Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)


Trabalhadores rurais protestam contra o massacre de integrantes do MST em Eldorado dos Carajás, Pará, abril de 1996. Fotografia de Sebastião Salgado.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o maior movimento social do Brasil. Foi fundado em janeiro de 1984 com o objetivo de lutar pela reforma agrária popular, combater a concentração fundiária e pleitear mudanças sociais e condições de vida digna para todos. O MST atua em 25 estados do Brasil e congrega mais de 1,5 milhão de integrantes. O movimento já assentou mais de 350.000 famílias e mantém outras 80.000 famílias em acampamentos.

A estratégia de luta pela reforma agrária do MST inclui a ocupação de terras improdutivas - latifúndios que não são utilizadas nem pra moradia, nem pra plantio, descumprindo a determinação constitucional da função social da terra e a legislação do Estatuto da Terra. A atuação do movimento, entretanto, é muito mais abrangente. O MST é um dos maiores produtores de alimentos do país, administrando uma ampla rede de cooperativas, associações e agroindústrias em seus assentamentos. Desde 2017, o movimento detém o título de maior produtor de arroz orgânico da América Latina e acumula safras recordes de produção de sementes.

Na área da educação, o movimento administra uma instituição de ensino superior e mais de 1.800 escolas de ensino básico, agregando 160.000 estudantes. As iniciativas educacionais do movimento obtiveram reconhecimento internacional e chancela da UNICEF. O MST atua também na área da saúde popular, oferecendo cursos técnicos e superiores e mantendo o Projeto Escola Latino-Americana, que já formou mais de 100 integrantes do MST como médicos, graduados em instituições de ensino de Cuba e Venezuela. Os médicos do MST atuam em 16 estados brasileiros, por intermédio do SUS. O movimento é também um dos maiores doadores de alimentos do país, disponibilizando anualmente centenas de toneladas de comida para famílias de baixa renda e moradores de rua.

O MST surgiu em um contexto de reorganização da luta pela democratização da terra, intensificada em resposta às políticas agrárias implementadas após o golpe de 1964. A ditadura civil-militar reforçou ainda mais o modelo agrário concentrador e excludente e a proteção aos grandes latifúndios, à grilagem e à improdutividade. A partir da década de setenta, os camponeses iniciaram uma série de ocupações de terras improdutivas, iniciando pelas granjas Macali e Brilhante, no Rio Grande do Sul. Em 1981, estabeleceram o acampamento da Encruzilhada Natalino, que se tornaria um símbolo de resistência à ditadura militar, atraindo o apoio da sociedade civil e inspirando o surgimento de novos focos de resistência em todo o país. Em janeiro de 1984, os trabalhadores rurais que protagonizavam essas lutas decidiram unificar os movimentos durante o 1º Encontro Nacional dos Sem Terra, sediado em Cascavel, no Paraná, fundando assim o MST.

A partir de 1985, o movimento começou a se expandir nacionalmente, com dezenas ocupações em todas as regiões do Brasil - incluindo-se o acampamento da Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul, que se tornaria o primeiro latifúndio ocupado a ser desapropriado e dividido entre famílias assentadas, um marco histórico do movimento e da reforma agrária no Brasil. Em 1986, o jornal Sem Terra, editado pelo movimento, recebeu o Prêmio Vladimir Herzog. Como fruto da pressão exercida pelo MST e do contexto de abertura política, o governo Sarney criou o Plano Nacional da Reforma Agrária, mas apenas 6% dos assentamentos previstos saíram do papel.

Com a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, reconheceu-se oficialmente a legalidade da desapropriação de terras que não cumprissem a função social. O governo de Fernando Collor, entretanto, não realizou nenhuma desapropriação, preferindo iniciar uma forte repressão contra os movimentos camponeses. A Lei Agrária, aprovada no governo de Itamar Franco, agilizou o processo de desapropriação e os assentamentos retornaram a partir de 1993. Nesse mesmo ano, o MST encampou a criação da Via Campesina, um movimento internacional aglutinando organizações camponesas dos cinco continentes.

A breve distensão observada após a queda do governo Collor seria revertida durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC), marcada pela destruição da política de crédito para compra de terras e pelo aumento do êxodo rural, em decorrência da ação dos bancos contra pequenos agricultores endividados. FHC também aprovou duas medidas provisórias que buscavam criminalizar a ocupação de terras, ao mesmo tempo em que maquiou estatísticas de assentamento como ferramenta de propaganda, "clonando" assentamentos criados em governos anteriores e pelos executivos estaduais e registrando-os como assentamentos novos. A confusão foi tanta que ao final de sua gestão nem mesmo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) sabia afirmar quantos assentamentos foram feitos. O governo FHC também foi marcado pelo recrudescimento da violência no campo, com a ocorrência de dois dos maiores massacres de sem-terra desde o regime militar: o Massacre de Corumbiara, ocorrido em Rondônia em 1995, organizado por policiais e jagunços do fazendeiro Antenor Duarte; e o Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996, quando a polícia paraense assassinou 19 sem-terra que ocupavam a Fazenda Macaxeira.

Em reação aos massacres, o MST organizou as grandes marchas de 1997, com três grandes colunas de manifestantes marchando a pé de vários estados do país até Brasília, onde foram saudados por 100.000 manifestantes. O movimento ganhou visibilidade internacional e apoio da classe artística. Ações de financiamento das atividades do MST passaram a ser organizadas por nomes como José Saramago, Chico Buarque e Sebastião Salgado. Noam Chomsky chegaria a se referir ao MST como "o movimento popular mais importante e estimulante do mundo". Em 1999, o MST foi um dos organizadores da Jornada Nacional de Lutas, protestando contra a agenda neoliberal do governo FHC e a política de privatização, austeridade e cortes de investimentos públicos.

A vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) na eleição presidencial de 2002 gerou grande expectativa entre os sem-terra em relação à reforma agrária. O governo Lula ampliou o número de assentamentos - que quase quadruplicaram entre 2002 e 2006 - mas não se esforçou em criar um projeto abrangente de reforma agrária, tampouco cogitou a alteração do modelo de concentração fundiária. Ao contrário: o governo Lula foi marcado pela consolidação do poder político do agronegócio e do modelo agrário-exportador baseado em grandes latifúndios e monoculturas. Em 2004, o MST foi alvo de mais uma chacina - o Massacre de Felisburgo, organizado pelo dono da fazenda Nova Alegria e 17 pistoleiros. Em resposta, o MST organizou uma nova Marcha Nacional pela Reforma Agrária e organizou novas ocupações em fazendas das empresas Suzano e Cutrale.

Em 2015, o MST se manifestou desacordo com a política econômica do governo de Dilma Rousseff e exigiu que a presidente implementasse "o programa que a elegeu", em referência à promessa de assentar 120.000 famílias. Apesar disso, o movimento manifestou oposição ao impeachment de Dilma, convocando seus filiados a se manifestarem contra o golpe parlamentar de 2016.

Desde o governo Michel Temer, os assentamentos tem sido drasticamente reduzidos. Em 2015, último ano integral do governo Dilma, houve 26.335 assentamentos. Em 2016, o número despencou para 1.686. Sob Bolsonaro, a queda foi ainda mais intensa, reduzindo-se a 1.374 assentamentos em 2019. Em 2020, o governo Bolsonaro cortou 99% de toda a verba destinada à reforma agrária e paralisou 413 processos de desapropriação de terras improdutivas que estavam sendo conduzidos pelo INCRA. Além de interromper os assentamentos, Bolsonaro tem buscado criminalizar o MST, rotulando-o como uma "organização terrorista". Seu governo também tentou aprovar um projeto de lei que permitiria ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para reintegração de posse no campo. A medida insere-se em um contexto de naturalização e estímulo à repressão aos movimentos sociais, que inclui ainda o apoio ao projeto de "excludente de ilicitude", amenizando ou isentando de responsabilidade jurídica os agentes públicos que matarem em serviço. A exortação à barbárie tem rendido frutos. Em 2019, foram computados 1254 casos de conflitos no campo, incluindo o assassinato de lideranças do MST. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, esse é o maior número registrado desde o ano de 1985 - quando se iniciou a reabertura política.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Othon Pinheiro, Lava Jato e Programa Nuclear Brasileiro

Explosão da Base de Alcântara

Evolução do PIB per capita da antiga União Soviética