdade de renda sob o capitalismo, buscando manter indicadores minimamente aceitáveis de qualidade de vida para evitar a influência da ideologia socialista sobre as massas e a radicalização de sindicatos, organizações trabalhistas e movimentos sociais.

Após a dissolução da União Soviética, entretanto, o legado da redução da desigualdade econômica logrado pelo socialismo se perdeu em velocidade espetacular. Sob o capitalismo, a Rússia chegou a ter indicadores de concentração de renda e pobreza piores do que os existentes no período pré-revolucionário. Em meados dos anos 2000, o percentual da renda nacional concentrada nas mãos do 1% mais ricos saltou de 5% para quase 30%. A participação dos 50% mais pobres despencou de 32% para 17%. O Coeficiente de Gini quase dobrou, saltando para 0,401. O número de pobres vivendo nas ex-repúblicas da União Soviética passou de 14 milhões em 1989 para 147 milhões em 1998.

A dissolução da União Soviética também teve efeitos profundos sobre os países capitalistas ocidentais. Sem o receio da "ameaça do modelo soviético" cooptar e radicalizar populares, movimentos sociais e sindicatos, os países capitalistas começaram a desmontar gradualmente a estrutura do Estado de bem-estar social, afrouxando e reduzindo as redes de proteção social e deixando o capitalismo sem amarras, livre para voltar à trajetória de concentração de renda desenfreada, característica das primeiras décadas do século XX. Esse movimento se consolidou sob o chamado "Consenso de Washington", com a adoção generalizada do receituário neoliberal e a difusão do discurso único em defesa da "austeridade" e de práticas como redução de programa sociais, privatização, corte de investimentos públicos e a defesa do "Estado mínimo". Todos esses expedientes visam a desregulamentação dos mercados em benefício do capital, mas são invariavelmente apresentados como condições indispensáveis à boa governança.

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