Organize-se, lute e vote! (I)
A anarquista lituana Emma Goldman é a autora de várias frases célebres. O adágio mais famoso que lhe é atribuído certamente é o que vaticina que "se o voto mudasse alguma coisa, eles o tornariam ilegal". De fato, é inocência esperar que transformações sociais e políticas de grande vulto sejam possíveis através das democracias liberais burguesas, de seus parlamentos farsescos, de seus sistemas eleitorais viciados, de suas instituições corrompidas e cooptadas pelos interesses do capital. Mas a frase de Goldman não deve ser interpretada sob um valor binário. Se é verdade que votar não muda nada, também é verdade que não votar, por si só, não constitui nenhum tipo de ação efetiva em prol de alguma mudança. Afinal, não votar também é permitido. A abstenção ou não participação no processo eleitoral é uma possibilidade absolutamente assimilada e ineficaz em todas as democracias burguesas. Não tem peso algum.
Em seu ensaio denominado "Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo", Lenin aborda a questão da participação da esquerda revolucionária nas eleições parlamentares burguesas ao mesmo tempo em que faz uma reprimenda à postura dos comunistas alemães por rechaçarem os métodos parlamentares de luta. Lenin argumenta que deduzir que um determinado sistema político foi superado por ter "caducado historicamente" é "o mais perigoso dos erros para os revolucionários", derivado de uma postura equivocada de substituir a realidade objetiva por seus desejos e suas concepções político-ideológicas.
Diz Lenin: "os comunistas cobrem-nos de elogios, a nós bolcheviques. Às vezes dá-nos vontade de dizer-lhes: louvai-nos menos, compreendei melhor a tática dos bolcheviques, familiarizai-vos mais com ela! Participamos nas eleições ao parlamento burguês da Rússia, à Assembleia Constituinte, em Setembro-Novembro de 1917. (...) Os bolcheviques não boicotaram a Assembleia Constituinte, mas até participaram nas eleições, tanto antes como depois da conquista do poder político pelo proletariado. (...) Na Europa ocidental e nos Estados Unidos, o parlamento tornou-se extremamente odioso para a vanguarda revolucionária da classe operária. É um fato indiscutível. E é facilmente compreensível, pois é difícil imaginar maior vileza, abjeção e felonia, que a conduta da imensa maioria dos deputados socialistas e sociais-democratas no parlamento, durante e depois da guerra. Contudo, seria não só insensato, como até mesmo criminoso, deixar-se levar por esses sentimentos ao decidir a questão de como se deve lutar contra o mal universalmente reconhecido. Pode-se dizer que, em muitos países da Europa ocidental, o estado de espírito revolucionário ainda é uma "novidade" ou uma "raridade" esperada durante muito tempo, em vão e impacientemente, razão por que, provavelmente, predomina com tanta facilidade. É claro que sem um estado de espírito revolucionário das massas e sem condições que favoreçam o desenvolvimento desse sentimento, a tática revolucionária não se transformará em ação; na Rússia, porém, uma experiência demasiado prolongada, dura e sangrenta convenceu-nos de que é impossível basear-se exclusivamente no estado de espírito revolucionário para criar uma tática revolucionária. A tática deve ser elaborada levando-se em conta serenamente, com estrita objetividade, todas as forças de classe do Estado em questão (e dos Estados que o rodeiam, assim como de todos os Estados à escala mundial), e também a experiência dos movimentos revolucionários. Manifestar o "revolucionarismo" só através de invectivas contra o oportunismo parlamentar, condenando apenas a participação nos parlamentos, é muito fácil; mas, precisamente porque é demasiado fácil, não é a solução para um problema difícil, dificílimo."
O grande problema das eleições nas democracias burguesas é que elas não servem à agenda da esquerda revolucionária, mas servem à agenda de toda a direita politicamente organizada. Não há espaço para ilusão. Só se pode chamar as eleições de "farsa burguesa" sob a compreensão estrita de que elas não permitem o avanço de pautas revolucionárias. Ocorre que, no que tange às agendas de retrocessos e de pautas embasadas pelo recrudescimento da opressão sobre a classe operária, não há nada farsesco nas democracias burguesas. Para fazer o mal, elas são 100% efetivas. E se enganam os que acham que a simples falta de representatividade "acordaria" as massas. Na fase atual do capitalismo financeiro, observa-se que quanto mais oprimidas e sem perspectivas as massas se encontram, mais apáticas, desorganizadas e desorientadas se tornam. A esquerda não deve optar pela luta ou pelo voto como se fossem grandezas ambivalentes. A esquerda deve ocupar todos os espaços possíveis - inclusive o maior número possível de assentos dentro dos parlamentos burgueses.
Fonte: Da Obra: A Doença Infantil do Comunismo, O "Esquerdismo"
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