Ligas Camponesas

 


Membros das Ligas Camponesas fazem uma manifestação em prol da reforma agrária, carregando instrumentos de trabalho e estandartes com as figuras de Fidel Castro e Joseph Stalin. Vitória de Santo Antão, Pernambuco, setembro de 1960.

As Ligas Camponesas eram organizações de trabalhadores rurais criadas pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) a partir de 1945, com o objetivo de lutar pela reforma agrária, reivindicar melhores condições de vida no campo e estimular a população a identificar os seus interesses de classe. As ligas funcionavam como células autônomas estabelecidas em vários municípios do país, agregando trabalhadores rurais de todo tipo, de pequenos agricultores a sem-terras. Em 1947, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, marcado pela submissão da política externa brasileira aos interesses dos Estados Unidos, o registro do PCB foi cancelado, os parlamentares comunistas tiveram seus mandatos cassados e as Ligas Camponesas, que já sofriam com a repressão governamental, foram postas na ilegalidade.

As Ligas Operárias retornariam a mobilização a partir de 1954, ressurgindo com força na Região Nordeste, sobretudo em Pernambuco, onde se organizou a Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (SAPPP), sediada no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão. A SAPPP era uma associação de ajuda mútua dos camponeses, provendo assistência médica, jurídica e educacional e operando uma cooperativa de crédito que visava auxiliar os trabalhadores rurais a obterem autonomia em relação aos latifundiários. Acusada de "subversão socialista", a SAPPP passou a sofrer sucessivos ataques e tentativas de dissolução à força, orquestradas pelos latifundiários e forças políticas regionais. Os camponeses, entretanto, também conseguiram importantes apoios políticos. Francisco Julião, deputado do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Gregório Bezerra, dirigente do PCB, e lideranças populares como João Pedro Teixeira passaram a organizar os esforços de resistência e a trabalhar pelo fortalecimento das Ligas Camponesas.

Em 1955, Francisco Julião obteve o registro legal da SAPPP, que passou a atuar de forma institucional. A partir de então, as Ligas Camponesas intensificaram a mobilização no campo, atraindo forte apoio popular e milhares de filiados. Em 1959, a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco colocou em votação um projeto de lei encaminhado por Francisco Julião que determinava a desapropriação das terras do Engenho Galileia. Milhares de membros das Ligas Camponesas pressionaram os deputados, cercando o prédio da Assembleia com foices, facões e enxadas - seus instrumentos de trabalho. O projeto de lei foi aprovado, resultando no primeiro ato em favor da reforma agrária desde a Segunda Guerra Mundial. A vitória das Ligas Camponesas foi um ponto de inflexão do movimento e um marco da reforma agrária no Brasil.

A partir de então, o movimento ganhou corpo e se espalhou por todo o Nordeste. No começo dos anos sessenta, as Ligas Camponesas já somavam mais de 70 mil filiados. A luta se intensificou após a visita de Francisco Julião a Cuba, em 1960. Depois de conhecer as iniciativas revolucionárias em curso na ilha, Julião retornou ao Brasil defendendo um projeto nacional de reforma agrária radical, que deveria sair "na lei ou na marra". Gigantescas passeatas passaram a ser organizadas, exigindo investimentos sociais e mudanças na legislação fundiária - nomeadamente a "Marcha da Fome", quando milhares de camponeses cercaram o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo pernambucano, para denunciar a situação de miséria em que o povo vivia.

O avanço das reformas no campo e a expansão das Ligas Camponesas pelo Nordeste alarmou as oligarquias e seus representantes na imprensa, que passaram a conduzir uma virulenta campanha de demonização do movimento - intensificada após João Goulart, favorável à reforma agrária, assumir a Presidência da República. Igualmente preocupado e receoso com a possibilidade de repetição de uma experiência socialista nas Américas, o presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, enviou Arthur Schlesinger ao Nordeste, para monitorar as Ligas Camponeses. Paralelamente, recorrendo ao Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) - um think tank anticomunista mantido pela CIA -, o governo estadunidense financiou a criação do Serviço de Orientação Rural de Pernambuco (SORPE), numa tentativa de desestruturar as Ligas Camponesas. O SORPE assumiu o controle da Federação dos Sindicatos Rurais em 1962 e pôs em prática um plano de dividir o movimento para prejudicar a candidatura de Miguel Arraes, favorável à reforma agrária, ao governo de Pernambuco. O plano não deu certo e Arraes foi eleito.

Com o apoio institucional de Goulart e Arraes, as Ligas Camponesas conseguiram avançar importantes reformas, como a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, que, entre outras medidas, instituía o 13º salário para trabalhadores rurais e aumentava em 150% a diária paga aos camponeses da zona canavieira de Pernambuco. Em 1964, o movimento comemorou a aprovação do Estatuto da Terra.

Os avanços nas questões fundiárias obtidos pelas Ligas Camponesas foram um dos elementos que levaram as elites nacionais, apoiadas pelo governo estadunidense, a perpetrarem o Golpe Militar de 1964, derrubando os governos de João Goulart e Miguel Arraes. Após o golpe, as Ligas Camponesas foram dissolvidas e seus integrantes brutalmente reprimidos. O líder do movimento, Francisco Julião, foi cassado, preso e posteriormente exilado. Diversas lideranças das Ligas Camponesas seriam assassinadas pelas forças repressivas da ditadura, desarticulando o movimento e abafando a luta pela reforma agrária durante quase todo o regime. Os trabalhadores rurais só voltariam a se articular no final dos anos setenta, centralizando sua luta no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Um relatório elaborado em 2012 pela Secretaria de Direitos Humanos a pedido da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) identificou 1.196 casos de trabalhadores rurais assassinados ou desaparecidos por motivos ideológicos ou disputa fundiária durante a ditadura militar.

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