Escravidão na Mauritânia
Manifestantes denunciam a persistência da escravidão durante um protesto organizado em 2017 em Nouakchott, capital da Mauritânia. Em 9 de novembro de 1981, a Mauritânia se tornava o último país do mundo a abolir formalmente a escravidão.
Situada no noroeste da África e banhada pelo Oceano Atlântico, a Mauritânia concentrou algumas das principais rotas do comércio transaariano de escravos desde o início da Idade Moderna. A captura de grupos étnicos do Sahel e da África Subsaariana e sua venda como escravos para as nações europeias, foi uma das atividades econômicas mais proeminentes do país até o fim do século XVIII. Subordinada ao domínio da França no início do século XIX, a Mauritânia foi anexada formalmente como uma colônia francesa em 1901. Embora a Assembleia Geral Francesa tivesse ratificado desde 1848 que a escravidão era ilegal em todos os domínios do país, os colonizadores se recusaram a aplicar a legislação na Mauritânia, uma vez que se beneficiavam da exploração do trabalho compulsório. Os franceses integraram-se ao comércio de escravos e passaram a utilizar a mão de obra escravizada na própria estrutura administrativa colonial.
Após obter sua independência da França em 1960, a Mauritânia proclamou uma nova constituição que garantia a "liberdade e igualdade de todos os cidadãos", mas o governo mauritano não promoveu quaisquer políticas de emancipação. A escravidão continuou existindo, respaldada por um discurso de respeito às "tradições" ventilado pelas elites. A partir do fim da década de sessenta, manifestações contra a escravidão eclodiram em várias regiões do país. A atuação dos grupos haratines (os chamados "mouros negros") foi particularmente importante nesse processo, culminando com a criação do movimento antiescravagista "El-Hor", fundado em 1978. Integrado por militantes progressistas como Messaoud Ould Boulkheir e Boubacar Ould Messaoud, o El-Hor pregava a necessidade de estabelecimento de uma sociedade igualitária como fator imprescindível para consolidar a unidade nacional. A venda de um jovem de Atar como escravo em 1980 resultou na realização de grandes protestos, brutalmente reprimidos pelo governo mauritano.
Os protestos dos militantes do El-Hor, a abolição da escravidão no restante do mundo islâmico, a consolidação do ideário anticolonial e as condenações da comunidade internacional isolaram o governo mauritano. Desde 1970, a Mauritânia era o único país onde a escravidão ainda era legalmente tolerada. Pressionado, o presidente do país, Mohamed Khouna Ould Haidalla, fez um pronunciamento em junho de 1981 anunciando a abolição da escravidão. A medida foi formalizada cinco meses depois, por meio da promulgação de um decreto que vinculava a abolição ao pagamento de indenização aos proprietários de escravos. O decreto, entretanto, não criminalizava a prática da escravidão, não previa qualquer tipo de punição para quem o desobedecesse e ainda possuía brechas para que os proprietários de escravos mantivessem seus cativos sob o argumento de que não foram ressarcidos.
Com a ausência de dispositivos de aplicação e absoluta falta de fiscalização, o decreto promulgado em 1981 tornou-se "letra morta". Os protestos contra a persistência da prática e a continuidade da pressão internacional levaram o país a estabelecer uma nova lei antiescravidão em 2007, durante o governo de Sidi Ould Cheikh Abdallahi. A Lei nº. 2007/048 prevê penas de 5 a 10 anos de detenção e multa de 500 mil a um milhão de uguias para quem for condenado pela prática de escravização. Não obstante, desde que entrou em vigor a lei foi aplicada uma única vez. As autoridades mauritanas negam que prática persista no país, ao mesmo tempo em que perseguem e reprimem os militantes da causa abolicionista.
A Mauritânia segue como um dos principais focos de trabalho escravo no continente africano. Estima-se que até 20% da mão de obra do país (cerca de 600 mil pessoas) seja composta por trabalhadores escravizados. A prática é mais prevalente nas áreas rurais, mas também ocorre com frequência nas zonas urbanas. As mulheres são afetadas de forma desproporcional, sendo comumente alocadas em tarefas domésticas e submetidas a violência sexual. A dimensão étnica e as referência da "tradição" seguem quase inalteradas, com o uso da religião para subjugar psicologicamente os cativos e a prevalência de "mouros brancos" (berberes de pele clara) como escravizadores e de "mouros negros" (subsaarianos e berberes de pele retinta) como escravizados.
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