A Operação Brother Sam
O golpe de Estado de 1964 no Brasil resultou da convergência de forças e interesses diversos aglutinados em reação às reformas de base propostas por João Goulart. Apoiado pela esquerda nacionalista, o projeto desenvolvimentista de Goulart preconizava que o combate à concentração fundiária e de renda e a redução da desigualdade social eram passos indispensáveis para a modernização do Brasil. O amplo apoio popular às reformas de base, entretanto, alarmou os segmentos mais conservadores da sociedade, ao sentirem que seus privilégios políticos, sociais e econômicos poderiam estar ameaçados. Empresariado nacional, multinacionais, lideranças religiosas e o oficialato militar se engajaram na condução de uma campanha de desestabilização do governo de João Goulart, justificando o intento golpista por meio do fantasma da ameaça comunista, do discurso moralizante de combate à corrupção e de uma alegada defesa da família e da "liberdade".
Embora o contexto nacional criasse as condições necessárias para o golpe, o encorajamento e o auxílio prestados pelo governo dos Estados Unidos talvez tenham sido fatores preponderantes para que a ruptura institucional ocorresse de fato. Desde o início dos anos sessenta, o governo dos Estados Unidos já buscava interferir na política brasileira com o objetivo de desestabilizar a esquerda e avançar a agenda anticomunista. Por intermédio da Agência Central de Inteligência (CIA), o governo estadunidense fomentou a ação de think tanks conservadores, manipulou a opinião pública, financiou a oposição a Goulart e coordenou a conspiração entre militares e setores influentes da sociedade, dando garantia, apoio financeiro, material e militar para o golpe de 1964.
Desde o fim do Estado Novo, o presidente Eurico Gaspar Dutra havia estabelecido uma política externa de subordinação e alinhamento automático ao governo dos Estados Unidos. Por determinação de Truman, Dutra fundou no Brasil a Escola Superior de Guerra (ESG), inspirada nos "War Colleges" estadunidenses. Ao contrário das instituições congêneres tradicionais, a Escola Superior de Guerra não tinha como enfoque o estudo de táticas e estratégias militares, mas a doutrinação política sob um viés anticomunista e conservador, focado na defesa dos interesses de Washington. Quando Juscelino Kubitschek assumiu o poder e determinou a criação de uma política externa pragmática aliada ao ideário nacional-desenvolvimentista da Era Vargas, o governo estadunidense ficou ressabiado e preocupado com o possível desalinhamento do Brasil.
Após Kubitschek, Jânio Quadros condecorou Che Guevara e introduziu a Política Externa Independente, baseada na premissa de que o Brasil manteria relações comerciais e diplomáticas com todas as nações, independentemente de seus sistemas políticos e socioeconômicos. Em seguida, João Goulart encampou reformas progressistas e mostrou-se disposto a estreitar laços com países do bloco socialista. Em 1962, após uma série de nacionalizações de empresas estrangeiras conduzidas por governadores da base governista, Goulart sancionou a Lei de Remessa de Lucros, vista como inconveniente pelas multinacionais estadunidenses e europeias. No mesmo ano, Goulart se recusou a seguir a orientação de John Kennedy de impor sanções contra Cuba e também se negou a apoiar a expulsão da nação caribenha da Organização dos Estados Americanos (OEA). Para Washington, foi a gota d'água.
O governo dos Estados Unidos encarregou a CIA e seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, do planejamento de uma operação de mudança de regime. Por intermédio de seus think tanks - o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES) - a agência de inteligência estadunidense iniciou uma grande campanha publicitária para mobilizar a classe média contra o governo de Goulart, incrementou o financiamento de organizações e parlamentares da oposição e investiu na articulação de grandes protestos. Em outubro de 1963, John Kennedy, incerto quanto à possibilidade de conseguir cooptar os militares brasileiros, chegou a aventar a possibilidade de autorizar uma intervenção direta das Forças Armadas dos Estados Unidos no Brasil, mas logo percebeu que não seria necessário.
Em março de 1964, organizações conservadoras e instituições religiosas deram início às "Marchas da Família com Deus pela Liberdade" e os militares começaram a se sublevar contra o governo Goulart. Ciente de que o oficialato se preparava para deflagrar o golpe entre 31 de março e 1º de abril de 1964, o governo estadunidense, já sob o comando do democrata Lyndon Johnson, ofereceu apoio militar por intermédio da Operação Brother Sam. A operação consistia em deixar a Frota do Caribe de prontidão para intervir diretamente no Brasil caso houvesse resistência por parte de populares, militares, governadores e parlamentares fieis a João Goulart.
Simulando um exercício militar, o governo dos Estados despachou mais de 100 toneladas de armas leves e munições para o litoral brasileiro. Washington também enviou navios petroleiros com capacidade para transportar 130 mil barris de combustível, uma esquadrilha de aviões de caça, um navio de transporte com 50 helicópteros, tripulação e armamento completo, um porta-aviões classe USS Forrestal, seis contratorpedeiros, um encouraçado, um segundo navio de transporte com tropas e 25 aviões C-135 para transporte de carga bélica. As tropas estavam estacionadas numa distância de 12 a 50 milhas náuticas ao sul do Espírito Santo, nas águas próximas à cidade do Rio de Janeiro.
Na véspera do golpe, Washington comunicou ao seu embaixador no Brasil que a força-tarefa já havia partido para dar apoio militar. Era a senha para o início da Operação Popeye - o movimento das tropas do general Olímpio Mourão Filho, estacionadas em Minas Gerais, em direção ao Rio de Janeiro, integrado a outra movimentação simultânea das tropas do 12º Regimento de Infantaria, comandado pelo general Dióscoro Valee, em direção a Brasília, com apoio de três batalhões da Polícia Militar.
A ajuda estadunidense não foi necessária. Esboçou-se alguma resistência no meio sindical e nos movimentos estudantis, mas de forma descoordenada. A resistência foi desestimulada pela própria atitude de João Goulart, que desistiu de tentar debelar o golpe ao ser informado do apoio estadunidense e do risco de ataques aos grupos legalistas. Leonel Brizola também tentou organizar uma resistência a partir do Rio Grande do Sul, mas não obteve sucesso. A atitude de Goulart também se explica pelo fato de que o presidente julgava que a intervenção seria passageira, como ocorrera em 1945 e em 1954, e que em poucos anos seriam convocadas novas eleições. Estava enganado. O golpe foi seguido pela instituição de uma ditadura empresarial-militar que se prolongaria por mais de duas décadas. A ditadura seguiria recebendo apoio irrestrito do governo estadunidense, que enviaria desde equipamentos, blindados e armas até agentes para treinar os militares brasileiros em técnicas de tortura, além de prestar assessoria técnica na criação de sistemas de vigilância, órgãos repressivos e treinamento das forças policiais para fins de controle social.
O porta-aviões estadunidense USS Forrestal, enviado ao Brasil para dar apoio ao golpe militar de 1964, no contexto da Operação Brother Sam.
O presidente estadunidense, John Kennedy, recepciona o mandatário brasileiro João Goulart na Casa Branca em 1962.
Telegrama encaminhado pela CIA para o Departamento de Estado dos Estados Unidos, detalhando os planos sobre o golpe militar de 1964, que aconteceria dois dias depois.
O presidente João Goulart, deposto da Presidência da República pelo golpe de 1964, na Vila Militar do Rio de Janeiro.
Castello Branco, primeiro presidente da ditadura militar, em 1964.
O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, reunido com Castello Branco e Costa e Silva.
O presidente estadunidense Lyndon Johnson cumprimentando o ditador brasileiro Costa e Silva durante uma reunião em 1967.
Uma charge referencia o papel central do governo estadunidense no golpe de 1964, retratando os militares como marionetes manipulados pelo Tio Sam.
Blindados cruzam a Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro, durante o golpe de 1964.
Um blindado em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, durante o golpe de 1964.
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