Dissolução da União Soviética (I)
Em 26 de dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev anunciava oficialmente a dissolução da União Soviética, seguindo a determinação da Declaração nº. 142-H, emitida pelo Soviete Supremo. A declaração da dissolução era uma formalidade, uma vez que nos meses anteriores todas as quinze repúblicas soviéticas já haviam se separado da União - incluindo a própria Rússia. Sob a liderança de Boris Iéltsin (que assumiria o cargo de presidente da Federação Russa após a renúncia de Gorbachev), quinze dessas repúblicas subscreveram o Protocolo de Alma-Ata, criando formalmente a Comunidade dos Estados Independentes (CEI). Os Estados signatários se comprometiam a criar medidas conjuntas para o estabelecimento de economias de mercado e de transição para o capitalismo, encerrando a experiência socialista iniciada 74 anos antes, após o triunfo da Revolução de Outubro de 1917.
A dissolução da União Soviética era o capítulo final de um desmonte iniciado por Gorbachev em meados da década de oitenta, a partir dos planos de reestruturação econômica (Perestroika) e de "abertura política" (Glasnost). Gorbachev quase zerou a cooperação internacional entre a União Soviética e os países do bloco socialista, abriu mão da busca pela hegemonia em conflitos estratégicos, cedeu às pressões dos Estados Unidos e de países ocidentais que demandavam a redução do poderio bélico soviético, dentre várias outras concessões. As reformas de Gorbachev abriram caminho para o avanço de agendas antissocialistas dentro da própria União Soviética, iniciando um processo de acelerada erosão das bases de sustentação política do país. O acidente com o reator atômico da usina nuclear de Chernobyl, o surgimento de movimentos separatistas nacionais e a eclosão das "revoluções coloridas" em países do Leste Europeu, apoiadas, encorajadas e não raramente orquestradas pelas potências ocidentais, tornaram-se obstáculos difíceis de serem contornados. A crise do bloco socialista na Europa Oriental atingiu seu ápice com a queda do muro de Berlim em 1989, adicionando ainda mais pressão sobre o regime soviético.
Contrariando a narrativa dos aparelhos ideológicos ocidentais, a dissolução da União Soviética foi resultado de uma crise política - não fruto de um colapso econômico. Embora existissem eventuais gargalos na estrutura produtiva, a ideia de que uma suposta insatisfação generalizada com a ineficiência econômica teria forçado a mudança do regime é inverídica. A União Soviética foi a economia que mais cresceu no século XX, liderando o crescimento econômico mundial entre 1928 e 1970. Mesmo com arrefecimento econômico dos anos oitenta, o país se manteve crescendo anualmente acima da média mundial. A União Soviética também ostentava os melhores indicadores de igualdade de renda do mundo, com um coeficiente de Gini de 0,217. O percentual de soviéticos vivendo abaixo da linha da pobreza era de 2% em meados dos anos oitenta e a própria CIA admitia em seus relatórios que os soviéticos tinham acesso a uma dieta melhor do que a dos estadunidenses. A dissolução do regime derivou, portanto, de uma escolha de lideranças do Partido Comunista da União Soviética que cederam às pressões políticas da plutocracia capitalista ocidental.
A ideia de que havia uma insatisfação generalizada com a União Soviética é desmentida pelos resultados do referendo sobre o futuro do país realizado em 17 de março de 1991. A votação foi organizada em nove das repúblicas que ainda faziam parte da União Soviética e em todas elas o resultado foi categoricamente a favor da manutenção do país como uma federação. 77,8% dos eleitores responderam "sim" para a pergunta "você considera indispensável a manutenção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas como uma Federação renovada de repúblicas iguais e soberanas na qual, sob quaisquer circunstâncias, os direitos e liberdade do cidadão de qualquer nacionalidade serão totalmente garantidos?". Outros 22,1% responderam "não" e 1,9% dos votos foram invalidados. O comparecimento às urnas foi de 80% do contingente de eleitores.
Apesar da vitória esmagadora do "sim", indicando o desejo popular de manter a União Soviética, as lideranças do país prosseguiram com o projeto de desmonte. Com Gorbachev isolado e contestado pela desaprovação popular, coube a Boris Iéltsin a tarefa de articular o fim do regime, através da criação de uma frente de oposição com os líderes dos países do bloco. Oficializada a dissolução da união e a transição das antigas repúblicas socialistas para o capitalismo, todos os países da antiga federação soviética caíram em uma profunda crise econômica e política. Uma recessão econômica sem precedentes fez o PIB per capita dos ex-soviéticos recuar para os níveis de 40 anos atrás. O coeficiente de Gini quase dobrou, saltando de 0,217 para 0,401. Em duas décadas, o percentual da renda nacional concentrada nas mãos do 1% mais ricos da população saltou de 5% para quase 30%. E o número de pobres vivendo nas ex-repúblicas da União Soviética passou de 14 milhões em 1989 para 147 milhões em 1998. Não por acaso, uma pesquisa realizada pelo Centro Levada, publicada em 2018, registrou que 66% dos russos se dizem "arrependidos" pelo fim da União Soviética.
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