Massacre de Eldorado do Carajás
Integrantes do MST velam os corpos dos dezenove sem-terra mortos pela polícia durante o Massacre de Eldorado do Carajás. Pará, abril de 1996. Fotografia de Sebastião Salgado.
Em 1996, um grupo de 1500 camponeses ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou a Fazenda Macaxeira, um latifúndio improdutivo localizado em Curionópolis, no Pará. Diante da negativa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em desapropriar a fazenda, os sem-terra decidiram organizar uma marcha até Belém, para pressionar o governo estadual a tomar ações. Após sete dias marchando, os sem-terra resolveram acampar à beira da Rodovia PA-150, em um trecho conhecido como "Curva do S", no município paraense de Eldorado do Carajás, à espera de alimentos e transporte para completar os 600 quilômetros que restavam da jornada.
Alegando a necessidade de "desobstruir a rodovia", o governador do Pará, Almir Gabriel (PSDB), seu secretário de segurança, Paulo Sette Câmara, e o presidente do Instituto de Terras do Pará, Ronaldo Barata, ordenaram a dispersão do grupo, instruindo os agentes a usarem “a força necessária, inclusive atirar”. No dia 17 de abril de 1996, uma tropa com quase 300 policiais foi enviada para o local, sob o comando do coronel Mario Colares Pantoja, do major José Maria Pereira de Oliveira e do capitão Raimundo José Almendra Limeira. Ao chegarem à "Curva do S", os policiais, sem identificação na farda, armados com fuzis, metralhadoras e escopetas, iniciaram um massacre bestial contra os trabalhadores, que tentaram se defender com pedras e paus. O ataque durou duas horas e deixou um saldo de dezenove sem-terra mortos e mais de sessenta feridos.
A ação policial foi filmada pela TV Liberal e as imagens rodaram o mundo, causando indignação e comoção internacional. Entre as cenas chocantes, chamou a atenção a perseguição a um adolescente de 17 anos, Oziel Alves Pereira, totalmente desarmado, que tentou fugir do massacre, mas foi caçado, baleado, algemado e arrastado pelos cabelos até o ônibus da polícia militar - aparecendo morto algumas horas depois. Os corpos das vítimas tinham os membros mutilados e crânios esmagados. A perícia comprovou que dez dos dezenove sem-terra mortos na ação foram executados com tiros à queima-roupa. Outros sete foram assassinados com instrumentos cortantes, como foices e facões.
Pressionado, o governador do Pará negou responsabilidade sobre o ocorrido, atribuindo a truculência ao coronel Pantoja. A repercussão do massacre gerou uma crise no governo federal, presidido pelo mesmo partido do governador. O ministro da Agricultura pediu demissão e o presidente Fernando Henrique Cardoso recriou o Ministério da Reforma Agrária para aplacar as críticas.
Durante as investigações, descobriu-se que o coronel Pantoja e o major Oliveira estiveram reunidos na Fazenda Macaxeira alguns dias antes e teriam sido incumbidos de massacrar os sem-terra pelos latifundiários da região. Jagunços da Fazenda Macaxeira também foram identificados como coautores do massacre, atuando lado a lado com os policiais. Apesar das provas fartas em relação ao envolvimento dos agentes, a perícia feita pela Unicamp comprovando que os policiais tinham executado os sem-terra à queima-roupa foi considerada inválida e os três oficiais foram absolvidos pelo tribunal do júri. Não obstante, uma matéria publicada pela revista Época revelou que o jurado Sílvio Queiroz Mendonça, aspirante a delegado, tinha ligações com os oficiais em julgamento e ofereceu dinheiro para que um colega do júri votasse pela absolvição. O Tribunal de Justiça do Pará anulou então a sentença.
Em maio de 2002, em um novo julgamento, o coronel Mário Pantoja foi condenado a 228 anos de prisão e o major José Maria de Oliveira recebeu uma sentença de 158 anos de cadeia. Os demais 155 policiais identificados como coautores do massacre foram inocentados. A prisão dos dois oficiais só aconteceu em 2012, depois de uma série de recursos.
O Massacre de Eldorado do Carajás foi a chacina mais brutal direcionada contra os movimentos sociais desde a redemocratização do Brasil, tornando-se um símbolo da violência no campo e da subordinação dos aparelhos do Estado aos interesses do poder financeiro e do latifúndio. Foi também o prelúdio de uma escalada de conflitos rurais que surgiram como uma reação à expansão do MST e à discussão sobre a necessidade da reforma agrária.
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