Mário Schenberg
Mário Schenberg nasceu em Recife, Pernambuco, em 2 de julho de 1914, filho de um casal de judeus russos de ascendência alemã. Interessou-se pela matemática desde muito cedo, dedicando-se ao estudo da geometria. Aos oito anos de idade, viajou com os pais para a Europa, encantando-se com a arquitetura gótica e adquirindo o interesse pela arte. Já adolescente, Schenberg começou a ler teoria política e foi influenciado pelas ideias marxistas. Em 1931, ingressou na Faculdade de Engenharia do Recife, onde foi aluno de Luís Freire — mentor de cientistas como José Leite Lopes e Leopoldo Nachbin. Três anos depois, transferiu-se para São Paulo, matriculando-se nos cursos de engenharia elétrica na Escola Politécnica e matemática na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL). Na capital paulista, Schenberg estudou com renomados pesquisadores europeus que participaram da fundação da Universidade de São Paulo, incluindo os italianos Giuseppe Occhialini, Luigi Fantappiè e Giacomo Albanese e o russo Gleb Wataghin.
Já graduado, Schenberg foi convidado por Gleb Wataghin para atuar como preparador de física geral e experimental na Escola Politécnica. Posteriormente, exerceu a função de assistente de física teórica na FFCL. Em 1939, mudou-se para a Europa, tornando-se colega de pesquisas de Enrico Fermi no Instituto de Física da Universidade de Roma. Também trabalhou com Wolfgang Pauli em Zurique, na Suíça, e colaborou com Frédéric Joliot-Curie no Collège de France de Paris. Iniciou em paralelo seus estudos sobre história da arte, aos quais daria continuidade após retornar ao Brasil e tornar-se amigo do pintor Alfredo Volpi. Agraciado com uma bolsa de estudos da Fundação Guggenheim, Schenberg partiu para os Estados Unidos em 1940. Conduziu pesquisas em astrofísica ao lado de George Gamow na Universidade de Washington, ocasião em que identificou o ciclo de reações nucleares que leva à emissão de neutrinos hipoteticamente relacionados ao processo de arrefecimento de estrelas de nêutrons — reação que batizou com o nome de "Processo Urca". Também trabalhou no Instituto de Estudos Avançados de Princeton e no Observatório Yerkes. Ao lado do físico indiano Subrahmanyan Chandrasekhar, calculou o chamado Limite de Schönberg–Chandrasekhar — isso é, o limite da massa com que um núcleo estelar isotérmico pode suportar o colapso gravitacional de seu envoltório.
Após retornar ao Brasil, Schenberg tornou-se professor catedrático de Mecânica Racional e Celeste da USP, sendo aprovado em concurso público com a tese "Princípios da Mecânica" em 1944. Paralelamente, intensificou sua participação nas discussões políticas e sociais do país e filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (antigo PCB). Em 1946, foi eleito como deputado estadual constituinte por São Paulo, ajudando a redigir a constituição paulista. No ano seguinte, seguindo a iniciativa de Caio Prado Júnior, líder da bancada do PCB, Schenberg ajudou a aprovar o projeto que criava os fundos de apoio à pesquisa científica. O projeto serviu de base para a instituição da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), um dos mais importantes órgãos de fomento à pesquisa do Brasil. Schenberg também ajudou a articular a campanha "O Petróleo é Nosso", demandando a criação do monopólio estatal sobre o petróleo, gás natural e hidrocarbonetos, e atuou em defesa da estatização dos minérios nucleares do país. Em 1948, após o cancelamento do registro do PCB, Schenberg e os demais deputados comunistas tiveram seus mandatos cassados.
Tornou-se alvo de perseguição na universidade e foi submetido a dois meses de prisão. Schenberg mudou-se para a Europa após sua libertação, assumindo o cargo de pesquisador de raios cósmicos da Universidade de Bruxelas, na Bélgica, onde colaborou com o químico russo Ilya Prigogine e com o grupo liderado por Giuseppe Occhialini. Nos anos cinquenta, conduziu diversas pesquisas no âmbito da geometria algébrica, da mecânica quântica e da teoria quântica dos campos. Estendeu o conceito das Álgebras de Grassmann, correlacionando-as às álgebras bosônicas e fermiônicas, criando as chamadas "Álgegras de Grassmann-Schenberg". Também sugeriu a adição de um novo operador idempotente à Álgebra de Heisenberg, influenciando os trabalhos sobre formulação algébrica da mecânica quântica desenvolvidos décadas mais tarde por Basil Hiley na Universidade de Londres.
De volta ao Brasil, Schenberg assumiu o cargo de diretor do Departamento de Física da USP, onde fundou o Laboratório de Física do Estado Sólido e participou da aquisição do primeiro computador da instituição, ajudando a ampliar enormemente sua infraestrutura de pesquisa científica. Também lecionou no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), instituição de referência em física teórica e experimental localizada no Rio de Janeiro, onde colaborou com a formação de jovens pesquisadores — nomeadamente Jorge André Swieca. Tentou retomar sua carreira política em 1962, sendo eleito deputado estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mas foi acusado de manter vínculos com o PCB, então operando na ilegalidade, e impedido de tomar posse.
Apoiador das reformas de base promovidas por João Goulart, Schenberg foi preso após o golpe militar de 1964, passando 50 dias confinado nas instalações Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Sua prisão ensejou a mobilização da comunidade científica internacional e cientistas como Werner Heisenberg e Hideki Yukawa (respectivos Prêmios Nobel de 1932 e 1949) pressionaram por sua soltura. Libertado, Schenberg reassumiu suas funções na USP, mas foi novamente detido seis meses depois, acusado de subversão. A prisão foi revogada no mês seguinte, diante da ameaça de prejuízos à cooperação científica internacional do Brasil. Nos anos posteriores, atuou como membro do Júri Nacional de Seleção da Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Em 1969, um ano após a promulgação do Ato Institucional Nº. 5 (AI-5), Schenberg foi aposentado compulsoriamente de seu cargo na USP e teve sua presença banida do campus universitário, sendo forçado a abandonar todas as suas pesquisas científicas e atividades acadêmicas.
Perseguido pela ditadura militar, o cientista passou a sofrer retaliações e ameaças constantes, sendo forçado a se exilar em 1972. Mesmo distante do país, tomou parte das discussões sobre as centrais nucleares construídas pelo regime militar, criticando o acordo de cooperação nuclear assinado por Brasil e Alemanha. Retornou ao Brasil sete anos mais tarde, após a promulgação da Lei da Anistia, retomando seu cargo de professor da USP. Passou a ministrar cursos de pós-graduação e a disciplina "Evolução dos Conceitos da Física", cujas aulas foram transcritas no livro "Pensando a Física". Em 1982, recebeu o título de Professor Emérito do Instituto de Física da USP e foi laureado com o Prêmio de Ciência e Tecnologia concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em 1984, por ocasião de seu aniversário de 70 anos, foi homenageado com o Simpósio Internacional, no Instituto de Física e com uma edição especial da Revista Brasileira de Física. Recebeu o título de Cidadão Paulistano em 1986 e de Professor Emérito da USP em 1987. Muito debilitado por uma doença degenerativa, faleceu em 10 de novembro de 1990, aos 76 anos. Foi postumamente agraciado com o Prêmio Jabuti, outorgado ao livro "Obra Científica de Mário Schönberg", e empresta seu nome à Biblioteca Temática de Ciências "Mário Schenberg" da Prefeitura de São Paulo.
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