Jano
"Jano". Herma setecentista esculpida em mármore, conservada no Museu do Hermitage em São Petersburgo, Rússia.
O costume de celebrar o início de um novo ciclo remonta à pré-história, quando os povos antigos dominaram a técnica de associar as referências astronômicas aos fenômenos climáticos sazonais, inventando assim o calendário - uma ferramenta essencial para o planejamento dos trabalhos agrícolas. Diversas civilizações antigas estabeleceram seus marcos temporais de início e fim dos ciclos. O Natal, por exemplo, é um marco de origem pré-cristã, derivado da celebração do solstício de inverno. Os mesopotâmicos, por sua vez, celebravam o Ano-Novo na virada do dia 22 para o dia 23 de março, quando terminava o inverno e se iniciava a primavera.
Na maioria das culturas ocidentais, a comemoração do Ano-Novo deriva de um decreto de Júlio César, que fixou a data no dia 1º de janeiro no ano 46 a.C. Nesse dia, os romanos davam banquetes, queimavam incensos e se reuniam para desejar êxitos, fortúnios, comida e fartura uns aos outros. Também faziam oferendas para o deus Jano - o antigo deus romano das mudanças e transições, dos recomeços e das renovações. Jano era conhecido como "o deus dos portais", pois guardava as entradas e as saídas. A divindade era representada como um ser de duas faces - uma observando o passado e a outra contemplando o futuro. Justamente por esse motivo, os romanos o homenagearam dando o seu nome ao primeiro mês do calendário: janeiro - o mês que encerra o ano antigo e descerra o ano novo.
Após a cristianização do Império Romano, a exemplo do que ocorreu com o Natal, os ideólogos cristãos também tentaram hieratizar as celebrações do Ano-Novo, declarando 1º de janeiro como a data de circuncisão de Jesus Cristo. O costume não pegou e a data permaneceu secularizada e associada às celebrações de um novo ciclo temporal. O calendário gregoriano adotado em 1582 deu continuidade à marcação romana, oficializando o dia 1º de janeiro como o primeiro dia do ano.
Posteriormente, o Ano-Novo passaria a ser associado ao "Réveillon" - uma celebração suntuosa de ostentação e banquetes organizados pela aristocracia francesa desde o século XVII. O "Réveillon", a princípio, não tinha uma data fixa, mas com a Revolução Francesa e o declínio da nobreza, passou a ser gradualmente fixada como uma festa de véspera de Ano-Novo. Influenciada pelo mimetismo dos hábitos da burguesia europeia, a elite brasileira copiou o hábito de celebrar o "Réveillon". O Ano-Novo brasileiro, entretanto, adquiriu características sincréticas próprias, advindas do contexto histórico do país, sobretudo a adoção de hábitos derivados das religiões afro-brasileiras, como tomar banho de mar, pular sete ondas, fazer oferendas ou vestir roupas brancas.
Na mídia ocidental, a celebração do Ano-Novo possui caráter ambivalente, mantendo-se secularizada, mas imbuída de simbologias e arquétipos místicos esvaziados de seu contexto original. Há um uso frequente de narrativas que reforçam a construção de um otimismo artificial e de esperança de renovação isolados do contexto - como se não houvesse contiguidade do tempo, como se cada ano novo fosse um recomeço. Se Jano convidava à reflexão e ao aprendizado do passado para saber como construir o futuro, as celebrações midiáticas do tempo presente apostam num pragmatismo otimista calcado no esquecimento, oferecendo a esperança de renovação como apaziguamento e resignação. "O que passou, passou. O futuro é o que importa".
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