"O Presidente Negro", de Monteiro Lobato

Considerado um dos maiores autores de histórias infantis do Brasil, Monteiro Lobato escreveu somente um romance de ficção científica para adultos, denominado "O Presidente Negro ou Choque das Raças", publicado originalmente em 1926. A obra é também seu livro mais polêmico, consistindo em um libelo racista, repleto de ideias eugênicas que antecipavam muito do pensamento do incipiente nazifascismo europeu. Era também sua maior tentativa de se firmar como grande autor no mercado editorial estadunidense.

A narrativa se passa em dois momentos distintos: em 1928 e no ano 2228. Após sofrer um acidente automobilístico, Ayrton, um funcionário da agência de cobranças Sá, Pato & Cia, é resgatado pelo professor Benson, que o leva para sua casa e lhe apresenta sua invenção - o "porviroscópio", um dispositivo que permite ver o futuro. É por meio desse aparelho que Ayrton escuta os relatos do professor Benson sobre o que ocorreria na eleição presidencial dos Estados Unidos dali a três séculos.

Nesse futuro, existem três partidos americanos concorrendo às eleições: o Partido Masculino (cujo candidato é Kerlog), o Partido Feminino (que tem como candidata a feminista Evelyn Astor) e o Partido Negro (com o candidato Jim Roy). A divisão do eleitorado branco entre os partidos Feminino e Masculino permite que o candidato do Partido Negro vença a eleição. Jim Roy se torna então o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.

Os estadunidenses brancos, entretanto, não aceitam ser governados por um negro, tampouco os negros, tendo eleito um presidente de sua etnia, aceitariam ser banidos para a a África, como propunham os brancos. Assim, os estadunidenses inventam um processo artificial de branqueamento. Esse processo de "despigmentação" fazia com que os negros ficassem, nas palavras do autor, "horrivelmente esbranquiçados", não sendo aceitos como "brancos legítimos", sobretudo porque a textura dos cabelos crespos "denunciava" sua origem.

É então que um inventor chamado John Dudley propõe uma solução: o alisamento de cabelos dos negros através do uso de raios ômega. Todos os negros se submetem ao processo de alisamento. O autor revela então a "grande saída" concebida pelos brancos: os raios ômega, além de alisarem os cabelos, provocavam a esterilização dos negros, o que levaria à extinção de toda a etnia. Jim Roy, o presidente negro, é encontrado morto em seu escritório. Kerlog, o candidato branco do Partido Masculino, assume o poder. O autor saúda a grande solução americana: "vence, por fim, a inteligência do branco".

No mesmo romance, Lobato postula uma solução eugênica para o Brasil: no futuro, as regiões Sul e Sudeste se uniriam à Argentina e ao Uruguai, formando a "Grande República Branca do Paraná", enquanto as regiões Norte e Nordeste seriam entregues aos negros, índios e mestiços.

A narrativa de Lobato é pontuada por comentários do autor sobre os "erros iniciais" da composição étnica das duas nações e que a segregação, como implantada nos Estados Unidos, seria a melhor saída para o "problema racial". Em um trecho, declara que a miscigenação havia "estragado" a sociedade brasileira: “A nossa solução foi medíocre. Estragou as duas raças, fundindo-as. O negro perdeu as suas admiráveis qualidades físicas de selvagem e o branco sofreu a inevitável penhora de caráter”.

Monteiro Lobato nunca escondeu seus pensamentos racistas. Eugenista convicto, amigo de Renato Kehl, o pai da eugenia brasileira, Lobato considerava que a miscigenação havia criado "uma classe de corcundas de Notre Drame nos subúrbios do Rio de Janeiro". Também admirava profundamente a Ku Klux Klan. Em uma carta a Arthur Neiva, afirmou: "País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma Kux-Klan (sic), é país perdido para altos destinos [...] Um dia se fará justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca — mulatinho fazendo jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva".

O livro foi um fracasso - sobretudo no mercado estadunidense, para o qual fora pensado. Em carta a Godofredo Rangel, o autor informa que nenhuma editora dos Estados Unidos aceitou publicar a obra: "Meu romance não encontra editor. Acham-no ofensivo à dignidade americana. Errei vindo cá tão verde. Devia ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros.”

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