Hércules Florence


Atribuído ao inventor franco-brasileiro Hércules Florence, esse registro de paisagem brasileira, executado na primeira metade do século XIX, é uma das primeiras fotografias da história. Hércules Florence é um dos pioneiros da fotografia. A ele é creditada a invenção independente da fotografia no Brasil três anos antes de Louis Daguerre e seis anos depois de Nicéphore Niépce, além da criação do próprio termo "fotografia", cunhado em 1834.

Hércules Florence nasceu em Nice, na França, em 1804. Desde a infância desenvolveu curiosidade pelo desenho, pelas ciências e pelos relatos dos exploradores sobre o continente americano. Aos 16 anos, começou a trabalhar como grumete em navios mercantes e de guerra. Em 1824, chegou ao Brasil a bordo da fragata "Marie Thérèze", que aportou no Rio de Janeiro. A fragata retomou sua viagem já no dia seguinte, mas Hércules, encantado pela possibilidade de conhecer a América, resolveu ficar no Brasil. No Rio de Janeiro, trabalhou como caixeiro em uma casa de roupas e numa livraria pertencente ao seu compatriota Pierre Plancher.

Um ano depois, Hércules soube que o barão Georg Heinrich von Langsdorff, cônsul-geral do Império Russo, planejava uma grande expedição científica pelo interior do Brasil. Imediatamente ofereceu seus serviços, sendo admitido por seu talento artístico e conhecimentos cartográficos. Ao lado do pintor alemão Johann Moritz Rugendas e do ilustrador francês Aimé-Adrien Taunay, Hércules foi o principal responsável pelo registro iconográfico da aventura. A Expedição Langsdorff percorreu 16.000 quilômetros, cruzando o território brasileiro e a Amazônia entre os anos de 1824 e 1829. Décadas mais tarde, Hércules publicaria seus registros efetuados durante a expedição na obra "Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas", lançada em 1875.

Ao retornar da expedição, casou-se com Maria Angélica de Vasconcellos e fixou-se para Campinas, no interior paulista. Em 1832, objetivando publicar seus estudos sobre o som dos animais (que batizou de "zoofonia"), Hércules inaugurou a primeira oficina tipográfica de Campinas e criou seu próprio método de impressão, batizado de poligrafia. O método, mais barato e mais simples do que as gravuras tradicionais, consistia no uso de uma única prancha embebida em tinta, imprimindo todas as cores simultaneamente.

A partir das pesquisas com a poligrafia e contando com o auxílio do boticário Joaquim Correia de Melo, Hércules começou a estudar a formação de imagens a partir da propriedade fotossensível de alguns materiais, como o nitrato de prata, o cloreto de prata e cloreto de ouro. Em 1833, Hércules conseguiu fixar imagens em um papel encoberto por uma camada de nitrato de prata, utilizando uma fonte de luz e uma câmera obscura. Como a imagem era capturada invertida, Hércules desenvolveu uma espécie de negativo de vidro - uma chapa de vidro escurecida por fumaça de candeia, que era desenhada com uma ponta seca, retirando a fuligem de certas partes para escurecer o papel apenas nos pontos desejados.

Surgia, assim, um dos primeiros métodos fotográficos desenvolvidos no mundo - precedido apenas pelo processo com cloreto de prata desenvolvido seis anos antes por Nicéphore Niépce, que Hércules desconhecia. A invenção de Hércules precede em três anos a invenção do daguerreótipo por Louis Daguerre, o primeiro método fotográfico patenteado. Foi também Hércules quem criou o termo "fotografia", utilizado para se referir à sua invenção em 1834 - cinco anos antes do vocábulo ser utilizado pela primeira vez na Europa. Malgrado o potencial incrível de sua invenção, as autoridades governamentais e a elite campineira não se interessaram em apoiar as pesquisas de Hércules, ao mesmo tempo em que o isolamento no Brasil era um obstáculo para a difusão da tecnologia. Assim, quando foi informado sobre o registro do daguerreótipo na França alguns anos depois, Hércules abandonou seus estudos com a fotografia.

Hércules seguiu trabalhando em outras invenções e descobertas que contribuíram para o desenvolvimento da ciência, da tipografia e das artes visuais. Em 1838, inventou a nória hidropneumática - uma máquina hidráulica para irrigação. Em 1842, diante da proliferação de bilhetes falsos em Campinas, inventou o "papel inimitável", uma espécie de protótipo do papel-moeda, que permitia a impressão em série de notas com padrões únicos, protegendo-as de falsificações. Embora ignorado no Brasil, o invento foi registrado pela Academia de Ciências de Artes de Turim. Em 1847, Hércules inventou o "typo-sílabas", um equipamento que permitia acelerar o registro escrito de discursos - um precursor do estenótipo moderno.

Essas invenções, entretanto, eram quase sempre ignoradas no país, que vivia focado na monocultura e enxergava os trabalhos de Hércules como "excentricidades". Frustrado e angustiado pela falta de apoio, o inventor escreveria um desabafo: "Inventei a fotografia; fixei as imagens na câmera obscura, inventei a poligrafia, a impressão simultânea de todas as cores, a prancha definitivamente carregada de tinta, os novos sinais estenográficos. Concebi uma máquina que me parecia infalível, cujo movimento seria independente de um agente qualquer e cuja força teria alguma importância. Comecei a fazer uma coleção de estudos de céus, com novas observações, muitas, aliás, e meus descobrimentos estão comigo, sepultados na sombra, meu talento, minhas vigílias, meus pesares, minhas privações são estéreis para os outros. Não me socorreram as artes peculiares às grandes cidades para desenvolver e aperfeiçoar alguns de meus descobrimentos, para que eu me cientificasse da exatidão de algumas de minhas ideias."

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