Instituto Butantan (I)
Cenas do incêndio no Instituto Butantan: o galpão que guardava as coleções científicas do instituto em chamas e pesquisadores correndo para salvar exemplares resgatados do prédio. São Paulo, 15 de maio de 2010.
O incêndio do laboratório do Instituto Butantan destruiu a maior coleção científica de serpentes, aranhas e escorpiões do mundo. O acervo queimado guardava cerca de 80 mil serpentes e 500 mil artrópodes, conservados em formol - alguns deles coletados há mais de 100 anos pelo próprio fundador da instituição, Vital Brazil. Harry Greene, professor de biologia evolutiva da Universidade Cornell, Nova York, definiu o incêndio como "uma tragédia científica global", responsável por destruir "um século de pesquisas e parte da memória biológica da humanidade". O incêndio destruiu até mesmo espécimes novas, que ainda não tinham sido catalogadas.
O prédio destruído pelas chamas não tinha alvará nem sistema de proteção contra incêndios. A perícia constatou que o incêndio começou em função de uma gambiarra na rede elétrica. A negligência não é acidental. Mantido pelo governo do estado de São Paulo, administrado há 25 anos pelo PSDB, o Instituto Butantan tem sido alvo de um processo prolongado de desmonte e sucateamento - repetindo a estratégia adotada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, de sucatear de instituições públicas para justificar a privatização a preços irrisórios, sempre em favor de financiadores de campanhas e empresários ligados às lideranças do partido.
Em 2009, ainda durante o governo José Serra, o Ministério Público encontrou indícios de desvios de quase 100 milhões de reais de verbas que deveriam ter sido repassadas para o instituto. Enquanto as verbas eram desviadas, a biblioteca da instituição fechava as portas, pois o teto, sem manutenção, ameaçava desabar. Os laboratórios responsáveis por produzir vários tipos de soro e vacina contra tuberculose foram fechados em função do mau estado de conservação das instalações, atingidas por rachaduras, infiltrações e mofo.
A creche que abrigava os filhos dos funcionários, o prédio da associação dos servidores e as casas do conjunto residencial que serviam de alojamento aos trabalhadores e pesquisadores do instituto foram demolidos, alegadamente para dar lugar a novos laboratórios - jamais construídos. Após o incêndio no prédio das coleções em 2010, o governador Geraldo Alckmin demorou três anos para entregar um novo edifício para abrigar o que sobrou do acervo - 5% da coleção original. A produção de vacinas contra hepatite teve de ser suspensa. A produção de imunizantes contra difteria e tétano também foi paralisada. No ano passado, o governador João Dória tentou fechar o Hospital Vital Brazil. Mantido pelo instituto, o Hospital Vital Brazil é a única instituição do mundo especializada no atendimento de acidentes com animais peçonhentos.
Inaugurado em 1901 pelo cientista Vital Brazil, o Instituto Butantan é um centro de pesquisa em imunologia de renome mundial. É o maior produtor de soros e vacinas da América Latina, respondendo por 51% das vacinas e 56% dos soros de uso profilático e curativo fabricados no Brasil - incluindo 100% das vacinas contra H1N1 consumidas no país. Apesar disso, a fabricação de produtos imunobiológicos tem caído ano após ano.
Ironicamente, o instituto que transferiu tecnologia para diversas multinacionais farmacêuticas, nomeadamente os laboratórios Merck, Sharp & Dohme, hoje compra desses mesmos laboratórios boa parte de seus soros e vacinas. Os imunizantes contra difteria e tétano agora são adquiridos junto ao laboratório canadense Intervax. Desde 2014, a vacina Onco BCG, usada em pacientes com câncer de bexiga, deixou de ser fabricada pelo instituto, passando a ser comprada de um laboratório privado do Rio de Janeiro. Como consequência, o custo de cada dose da Onco BCG, que era de R$ 3,00 quando fabricada pelo instituto, subiu para R$ 100,00. Um péssimo negócio para o contribuinte e para a saúde pública. Uma oportunidade de ouro para multinacionais e laboratórios privados.
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