O colapso da rede hospitalar em Manaus e o oxigênio da Venezuela


Comboio de caminhões carregados com oxigênio da Venezuela cruza a fronteira com o Brasil, adentrando no município de Paracaima, norte de Roraima, de onde seguirá viagem até a cidade de Manaus, capital do Amazonas.

Fornecidos pelo governo venezuelano, os cinco caminhões transportam 132 mil metros cúbicos de oxigênio hospitalar doados pela Siderúrgica del Orinoco Alfredo Maneiro (Sidor), estatal venezuelana localizada em Puerto Ordaz. A carga deverá atenuar por alguns dias a crise da rede hospitalar de Manaus, causada pelo colapso do fornecimento de oxigênio hospitalar. O presidente venezuelano Nicolás Maduro também disponibilizou 107 médicos vinculados à Escola Latino-Americano de Medicina, em Caracas, para auxiliar nos atendimentos em Manaus.

O Amazonas foi um dos estados brasileiros mais afetados pela pandemia de COVID-19, desde que a doença começou a se espalhar pelo país em fevereiro de 2020. Ao longo do ano, as taxas de letalidade e de infecção no estado ficaram bem acima das respectivas médias nacionais. Entre março de junho de 2020, Manaus chegou a ficar sem leitos hospitalares e enfrentou um colapso no sistema funerário, tendo de enterrar pessoas em covas coletivas. A taxa de infecção começou a ceder um julho, mas voltou a aumentar no fim do ano.

A crise nas redes hospitalares de Manaus e do Amazonas resultam da negligência dos governos locais e federal, aliados à precariedade das condições socioeconômicas e sanitárias. O Amazonas tem a maior quantidade de trabalhadores informais do país (71,7% da força de trabalho) e em sua capital 53% da população vive em moradias precárias. Dessa forma, as autoridades governamentais não conseguiram oferecer alternativas reais para que a população seguisse os protocolos sanitários de isolamento e distanciamento social, ao mesmo tempo em que negligenciaram a oferta de leitos, insumos e recursos humanos para uma possível segunda onda da COVID-19.

O governador amazonense, Wilson Lima, bolsonarista filiado ao Partido Social Cristão (PSC), cedeu às pressões de parlamentares e militantes bolsonaristas e retrocedeu em sua decisão de fechar o comércio em dezembro de 2020, após a alta galopante nas internações indicar a possibilidade de colapso iminente do sistema de saúde. O governo Bolsonaro, por sua vez, mesmo sendo informado com dez dias de antecedência sobre a possível crise no abastecimento de oxigênio hospitalar em Manaus, não tomou nenhuma medida para evitar o colapso. Ao contrário: aumentou os impostos sobre a importação de cilindros de oxigênio e interrompeu o transporte dos cilindros realizados pela Força Aérea Brasileira no dia 13 de janeiro. O governo federal alegou que a aeronave que faria o transporte dos cilindros estava em manutenção, ao mesmo tempo em que despachava um cargueiro KC-390 para um treinamento nos Estados Unidos.

No dia 14 de janeiro de 2021, com a escalada de internações derivadas da pandemia de COVID-19, o estoque de oxigênio hospitalar de Manaus chegou ao fim e as empresas locais não conseguiam atender a demanda pela reposição. Como consequência, os pacientes internados com problemas respiratórios começaram a morrer asfixiados e os bebês prematuros também entraram em risco de morte. Centenas de pacientes tiveram de ser transferidos para hospitais do Nordeste e do Centro-Oeste e o sistema funerário manauara novamente entrou em colapso, sendo necessário utilizar câmaras frigoríficas para conservar os corpos. O governador do Amazonas decretou o fechamento do comércio e toque de recolher e teve de aceitar prontamente a oferta de ajuda feita por Nicolás Maduro. Wilson Lima agradeceu a ajuda venezuelana nas redes sociais e declarou em entrevista à imprensa que "nenhum outro país ofereceu qualquer ajuda além da Venezuela", mas não se atreveu a criticar a falta de resposta dos seus aliados no governo federal.

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