A vacina Sabin
O cientista polonês Albert Sabin e pesquisadores soviéticos trabalham no desenvolvimento da vacina contra a poliomielite, doença viral infecciosa responsável por causar a paralisia infantil. Moscou, União Soviética, c. 1955. Com auxílio soviético, Sabin desenvolveu, testou e lançou a vacina oral ("gotinha") que permitiu erradicar a pandemia global de poliomielite nos anos 60.
Limitada a surtos isolados de curta duração no período pré-Revolução Industrial, a incidência da poliomielite evoluiu para a escala de pandemia em meados do século XX. Nos anos quarenta, a doença se espalhou por todo o mundo, causando pavor em função de sua alta taxa de letalidade e de seus efeitos devastadores. A poliomielite matava 10% dos infectados e deixava outros 40% com sequelas irreversíveis. A situação era particularmente grave nos Estados Unidos, em grande parte em função da negligência do governo, que tinha um papel extremamente limitado na promoção da saúde pública, deixando a campanha de prevenção da poliomielite a cargo de organizações de caridade. A União Soviética foi atingida pela pandemia em 1949, com maior prevalência nos Estados Bálticos, no Cazaquistão e na Sibéria.
Dois virologistas emergiram como os mais proeminentes pesquisadores na corrida por uma vacina contra a poliomielite: o estadunidense Jonas Salk, pesquisador da Universidade de Pittsburgh, e o polonês Albert Sabin, que trabalhava na Universidade de Cincinnati. Em 1952, Jonas Salk iniciou os testes em humanos com sua vacina antipólio produzida com o vírus inativado. A vacina foi considerada razoavelmente eficaz, mas sua imunização era de curta duração, além de necessitar de três injeções e uma dose anual de reforço. A vacina também era muito cara, o que a tornava inacessível para as camadas mais pobres da população. As autoridades sanitárias estadunidenses deram seu aval e a vacina começou a ser comercializada ainda em 1955, mas sem grande efetividade na erradicação da pandemia.
Albert Sabin, por sua vez, seguiu um caminho radicalmente oposto ao de Salk, utilizando o vírus ativo para produzir sua vacina antipólio, desenvolvida sob a forma de um soro que podia ser inoculado na corrente sanguínea por via oral - em gotas. Os testes feitos em animais indicavam que a vacina tinha várias vantagens em relação àquela desenvolvida por Salk. Além de ter um custo muito menor de produção e ser mais fácil de aplicar, a vacina de Sabin parecia ter maior eficácia e um tempo prolongado de imunização. Apesar disso, o governo dos Estados Unidos não permitiu que Sabin testasse a vacina em humanos, impedindo a conclusão dos testes clínicos.
Interessados em conhecer melhor a pesquisa de Sabin, três célebres virologistas soviéticos, Mikhail Chumakov, sua esposa, Marina Voroshilova, e Anatoly Smorodintsev, viajaram até os Estados Unidos para conversar com o pesquisador polonês. Propuseram então a Sabin dar continuidade ao desenvolvimento da vacina e dos testes clínicos na União Soviética. Sabin aceitou e se mudou para Leningrado no mesmo ano. Apesar da desconfiança inicial de parte da burocracia soviética, Sabin obteve a autorização do vice-premiê Anastas Mikoyan para dar continuidade aos testes clínicos. Em 1957, começaram os testes em voluntários - incluindo o próprio Sabin - e concluiu-se que a vacina era eficaz.
Com a conclusão do estudo, 300.000 doses da vacina foram enviadas em caráter emergencial para os Países Bálticos, os mais atingidos pela pandemia. Em seguida, começou a inoculação em massa da população soviética, com a vacinação de 77,5 milhões de pessoas. Em apenas um ano e meio, a pandemia havia sido debelada e a poliomielite estava erradicada no país. Em seguida, o governo soviético auxiliou nos esforços de imunização do Leste Europeu, ampliando para quase 100 milhões o número de pessoas imunizadas.
A bem sucedida campanha soviética de erradicação da poliomielite despertou o interesse de países alheios ao bloco socialista pela nova vacina. México, Países Baixos e Singapura firmaram acordos para importação das vacinas da União Soviética. Não obstante, os Estados Unidos seguiam relutantes em utilizar a vacina de Sabin. Sob forte influência do discurso anticomunista da Guerra Fria, jornalistas, lideranças políticas e formadores de opinião insistiam que a vacina soviética não era segura. Ideólogos mais exaltados difundiam teorias da conspiração de que a vacina seria, na verdade, uma arma biológica, parte de um estratagema comunista de dominação global.
Os fatos, entretanto, foram se impondo sobre as narrativas fantasiosas e logo a União Soviética estava exportando a vacina para mais de 60 países do mundo, tornando-se a principal responsável pela erradicação da pandemia global de poliomielite. Para auxiliar a difusão e baratear o acesso à vacina, Albert Sabin abriu mão de sua patente. O Instituto de Poliomielite e Encefalite Viral da Academia de Ciências Médicas da União Soviética se tornou a principal referência mundial no tratamento da poliomielite. Confrontados com a realidade, os Estados Unidos acabariam dando o braço a torcer e finalmente permitiram a conclusão dos testes clínicos. Em 1961, autorizaram o uso da vacina Sabin em seu território. Em 1964, transformaram a vacina Sabin no medicamento oficial de suas campanhas de vacinação, substituindo o imunizante de Jonas Salk. Nos dois anos seguintes, controlaram a pandemia.
Em reconhecimento aos seus feitos, o governo soviético condecorou Mikhail Chumakov e Anatoly Smorodintsev com o Prêmio Lenin e Albert Sabin com a Ordem da Amizade entre os Povos.
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