Cuba e as campanhas de imunização


Crianças cubanas recebem a vacina Sabin contra a poliomielite, produzida na União Soviética. Havana, 1962. Cuba foi o primeiro país das Américas a erradicar a poliomielite no prazo recorde de quatro meses e mantém até hoje uma das mais altas taxas de imunização do mundo.

Negligenciada ao longo de décadas por governos submissos aos interesses econômicos dos Estados Unidos, Cuba enfrentava uma grave crise de saúde pública ao fim dos anos cinquenta. Epidemias eram rotina na ilha caribenha, marcada por altas taxas de mortalidade de doenças infecciosas. Foram cinco epidemias de poliomielite entre 1932 e 1958, por exemplo, com taxas de letalidade de quase 20% - isso é, o dobro da média global. A imunização não era prioridade, atingindo menos de 5% da população, e a única vacina aplicada com alguma regularidade era contra formas graves da tuberculose. O governo não mantinha sequer registros oficiais da cobertura de vacinação.

Com o triunfo da Revolução Cubana em 1959, o país passou por uma série de transformações políticas, econômicas e sociais e a saúde pública tornou-se uma prioridade. Após a criação de um sistema universal e gratuito de saúde pública, o governo cubano lançou uma série de campanhas de prevenção e começou a planejar a realização de campanhas de imunização em larga escala. Em 1962, criou-se o Programa Nacional de Imunização (PNI) com o objetivo de universalizar o acesso às vacinas. O programa era integrado ao primeiro nível de atenção à saúde e vinculado a uma série de medidas paralelas que incluíam a formação de recursos humanos, ampliação da cobertura médica e criação de sistemas de registro de estatísticas. Deu-se atenção especial à mobilização popular e à participação ativa das comunidades, o que fez o PNI cubano se tornar a primeira experiência de campanha de vacinação com participação comunitária no mundo, adiantando em 41 anos a convocatória da Organização Mundial da Saúde (OMS) para adoção de estratégias congêneres.

A vacinação contra poliomielite começou ainda em 1962. Enquanto os países latino-americanos seguiam o comportamento vacilante dos Estados Unidos, que relutavam em utilizar a vacina Sabin por sua origem soviética, Cuba importou milhões de doses do imunizante para sua campanha, vacinando a quase totalidade das crianças e adolescentes de até 15 anos do país - mais de 2,6 milhões de pessoas. Com isso, em apenas quatro meses, a ilha caribenha se tornou o primeiro país das Américas a a erradicar a poliomielite. Ainda 1962, o país começou a aplicar a vacina tríplice bacteriana (DTP), imunizando a população contra difteria, coqueluche e tétano. As bem sucedidas campanhas de imunização foram mantidas e ampliadas ao longo dos anos seguintes. Ao fim dos anos sessenta, Cuba já era uma das maiores referências mundiais em imunização. Em 1974, a Organização Mundial da Saúde utilizou as campanhas de imunização cubanas como modelo para a criação do Programa Global Ampliado de Imunização.

As ações de universalização da saúde e imunização em larga escala tiveram impacto decisivo nos indicadores de saúde da população cubana. Seis doenças imunopreveníveis já foram erradicadas de Cuba: poliomielite (1962), difteria (1979), sarampo (1993), rubéola (1995), caxumba (1995) e coqueluche (1997). Outras quatro moléstias foram controladas através de taxas de incidência muito reduzidas (menos de 0,1 para cada 105 habitantes), deixando de oferecer riscos para a saúde pública: meningite tuberculosa (1962), tétano neonatal (1972), meningite pós-parotidite ( 1989) e síndrome da rubéola congênita (1989).

Cuba possui hoje uma expectativa de vida superior à dos Estados Unidos e uma das maiores taxas de imunização do mundo - mais de 98% da população vacinada. O Programa Nacional de Imunização administra 12 vacinas para aproximadamente 4,8 milhões de pessoas, garantindo a imunização contra 13 doenças. Cuba produz 8 das 12 vacinas que administra e exporta a custos reduzidos seus imunizantes para dezenas de países do mundo. O imunizante cubano contra hepatite B, por exemplo, é o mais utilizado em 30 nações, incluindo China, Índia, Rússia e Paquistão. Cuba se tornou uma referência mundial em pesquisas de imunologia e biomedicina e também é a nação latino-americana mais avançada no desenvolvimento de imunizantes próprios contra a pandemia global do COVID-19. Apelidada de "a soberana", a vacina cubana contra o coronavírus está nos estágios finais de desenvolvimento. O governo cubano prevê a imunização de toda a população até o fim do primeiro semestre de 2021.

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