Lula (I)


O sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva discursa durante a assembleia dos metalúrgicos no Estádio de Vila Euclides. São Bernardo do Campo, 1979. Expoente do Novo Sindicalismo, Lula organizou as greves do ABC Paulista e tornou-se a principal liderança popular da esquerda desde os anos oitenta. Fundador e presidente de honra do Partido dos Trabalhadores (PT), Lula foi o primeiro presidente brasileiro oriundo da classe operária e implementou ao longo de seus dois mandatos uma série de programas sociais e políticas públicas que permitiram a redução da fome, da pobreza e da desigualdade social em níveis inéditos, tornando-se um dos mais influentes e respeitados líderes da esquerda mundial.

Lula nasceu em 27 de outubro de 1945 em Garanhuns, interior de Pernambuco, como um dos doze filhos de Dona Lindu e Aristides Inácio da Silva, um casal de lavradores. Quatro de seus irmãos morreram ainda pequenos, vitimados pela fome e pelo flagelo da seca que atingia a região. Lula cursou as primeiras letras no Grupo Escolar Marcílio Dias. Em 1952, deixou o Agreste pernambucano com sua mãe e os irmãos em um "pau-de-arara". Viajou por treze dias para encontrar o pai, que havia arrumado emprego como estivador no Porto de Santos, no litoral paulista. A família estabeleceu moradia em Vicente de Carvalho, um bairro pobre do Guarujá. Lula começou a trabalhar aos sete anos de idade, engraxando sapatos e vendendo laranjas e tapiocas na estação de barcas de Santos para ajudar nas despesas de casa.

Aos 11 anos, mudou-se com a mãe e os irmãos para São Paulo e três anos depois começou a trabalhar nos Armazéns Gerais Colúmbia, um entreposto de algodão — seu primeiro emprego com carteira assinada. Em seguida, conseguiu emprego na Fábrica de Parafusos Marte e ingressou em uma vaga no curso de torneiro mecânico do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Em 1964, sofreu um acidente de trabalho que levou à amputação do dedo mínimo da mão esquerda. Seguiu, entretanto, trabalhando na fábrica por mais onze meses. Trabalhou ainda na Fris-moldu-car e, posteriormente, assumiu o cargo de metalúrgico nas Indústrias Villares, em São Bernardo do Campo.

Lula travou contato com o movimento sindical por intermédio de seu irmão, Frei Chico, então militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 1969, Lula foi eleito como suplente da diretoria no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Diadema. Três anos depois, tornou-se primeiro-secretário e em 1975 foi eleito presidente do sindicato, com 92% dos votos. Em 1978, Lula foi reeleito para a função e iniciou a mobilização dos trabalhadores em prol da reposição salarial. Lula liderou os metalúrgicos durante a greve geral de 1979, quando 180 mil trabalhadores do ABC Paulista cruzaram os braços, paralisando a produção de empresas gigantes, como Ford e Volkswagen. Os grevistas foram duramente reprimidos pelas forças policiais e perseguidos pelos aparelhos repressivos da ditadura militar, que utilizou as Leis Antigreve para sancioná-los. A greve, entretanto, prolongou-se por 41 dias. No ano seguinte, Lula organizaria uma gigantesca manifestação no Primeiro de Maio, com a presença de mais de 80 mil trabalhadores no Estádio de Vila Euclides. Uma nova greve levaria 300 mil metalúrgicos a cruzarem os braços.

A ditadura militar novamente tentou debelar o movimento apelando para a repressão. O Ministério do Trabalho interveio nos sindicatos do ABC, afastando 42 dirigentes. Lula foi preso pelo DOPS e processado com base na Lei de Segurança Nacional. A repressão governamental, entretanto, serviu como combustível para a expansão da luta operária, sedimentando o Novo Sindicalismo como protagonista da luta contra a ditadura e Lula como liderança popular de grande relevância. Em 10 de fevereiro de 1980, Lula presidiu o ato de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) — primeira legenda organizada no Brasil após a reforma partidária que aboliu o bipartidarismo. O PT já surgiu como uma das principais agremiações da esquerda brasileira, congregando o apoio de mais de 400 organizações sindicais e movimentos sociais, além do movimento estudantil, artistas, intelectuais e ex-militantes de organizações revolucionárias.

Em 1983, Lula convocou mais uma greve geral, dessa vez contra o decreto 2.045 que limitava os reajustes salariais e aprofundava a política de austeridade e arrocho promovida pela ditadura militar sob os auspícios do FMI. A greve mobilizou mais de 2 milhões de trabalhadores de 35 categorias, tornando-se um marco histórico do sindicalismo brasileiro e ensejando a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Lula também foi um  dos principais articuladores do movimento das "Diretas Já", que reivindicava abertura política completa e eleições diretas para a Presidência da República. Em 1986, Lula foi eleito deputado federal com a maior votação da história até então. Liderou a bancada do PT que participou da Assembleia Nacional Constituinte e ajudou a elaborar emendas para inclusão de pautas como igualdade de gênero, sufrágio irrestrito e universalização de direitos sociais como educação e saúde na Constituição de 1988.

Lula foi o candidato do PT ao pleito de 1989 — a primeira eleição direta para a Presidência da República desde a redemocratização. O petista chegou ao segundo turno, mas foi derrotado pelo candidato conservador Fernando Collor, egresso da ARENA e filiado ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Lula voltou a disputar a presidência pelo PT nas eleições de 1994 e 1998, perdendo nas duas ocasiões em primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso (FHC), do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Tornou-se o principal opositor da política econômica de FHC, criticando o avanço do receituário neoliberal e a política de privatização das empresas estatais. Ajudou a avançar as iniciativas de cooperação entre as organizações de esquerda latino-americanas. Ao lado de Fidel Castro, Lula fundou o Foro de São Paulo — órgão de concertação política voltado à promoção da integração latino-americana, à reafirmação da soberania e da autodeterminação dos países da região e ao combate contra as políticas econômicas neoliberais. Lula também organizou as "Caravanas da Cidadania", que visitaram 359 cidades em 7 estados, visando ouvir as demandas e articular o diálogo com a população nas regiões mais remotas do país.

Com uma estratégia de moderação das pautas e suavização da retórica "radical", Lula venceu a eleição presidencial de 2002, derrotando o candidato tucano José Serra no segundo turno. Ainda durante a campanha, Lula comprometeu-se com uma política de conciliação e publicou a "carta ao povo brasileiro", asseverando que respeitaria os contratos nacionais e internacionais. Lula buscou constituir uma ampla base de apoio político, reunindo desde partidos de esquerda até legendas fisiológicas de centro-direita. Também buscou apoio do empresariado por meio da manutenção de políticas favoráveis ao mercado.

Malgrado as críticas à política de conciliação, Lula implementou uma série de programas sociais e políticas públicas que possibilitaram o aumento expressivo da renda média dos trabalhadores e permitiram a redução da pobreza e da desigualdade social em níveis inéditos no país. Durante o governo Lula, o Brasil reduziu a pobreza extrema em 75% e praticamente erradicou a fome crônica - o que rendeu ao mandatário o título de "campeão mundial do combate à fome". Reeleito em 2006, Lula implementou programas que permitiram quadruplicar o ingresso de jovens no ensino superior, ampliou os empregos formais, criou programas de acesso ao crédito, combateu o déficit habitacional e aumentou de forma expressiva os investimentos em saúde e educação.

Paralelamente, o Brasil retomou o crescimento econômico e manteve o ambiente de estabilidade e baixa inflação. Registrando expansões médias do PIB de 4% ao ano, o Brasil se tornou a 6ª maior economia do mundo, consolidando-se como uma potência emergente. O país investiu fortemente nas relações diplomáticas Sul-Sul, buscando alicerçar sua autonomia e estreitar os laços com os governos não alinhados a Washington, além de ingressar na articulação de organizações alternativas aos sistemas financeiros ocidentais derivados dos Acordos de Bretton Woods - nomeadamente o grupo dos "BRICS". Lula deixou o governo com as maiores taxas de aprovação da história, com 83% dos entrevistados avaliando sua gestão como ótima ou boa. A alta popularidade facilitou a eleição de Dilma Rousseff, que venceu o pleito de 2010, tornando-se a primeira mulher a assumir a presidência do Brasil. Dilma deu continuidade aos programas sociais de seu antecessor e ampliou os investimentos em infraestrutura e serviços públicos. Também conseguiu reduzir o desemprego para o menor patamar da história.

A degradação da situação fiscal, a eclosão das manifestações de junho de 2013 e os protestos contra a organização da Copa do Mundo de 2014, entretanto, tornaram-se fortes fatores de desestabilização política do governo petista. O partido tornou-se alvo de uma virulenta campanha midiática de vilanização e criminalização de suas lideranças e Lula foi submetido a uma verdadeira guerra jurídica movida no âmbito da Operação Lava Jato. Em abril de 2018, Lula seria alvo de mais uma prisão política, justificada por meio de um processo comprovadamente viciado, conduzido em conluio entre o juiz Sérgio Moro e o promotor Deltan Dallagnol, com o objetivo de impedir sua participação no pleito presidencial.

Lula passou 580 dias preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Foi solto em novembro de 2019, após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar como inconstitucional a prisão em segunda instância. As condenações de Lula foram anuladas em março de 2021 pelo STF, após a comprovação de uma série de irregularidades processuais e da admissão da parcialidade de Sérgio Moro na condução dos casos. Desde então, Lula já obteve 21 vitórias consecutivas na justiça, sendo inocentado em todas as reavaliações dos processos da Lava Jato.

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