Marcus Garvey


Marcus Garvey (1887-1940), empresário e ativista jamaicano, alcunhado "o Moisés Negro", é uma das principais referências dos movimentos identitários liberais defensores da ideia de "black money" ou "capitalismo negro". Foi o fundador da Associação Universal para o Progresso Negro (UNIA, no acrônimo em inglês) e inspirador do garveísmo, uma corrente do nacionalismo negro influenciada por valores reacionários.

Se Samora Machel alertava contra os "capitalistas pretos" que pretendiam perpetuar o mesmo modelo de opressão e exploração e Malcolm X defendia a ideia de que "não há capitalismo sem racismo" e de que "por trás de todo capitalista há um parasita", Marcus Garvey era a antítese perfeita de ambos. Garvey era um apologista entusiasmado do capitalismo e defendia a ideia de que os negros deveriam acumular capital explorando a sua própria etnia. Para Garvey, o capitalismo é "necessário para o progresso do mundo" e seus críticos são "inimigos do progresso humano".

Anticomunista ferrenho, Garvey engajou-se em campanhas para convencer os afro-americanos a se afastarem da esquerda e hostilizava qualquer forma de movimento sindical. Negros progressistas eram proibidos de se filiarem à UNIA e Garvey incitava seus adeptos a dispersarem à força os comícios de esquerda. Garvey justificava sua postura dizendo que o comunismo era uma "invenção de brancos". Em resposta, a Internacional Comunista caracterizou as ideias de Garvey como "filosofia reacionária burguesa" e apontou a incoerência do seu discurso, que rotulava o marxismo como "invenção de brancos", mas não via problemas em defender fervorosamente o capitalismo, sistema econômico que surgiu na Europa e se consolidou justamente graças à colonização e escravização das populações nativas de África, América e Ásia pela plutocracia branca europeia.

Garvey defendia preceitos baseados em revisionismo e negação da realidade, ignorando deliberadamente o recorte de classes e utilizando-se de contorcionismo verbal e falácias lógicas para justificar a exploração capitalista. Defensor dos interesses das classes mais abastadas, Garvey pregava a ideia de que os operários brancos - e não a elite econômica - eram os verdadeiros rivais dos negros e que, enquanto não fosse possível desenvolver uma economia capitalista negra, era do interesse dos próprios operários negros manter seus salários em um nível inferior ao dos brancos, para que fossem mais competitivos no mercado de trabalho.

Garvey foi um dos maiores incentivadores da ideia do "regresso à África", difundida por intermédio da UNIA. A partir da década de 1920, inspirado no exemplo da Libéria, Garvey passou a coordenar esforços para promover uma campanha global de "retorno" dos negros de todos os continentes para a África. Ele acreditava que os negros estadunidenses, em especial, seriam detentores de capacidades técnicas e administrativas com as quais os autóctones africanos não conseguiriam competir, estando aptos a formar uma nova elite no continente africano, capaz de explorar a mão-de-obra nativa e, nas suas palavras, "ajudar a civilizar as tribos africanas atrasadas". Garvey, portanto, intencionava não uma integração dos afrodescendentes às culturas africanas nativas, mas a imposição de valores eurocentrados alheias ao continente.

Paralelamente, usando como justificativa o exemplo histórico da organização social em países da América Central, onde uma elite mestiça se aliou aos brancos para subjugar os negros de pele mais escura, Garvey passou a defender teses racistas extremas, opondo-se à miscigenação e excluindo os mestiços de seu movimento. Tornou-se defensor da segregação e da pureza racial. Em certa oportunidade, declarou que acreditava "numa raça negra pura, tal como todos os brancos que se prezam acreditam numa raça branca tanto quanto possível pura".

Não por acaso, os projetos de Garvey ganharam a simpatia dos setores mais reacionários da sociedade estadunidense, flertando, paradoxalmente, com as ideias de grupos que pregavam a defesa da supremacia branca. Garvey apoiou um projeto de lei apresentado por um senador de extrema direita assumidamente racista que propunha o "repatriamento" forçado para a África de todos os afro-americanos. Membros da Ku Klux Klan, organização notória por perseguir e linchar negros, também eram constantemente convidados para discursar nos comícios organizados por Garvey na UNIA. Garvey costumava agradecer aos brancos pelas Leis Jim Crow, que impunham a segregação racial nos Estados Unidos. Sem qualquer constrangimento, Garvey afirmou que “a Sociedade Americana Branca, os Clubes Anglo-Saxônicos e a Ku Klux Klan gozam de todo o meu apoio na sua luta por uma raça pura, no mesmo momento em que nós estamos a lutar por uma raça negra pura”.

O plano de Garvey de enviar os afro-americanos para "colonizar" a África, entretanto, não avançaria muito além da intenção. Garvey enfrentou forte resistência por parte da população negra dos Estados Unidos, que enxergava suas ideias como um simulacro das mais perniciosas ideologias raciais. A noção de que cidadãos nascidos nos Estados Unidos deveriam "regressar" à África - um continente onde nunca estiveram - soava para muitos como um disparate. A pretensão de Garvey ao se auto-proclamar "presidente da África" - continente que ele nunca visitou - e a distribuição de títulos nobiliárquicos africanos imaginários aos seus seguidores também afetou negativamente sua imagem.

Líderes políticos de Nigéria, Senegal, Etiópia e outros países africanos passaram cada vez mais a se pronunciarem contra a intenção de Garvey de incentivar a colonização da África por capitalistas negros estadunidenses. A negociação entre a UNIA e o governo da Libéria para promover a imigração de afro-americanos foi abandonada. A reputação de Garvey também foi bastante afetada por uma série de escândalos em suas empresas, acusadas de praticarem fraudes equivalentes ao golpe da pirâmide de lucros. Em função dessas fraudes, Garvey enfrentou processos criminais e foi preso diversas vezes entre 1921 e 1927. Para se defender, afirmou que estava sendo vítima de uma conspiração de judeus e de sabotagem de "negros reacionários".

Malgrado sua atribulada biografia, Garvey segue sendo um ideólogo muito influente entre os movimentos identitários negros de cariz liberal, apologistas do capitalismo e promotores de discussões frívolas e divisionistas, disfarçando sob o manto do ativismo negro ideias reacionárias que misturam caricaturas do ideário de pureza racial à defesa aberta dos privilégios das classes mais abastadas. Desde muito cedo, o historiador afro-americano Wilson S. Moses criticava a "adulação acrítica" de Garvey em alguns círculos do movimento negro dos Estados Unidos e condenava sua argumentação falaciosa, retórica divisionista e o apelo ao colorismo. Por sua vez, o líder pan-africanista W.E.B. Du Bois considerava Garvey “o inimigo mais perigoso da raça negra na América e no mundo". Garvey, de fato, parece ter personificado como poucos o famoso axioma de Simone de Beauvoir: "o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos". 

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