Integralismo


Em um trecho de desconcertante sinceridade de seu livro "Liberalismo", o economista austríaco Ludwig von Mises definiu o fascismo como "um expediente de emergência", ao qual atribuiu o "mérito" de "salvar a civilização europeia". De fato, a ascensão do nazifascismo visava garantir a primazia dos interesses da plutocracia ocidental e os privilégios dos grandes capitalistas que se sentiam ameaçados pelo avanço do socialismo e das organizações sindicais e trabalhistas. Em reação às crises políticas e econômicas, os movimentos operários ganhavam força e popularidade, insuflando ainda mais a agitação social que marcou as primeiras décadas do século XX. Os movimentos fascistas europeus se apresentavam como uma tábua de salvação do capitalismo, um esforço contrarrevolucionário financiado e apoiado pela burguesia industrial, pelas grandes corporações e pelos bancos europeus para reestabelecer a "ordem".

No Brasil, observou-se um fenômeno parecido em relação ao integralismo - movimento político de extrema-direita, ultranacionalista, tradicionalista e conservador, inspirado no fascismo italiano. A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi fundada em outubro de 1932 pelo jornalista Plínio Salgado e chegou a agregar mais de um milhão de filiados, ditos "camisas verdes". O integralismo tinha forte capilaridade e contava com o apoio oficioso de militares e de burocratas do governo. Atuava em 22 estados brasileiros e contava com núcleos citadinos em vários países. O integralismo seguia passo a passo o modus operandi dos movimentos nazifascistas europeus, formando milícias armadas, estabelecendo laços com todas as instituições e segmentos da sociedade e administrando mais de uma centena de jornais.

A exemplo do que ocorria na Europa, essa rápida expansão do integralismo no Brasil foi possível graças ao forte apoio e financiamento da elite brasileira, sob a liderança de banqueiros e industrialistas. Alfredo Egydio de Souza Aranha, proprietário do Banco Central de Crédito e fundador do Banco Itaú, foi o principal responsável pela ascensão política de Plínio Salgado, financiando suas atividades desde a época em que ambos eram filiados ao reacionário Partido Republicano Paulista (PRP).

Conforme atestado por Miguel Reale em suas "Memórias", Alfredo Egydio desempenhou papel fundamental na sedimentação do integralismo, servindo como "uma espécie de mecenas no plano das ideias pelas quais simpatizava”. Alfredo Egydio fundou até mesmo um jornal, "A Razão", que foi entregue a Plínio Salgado para servir como panfleto integralista. Também empregou Plínio em suas empresas e financiou a criação e a manutenção da AIB por vários anos. A família Mesquita, dona do jornal O Estado de S. Paulo, também contribuiu enormemente para dar visibilidade ao líder integralista, cedendo-lhe espaço em suas colunas e reportagens.

Outro importante financiador do integralismo foi o banqueiro Walther Moreira Salles, fundador do Unibanco. Conforme relatado por Luis Nassif em sua biografia do banqueiro, Moreira Salles teria financiado a fracassada tentativa de golpe de Estado perpetrada pelos integralistas em 1938, quando atacaram o Palácio da Guanabara e quase mataram Getúlio Vargas. A filha do presidente, Alzira Vargas, então amante de Moreira Salles, telefonou para o banqueiro logo após o episódio cobrando explicações: "seus correligionários tentaram nos matar." José de Magalhães Pinto, proprietário do Banco Nacional, também se filiou à AIB e financiou diversas atividades da organização.

A participação dos banqueiros na ascensão do movimento fascista brasileiro é abordada em um documentário chamado "Soldado de Deus", produzido por Sérgio Sanz em 2004, que congrega entrevistas com vários expoentes e ideólogos do integralismo, tais como o jurista Miguel Reale e o escritor e poeta Gerardo Mello Mourão. Questionado sobre quais eram os principais apoiadores do integralismo, Mourão - que chegou a ser condenado à morte por colaboração com os nazistas, tendo a pena posteriormente comutada em prisão - citou sem titubear: “Magalhães Pinto. Walther Moreira Salles. O Banco Itaú todo. Todo. Foi quem financiou o integralismo."

A Ação Integralista Brasileira foi oficialmente dissolvida por Getúlio Vargas em 1937, mas seus militantes mantiveram-se ativos na clandestinidade e posteriormente se reorganizaram, migrando a para o Partido de Representação Popular. Após o golpe de 1964, vários ex-integralistas se filiaram à Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido do oficialato que governou o Brasil durante a ditadura civil-militar. O regime militar foi uma era dourada para os bancos financiadores do integralismo, que testemunharam a multiplicação exponencial dos seus lucros, ocorrida em paralelo com a explosão da concentração de renda do país, convertido em um dos mais desiguais do mundo no período.

Como evidência maior do processo de concentração bancária e oligopolização do sistema financeiro, os laços ideológicos do passado foram substituídos por relações comerciais ainda mais íntimas entre essas instituições. O Banco Nacional de Magalhães Pinto foi comprado pelo Unibanco de Moreira Salles em 1995. E em 2008, o Unibanco se fundiu ao Itaú de Alfredo Egydio. O Itaú Unibanco é hoje o maior conglomerado financeiro do hemisfério sul e um dos 20 maiores bancos do mundo, com mais de 55 milhões de clientes e uma carteira de ativos de 1,4 trilhão de reais.

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