Lampião
Retrato de Virgulino Ferreira da Silva, alcunhado Lampião, o "Rei do Cangaço". O registro fotográfico foi realizado em 15 de junho de 1927, durante o saque à cidade de Limoeiro do Norte, no interior do Ceará.
Lampião nasceu no atual município de Serra Talhada, em Pernambuco, em 4 de junho de 1898. Seus pais eram José Ferreira dos Santos e Maria Sucena da Purificação. A família era humilde e numerosa. Lampião era o terceiro mais velho dos onze filhos do casal. Não era analfabeto, mas tinha uma instrução rudimentar. Em sua juventude, foi habilidoso vaqueiro e dedicou-se à fabricação de utensílios de couro, produzindo móveis, arreios, selas e chicotes.
Seu pai era dono de um pequeno lote de terra, de onde a família tirava sua subsistência. Vizinha ao terreno, estava a propriedade dos Alves de Barros. As duas famílias a princípio tinham relações amistosas, mas acabaram se tornando inimigas em função da disputas sobre os limites das propriedades. Em 1919, o pai de Lampião foi assassinado em um confronto com a polícia, ocorrido em virtude dessas disputas. Virgulino e dois de seus irmãos juraram vingança e se juntaram ao bando do cangaceiro Sinhô Pereira.
Não tardou para que Lampião se destacasse entre os cangaceiros. A alcunha de Virgulino é uma referência à sua habilidade com o rifle. Diziam que durante os ataques noturnos, o cangaceiro disparava com tanta rapidez que sua arma iluminava permanentemente o caminho, daí sendo chamado de "Lampião". Em 1922, Sinhô Pereira abandonou o cangaço, atendendo a um pedido feito pelo Padre Cícero. Lampião assumiu então o posto de líder do bando. No mesmo ano, matou o informante que entregou o seu pai à polícia e logo em seguida realizou o maior assalto da história do cangaço até então, invadindo a fazenda da Baronesa de Água Branca em Alagoas. Devoto de Padre Cícero, encontrou-se com o religioso uma única vez, em 1926, quando o sacerdote tentou lhe convencer a ajudar o governo a combater a Coluna Prestes, em troca da patente de capitão. Lampião aproveitou a oferta para obter armas para o seu bando.
A fama de Lampião cresceu rapidamente, atraindo mais cangaceiros para o grupo. Lampião criou subgrupos paralelos, designando outros cangaceiros para dirigi-los, a exemplo de Corisco e Antonio de Engracia. Em 1929, conheceu Maria Bonita, que abandonaria a família para fugir com o bando e logo se tornaria companheira de Lampião. Nesse mesmo ano, a fama gerada pelos assaltos espetaculares às propriedades de fazendeiros e coronéis ultrapassou as fronteiras nacionais e Lampião virou destaque do jornal The New York Times. Em 1932, nasceu Expedita Ferreira Nunes, filha de Lampião e Maria Bonita. Em 1936, o fotógrafo Benjamin Abrahão Botto juntou-se ao grupo para registrar a rotina dos cangaceiros.
Durante quase duas décadas, Lampião comandaria o maior e mais temido grupo de cangaceiros do Nordeste, ganhando o incontestável título de "Rei do Cangaço". Os cangaceiros viajavam a cavalo e usavam trajes de couro como proteção contra os arbustos da caatinga. As armas costumavam ser roubadas da própria polícia e de unidades paramilitares. Atacaram fazendas e cidades de sete dos nove estados do Nordeste, roubando gado, saqueando latifúndios e cometendo atos generalizados de violência. Sempre venciam os confrontos contra as "volantes" - destacamentos policiais enviados para capturar o grupo - a ponto de alguns sertanejos passarem a acreditar que os cangaceiros eram dotados de poderes extraordinários ou que tinham algum tipo de proteção sobrenatural.
A receptividade a Lampião e seu bando era ambígua. Ao mesmo tempo em que o cangaceiro causava terror e indignação nos moradores das cidades atacadas, ele também era leal e generoso com os que conquistavam sua confiança. Além disso, muitos sertanejos explorados se viam "vingados" pelas ações do bando contra os fazendeiros e lideranças políticas locais e por esse motivo os apoiavam, fornecendo comida, água e abrigo. Lampião também era ocasionalmente auxiliado por coiteiros e pequenos sitiantes que objetivavam uma aliança contra um inimigo em comum.
Lampião morreu em 28 de julho de 1938, em Angicos, no sertão de Sergipe, justamente no esconderijo que julgava ser o mais seguro. O bando foi traído por Joca Bernardes, um coiteiro de Corisco, que delatou o paradeiro do grupo à polícia de Alagoas. Os cangaceiros repousavam quando foram surpreendidos pela volante comandada pelo tenente João Bezerra. Lampião, Maria Bonita, Luís Pedro e os demais cangaceiros do grupo foram torturados e degolados. Suas cabeças ficaram expostas durante quase trinta anos no Museu Nina Rodrigues, em Salvador.
As façanhas de Lampião tiveram profundo impacto sobre a cultura popular do Nordeste, influenciando a criação de ditados, canções, peças de teatro e todo um ciclo da literatura de cordel. Nessas manifestações culturais, sua figura segue ambivalente - ora heroicizada como um defensor dos oprimidos, um "Robin Hood" do Sertão, ora demonizada como um psicopata sanguinário e oportunista que oprimia inocentes.
A categorização mais precisa de Lampião talvez seja àquela que Eric Hobsbawn definiu como "banditismo social" - fenômeno caracterizado pela adesão de grupos marginalizados ao uso da violência e ao crime como uma reação a um contexto de graves problemas sociais, exclusão, anomia política e ineficácia do Estado, resultando na criação de movimentos complexos e contraditórios, que extrapolam os estereótipos clássicos de "heróis" e "vilões". Nas palavras de Hobsbawn: "O ponto básico a respeito dos bandidos sociais é que são proscritos rurais, encarados como criminosos pelo senhor e pelo Estado, mas que continuam a fazer parte da sociedade camponesa, e são considerados por sua gente como heróis, como campeões, vingadores, paladinos da Justiça, talvez até mesmo como líderes da libertação e, sempre, como homens a serem admirados, ajudados e apoiados. É essa ligação entre o camponês comum e o rebelde, o proscrito e o ladrão que torna o banditismo social interessante e significativo."
Lampião era um revoltoso, não um revolucionário. Embora tenha combatido os seus opressores, não possuía a consciência de classe necessária para canalizar a revolta em prol de uma revolução social. Seu espólio não era dividido com os mais humildes, mas utilizado em benefício de seu próprio grupo. Era violento e vingativo, mas também sabia ser bondoso e generoso. Não buscou ser um herói do povo, mas ao mesmo tempo, ainda que inconscientemente, encarnou o espírito de revolta e subversão dos oprimidos, o que lhe granjeou a admiração de muitos.
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