Osório César

Poucos tratamentos médicos evoluíram tanto ao longo do século XX quanto as terapias psiquiátricas. Durante muito tempo, ignorância, preconceito, estigma e controle social influenciaram a abordagem clínica das psicopatologias, resultando na normalização de práticas médicas que não divergiam muito da tortura e do sadismo gratuito. Internação compulsória em sanatórios imundos, lobotomia, terapia de choque e outros métodos desumanos eram comuns até o passado recente. No Brasil, o comunista paraibano Osório César foi o pioneiro na adoção de práticas humanizadas de tratamento psiquiátrico.

Osório César nasceu na cidade de Parahyba (atual João Pessoa) em 17 de novembro de 1895. Após se graduar em odontologia em São Paulo, cursou medicina no Rio de Janeiro, especializando-se como anatomopatologista e psiquiatra. Viajou em seguida para a Europa, onde trabalhou no Hospital da Salpêtrière ao lado de Henri Piéron e outros discípulos de Carl Gustav Jung, o fundador da psicologia analítica. Seus artigos sobre psicopatologia logo obtiveram destaque e influência mundial. Sua obra "A Arte Primitiva dos Alienados", por exemplo, foi resenhada e comentada pelo próprio Sigmund Freud, pai da psicanálise.

De volta ao Brasil, Osório César passou a trabalhar no Hospital Psiquiátrico do Juqueri, na Grande São Paulo, função que ocuparia por 40 anos. Neste local, trabalhou incansavelmente pela humanização dos métodos terapêuticos. Aboliu a lobotomia, a terapia de choque e os demais tratamentos medievais em favor de procedimentos menos invasivos e novas terapias. Deu atenção especial para atividades que visavam estimular recursos físicos, cognitivos e emocionais, sobretudo a laborterapia. Fundou a Escola Livre de Artes Plásticas, onde eram oferecidas oficinas de desenho e pintura para os internos, além de organizar sessões musicais. A mudança provou-se acertada, registrando-se avanços no tratamento dos pacientes, com maior controle de sintomas, melhoria da autoestima, diminuição do estresse e das sequelas de experiências traumáticas.

Osório César passou a promover exposições de arte com as obras produzidas pelos pacientes do Hospital do Juqueri, atraindo a atenção do círculo artístico paulistano. O hospital passou a ser frequentado por artistas e críticos de arte renomados, tais como Aldo Rebelo, Flávio de Carvalho e Sérgio Milliet, garantindo maior visibilidade às questões relacionadas à arte psicopatológica. A visitante mais ilustre dessas reuniões artísticas foi a grande dama do modernismo brasileiro, Tarsila do Amaral, com quem Osório César se casou em 1931. O relacionamento com Tarsila resultaria em uma prolífica parceria de inspiração intelectual e profissional mútua - ela o motivou a a se interessar cada vez mais pela arte como técnica terapêutica e ele a instruiu sobre o comunismo e a influenciou a abordar a temática social em sua arte.

Em 1932, Osório César e Tarsila do Amaral visitaram a União Soviética, uma experiência que teria profundo impacto na carreira do casal, influenciando a artista a pintar a tela "Operários" e o médico a escrever "Onde o Proletariado Dirige" e "A Proteção da Saúde Pública na União Soviética". Ao retornarem ao Brasil, os dois foram presos pela polícia política de Getúlio Vargas. Filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), Osório César seria preso várias vezes durante Estado Novo por manifestar sua orientação político-ideológica. A mais longa dessas prisões ocorreria em 1935, quando retornou de sua segunda viagem à União Soviética, onde esteve para participar de um congresso de fisiologia.

Seu livro "Misticismo e Loucura" foi agraciado com o prêmio maior da Academia Brasileira de Letras em 1948 e influenciou o trabalho de diversos profissionais que levaram adiante a luta pela humanização dos métodos de tratamento psiquiátrico - nomeadamente a psiquiatra Nise da Silveira, que estabeleceu um trabalho semelhante no Rio de Janeiro. Osório César foi fundador das Sociedades Brasileiras de Psicanálise de São Paulo e Rio de Janeiro e é patrono da Academia de Medicina de São Paulo. Faleceu em 3 de dezembro de 1979 em Franco da Rocha. Nessa mesma cidade, inaugurou-se o Museu Osório César em sua homenagem.

Na ilustração, o "Retrato de Osório César" pintado por seu amigo, Aldo Bonadei.

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