A indústria cultural


O conceito de "indústria cultural" foi estabelecido pelos filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer, expoentes da chamada Escola de Frankfurt, tendo sido originalmente publicada na obra "Dialética do Esclarecimento", de 1947. A expressão é utilizada para designar o fenômeno da produção de bens culturais na era da reprodutibilidade técnica e a sua instrumentalização em favor do capital e dos interesses das elites dominantes. O conceito foi cunhado a partir da análise do uso dos bens culturais para fins de propaganda ideológica durante a Alemanha Nazista, bem como o emprego do entretenimento para distrair e anestesiar as massas durante a Grande Depressão, nos Estados Unidos.

A indústria cultural resultou da convergência de três fatores: as inovações tecnológicas da indústria, que permitiram a massificação da produção, o surgimento dos meios de comunicação de massa, nomeadamente o rádio, e as novas dinâmicas de sociabilização surgidas a partir das novas divisões do trabalho, no fim do século XIX. O aumento da demanda por atividades de lazer e entretenimento levou à concepção de um novo processo de produção de bens culturais. Enquanto a elite seguia ocupando seu tempo livre escolhendo suas atividades, engajando-se diretamente na produção cultural ou frequentando casas de espetáculos e teatros, reservou-se para as massas um sistema de produção de bens padronizados, sob a mesma lógica da fabricação de bens de consumo imediato, caracterizada pela diminuição da complexidade e da qualidade dos bens culturais. As massas eram agentes passivos nesse processo, não participando da concepção ou criação do conteúdo consumido, e sim adquirindo-os já prontos.

Não demorou para que as elites percebessem que o consumo massificado de livros, jornais, revistas e outros bens culturais padronizados, aliados à popularização do cinema e dos programas de rádio, representavam poderosos instrumentos para reforçar o controle do pensamento das massas. Dominando o conteúdo desses bens culturais, as elites poderiam padronizar os pensamentos e comportamentos da classe trabalhadora, controlando o seu acesso à informação, manipulando suas percepções, prioridades, desejos e vontades, insuflando passividade, distração, medo, apatia ou resignação conforme fosse necessário.

A capacidade de camuflar a luta de classes, padronizar pensamentos e anestesiar as massas fez da indústria cultural uma prioridade do capitalismo ao longo do século XX - sobretudo após o advento da televisão e a consolidação dos conglomerados de mídia e das grandes indústrias cinematográficas. A indústria cultural tornou-se o fator primordial na formação da consciência coletiva das sociedades massificadas. Ela é o maior instrumento de dominação e difusão de uma cultura de subserviência, influenciando os pensamentos, ditando os comportamentos e os padrões estéticos. Da mesma forma, a indústria cultural inibe as mudanças, desarticulando o ímpeto revolucionário das massas, impedindo a análise crítica das coisas do mundo e a correta percepção das relações de opressão/sujeição.

O principal desafio é o grau de naturalização desse processo. A dinâmica da manipulação da indústria cultural é quase imperceptível para as massas, que consomem os bens culturais como se fossem entretenimento ou informação, sem notar que eles não são os sujeitos dessa relação, mas sim os objetos - os alvos da manipulação. Adotam como seus os pensamentos, padrões estéticos, as noções de certo e errado, de belo e feio que são ditados pelos grandes conglomerados. Ao mesmo tempo, a indústria cultural gera um processo de elitização do fazer artístico e do conhecimento. O processo de massificação da produção de bens culturais segue em paralelo à dissolução da noção estética e à reificação da arte, sem qualquer preocupação com a difusão do conhecimento, pelo receio de gerar questionamentos e a quebra de paradigmas. Enquanto a massa consome produtos culturais, o fazer artístico e o conhecimento são transformados em atributos quase exclusivos das elites.

A revolução digital, a popularização da internet e a emergência dos conteúdos digitais personalizados devem levar a indústria cultural a uma nova era dourada, aprofundando ainda mais sua capacidade de transformar indivíduos em objetos e coibir a formação da autonomia consciente, tornando cada vez mais difícil o rompimento com o sistema produtivo, ao mesmo tempo em que se camufla a padronização recorrendo ao astuto expediente de se permitir que existam várias formas diferentes de falar a mesma coisa. A tendência parece confirmar os receios de Adorno, que considerava a indústria cultural como o maior obstáculo à superação do capitalismo, alertando que ela invariavelmente nos conduziria à "decadência da cultura e ao progresso da incoerência bárbara".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Othon Pinheiro, Lava Jato e Programa Nuclear Brasileiro

Evolução do PIB per capita da antiga União Soviética

Explosão da Base de Alcântara