Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)

A partir da década de 1950, em meio ao contexto da Guerra Fria, o governo dos Estados Unidos intensificou seus esforços para deter o avanço do comunismo na América Latina e cooptar os aparelhos ideológicos locais para a defesa dos valores liberais, do capitalismo e do "American Way of Life". A Agência Central de Inteligência (CIA), serviço secreto do governo estadunidense, foi responsável por coordenar boa parte desse esforço, empreendendo planos de desestabilização de governos de esquerda e avançando projetos alinhados aos interesses dos Estados Unidos. A criação de think tanks anticomunistas, apresentados sob a fachada de instituições de pesquisa e de fomento ao desenvolvimento, foi uma das principais estratégias utilizadas pela CIA nesse processo. Em 1959, a CIA fundou seu primeiro think tank brasileiro - o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). Dois anos depois, a agência estadunidense criaria o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), que se tornaria o mais importante núcleo de conspiração golpista contra o governo de João Goulart.

O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais foi fundado em novembro de 1961, apenas dois meses após a ascensão de Goulart à presidência, por iniciativa dos empresários Antônio Gallotti, ligado à Light S.A., e Augusto Trajano de Azevedo Antunes, proprietário da mineradora Icominas (atual Caemi Mineração), sócio da siderúrgica estadunidense Bethlehem Steel e amigo pessoal do banqueiro David Rockefeller. A instituição se apresentava como um órgão apartidário, voltado a realizar pesquisas e estudos que ajudassem a fomentar o desenvolvimento do país. Seu verdadeiro objetivo, entretanto, era se infiltrar nas instituições e organizações sociais, combater os movimentos de esquerda, manipular a opinião pública e desestabilizar o governo de João Goulart, visto com grande desconfiança pelo empresariado nacional e pelo governo estadunidense, em função de sua ligação com os movimentos sindicais e com a tradição nacional-desenvolvimentista. O instituto era sediado no Rio de Janeiro e possuía escritórios em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília e Recife.

O IPES era financiado por fontes legais e clandestinas. Possuía expressivo apoio da nata do empresariado brasileiro, de multinacionais, associações empresariais, órgãos de imprensa e militares ligados à Escola Superior de Guerra (ESG). O principal financiador do instituto era o governo estadunidense, então presidido por John Kennedy, que enviava subvenções por meio do embaixador Lincoln Gordon e da Câmara de Comércio. Mais de 300 empresas nacionais e 297 corporações estrangeiras (sobretudo estadunidenses, britânicas, suecas e alemãs) também colaboravam com o financiamento do IPES, incluindo, entre várias outras, Coca-Cola, Kibon, União, Texaco, Souza Cruz, Brahma e Lojas Americanas. Entidades filantrópicas cristãs também foram grandes apoiadoras do IPES. Os fundos arrecadados eram vultuosos. A título de exemplo, somente a seção paulista arrecadou, no segundo trimestre de 1962, 20 milhões de cruzeiros para atividades regulares, 15 milhões para atividades especiais e 5 milhões para propaganda.

O instituto pregava a necessidade de implementar um novo projeto de desenvolvimento subordinado ao capital estrangeiro, com vocação autoritária, baseado na égide da defesa da moral e dos bons costumes e na proteção à família e à propriedade privada. Para isso, financiava filmes publicitários, panfletos, livros, propagandas de rádio e televisão, publicava artigos nos principais jornais e revistas do país, organizava cursos, seminários e conferências públicas. Um dos principais métodos de ação do IPES era a produção de documentários. Um total de 14 documentários de "doutrinação democrática" foram encomendados pelo instituto para exibição em salas de cinema e em sessões públicas organizadas em bairros de baixa renda, escolas, igrejas e empresas, abordando temas como "defesa de democracia", economia, problemas sociais, livre iniciativa, "doutrinação comunista nas escolas", sempre sob o viés anticomunista e reforçando a necessidade de mudar o governo em curso no Brasil.

Mais do que um disseminador de propaganda anticomunista, o IPES era um núcleo de conspiração golpista, dotado de uma agenda política própria. Assim, o instituto teve papel fundamental na organização de manifestações públicas antigovernistas, apoiando financeiramente desde grupos e associações de oposição até milícias de extrema direita, incluindo o Grupo de Ação Patriótica (GAP) e o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Sob a proteção do IPES, surgiram os grupos femininos conservadores responsáveis por organizar as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, que precederiam o golpe militar - a Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), a União Cívica Feminina e a Liga da Mulher Democrata. Esses grupos, muito próximos à Igreja Católica, buscavam insuflar na sociedade uma fobia moralista, difundindo boatos falsos sobre o governo ou organizando denúncias de livros supostamente imorais e subversivos distribuídos nas escolas.

O IPES também atuou junto às organizações estudantis através da criação do Movimento Estudantil Democrático (MSD), do Instituto Universitário do Livro e do Movimento Universitário de Desfavelamento. Infiltrou-se nas igrejas por meio da Confederação Nacional dos Trabalhadores Cristãos. Ingressou nas organizações camponesas por intermédio do Serviço de Orientação Rural. Sob a liderança e representação do banqueiro Jorge Oscar de Mello Flores, que atuava como representante da instituição no congresso, o IPES financiou a Ação Democrática Parlamentar - uma frente de deputados e senadores de diversos partidos de direita que tinha por propósito boicotar, sabotar e desestabilizar o governo Goulart. Também atuou junto aos militares, infiltrando-se na Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra. Assim como o IBAD, o IPES foi alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta em maio de 1963 para investigar o financiamento ilegal de candidatos oposicionistas com recursos indevidos, mas foi absolvido.

Os esforços do IPES e do IBAD foram decisivos para a articulação do golpe de 1964, que depôs João Goulart e instalou a ditadura empresarial-militar no Brasil. Após a vitória dos golpistas, os integrantes do IPES ascenderam a posições-chave no alto escalão do governo, sobretudo em cargos ligados à estrutura de planejamento governamental e de definição da política econômica. O diretor do IPES, general Golbery do Couto e Silva, assumiria o cargo de chefe da Casa Civil. Os dados angariados pelo Grupo de Levantamento de Conjuntura do IPES seriam reaproveitados por Golbery para criar uma plataforma de informações de 400 mil brasileiros, que se tornaria a base de dados do Serviço Nacional de Informações (SNI) - órgão de inteligência e espionagem do governo de exceção, que ajudaria a reprimir politicamente os opositores da ditadura e a encobrir casos de corrupção envolvendo a alta burocracia do regime militar. O SNI foi convertido na atual Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) após a redemocratização. Em 1972, após a aprovação dos atos institucionais que aboliram as liberdades civis, nomeadamente o AI-5, e o controle dos focos de oposição ao regime, o IPES, já tendo cumprido o seu papel, foi extinto.


Membros da Camde (Campanha da Mulher pela Democracia) entregam ao subsecretário de Educação, Péricles Madureira de Pinho, livros supostamente subversivos que eram distribuídos em escolas públicas.


Militantes seguram faixas da Campanha da Mulher pela Democracia para as eleições de 1962.


Manifestantes na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada pelo IPES. São Paulo, março de 1964.


Manifestantes na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada pelo IPES. São Paulo, março de 1964.


O banqueiro Jorge Oscar de Mello Flores (à esquerda) chefe do Escritório de Brasília e representante do IPES no Congresso.



Folheto editado pelo IPES em defesa da "Aliança para o Progresso", um programa de cooperação econômica proposto pelo governo dos Estados Unidos durante a gestão de John F. Kennedy.



Uma charge de 1964 ironiza a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", financiada pelo IPES, retratando-a como uma estratégia de jogadores de futebol americano em uniformes decorados com padrões da bandeira estadunidense.




Panfleto da Associação Rural de Pedro Leopoldo, um dos braços do IPES, insufla os fazendeiros a se oporem ao projeto de reforma agrária de João Goulart.

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