Bombardeio de Dresden


Vista da cidade de Dresden, destruída pelos bombardeios conduzidos pelas forças aliadas. Alemanha, fevereiro de 1945.

Após impor a maior derrota sofrida pela Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial, praticamente aniquilando o Grupo de Exércitos Centro da Wehrmacht, a União Soviética deu início à Ofensiva de Vistula-Oder - operação militar que capturou a Polônia e parte do território alemão, permitindo ao Exército Vermelho combater as tropas de Adolf Hitler dentro das fronteiras do próprio Reich. Mas, embora estivesse enfraquecida, a Alemanha ainda estava longe de ser derrotada. Tropas britânicas e estadunidenses ainda não tinham conseguido avançar em território alemão. A Luftwaffe (Força Aérea alemã) conservava sua capacidade de efetuar ataques aéreos devastadores. Os mísseis V2 e os aviões de caça continuavam sendo fabricados. Por fim, os militares alemães haviam aberto um buraco nas linhas aliadas durante a Batalha das Ardenas.

Visando enfraquecer a capacidade de resistência e de produção de materiais bélicos do Terceiro Reich, os aliados concordaram com a realização de uma campanha de bombardeios aéreos contra os principais centros militares e industriais do país. O principal alvo foi a cidade de Dresden, capital do estado da Saxônia. A operação foi conduzido pelos aliados ocidentais, mas os soviéticos foram informados previamente. Entre os dias 13 e 15 de fevereiro, Estados Unidos e Reino Unido enviaram 520 aeronaves para despejar 3.900 toneladas de bombas e dispositivos incendiários sobre Dresden. Os bombardeios destruíram aproximadamente metade de todas as edificações da cidade. O inverno seco da Saxônia e a estrutura de madeira das edificações facilitaram a proliferação dos incêndios, que consumiram quase todo o centro de Dresden.

A devastação causada pelos bombardeios e incêndios foram explorados ao máximo pelos ideólogos do Terceiro Reich, visando estabelecer uma falsa narrativa de "equivalência da brutalidade" entre o Eixo e os Aliados. Um dia após o término da campanha, o ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, emitiu um comunicado à imprensa onde dizia que Dresden era uma cidade histórica, um centro cultural desprovido de indústria bélica, alvos militares ou importância estratégica. Goebbels afirmou que os bombardeios foram um genocídio, um "esforço premeditado de extermínio do povo alemão". Autoridades do regime nazista também se referiam ao ataque como um "ato de vingança" e um "crime de guerra" perpetrado contra a população civil. Passados alguns dias dos bombardeios, Goebbels divulgou um documento onde afirmava que a campanha havia resultado na morte de 200 mil pessoas. A maioria, segundo Goebbels, eram refugiados que buscavam fugir das tropas da União Soviética.

A propaganda de Goebbels perdurou através das décadas e é até hoje repetida por neonazistas. Todos os anos, grupos de alemães neonazistas tentam realizar passeatas no aniversário dos bombardeios, carregando faixas sobre o "genocídio de Dresden" - e todos os anos são impedidos por grupos antifascistas. O revisionismo histórico tenta estabelecer uma falsa paridade entre as ações da Alemanha nazista e as potências aliadas, colocando-as como equivalentes a partir de premissas falsas, com o objetivo de atenuar o estigma negativo do nazismo. Não raramente, o discurso revisionista é amparado no apelo ao argumento da "história escrita pelos vencedores" e no discurso de extremistas de direita como o historiador David Irving, notório negacionista do Holocausto.

A maior parte desses argumentos, entretanto, não resiste à análise objetiva dos fatos. Não é verdade que Dresden "não tinha importância estratégica ou militar". Em janeiro de 1945, Dresden era a sede da principal guarnição militar de apoio aos esforços alemães na Frente Oriental. Além de sediar um dos maiores arsenais de munições do país e uma base com 20 mil soldados da Wehrmacht, a cidade possuía agrupamentos com recrutas da Volkssturm, da Juventude Hitlerista e da Waffen-SS. Diante do avanço dos soldados soviéticos, Dresden foi transformada em uma fortaleza militar comandada por Heinz Guderian e abrigou o principal foco de combate às tropas do Exército Vermelho lideradas pelo marechal Ivan Konev. A cidade também era um importante centro de comunicações, concentrando a maioria das linhas telefônicas que conectavam o alto comando nazista à Frente Oriental.

Dresden era um dos principais entroncamentos ferroviários da Alemanha nazista, tendo imensa importância logística para a coordenação do transporte de tropas e de equipamentos bélicos. Diariamente, circulavam pelos pátios de triagem da cidade 28 composições ferroviárias de tropas militares. Quase todo o material bélico utilizado pela Wehrmacht na Frente Oriental passava pelo entroncamento de Dresden. A cidade também coordenava o transporte ferroviário das vítimas do regime nazista para campos de extermínio e a distribuição da mão-de-obra escravizada encaminhada para os campos de concentração do Leste Europeu. Em função disso, o general soviético Alexei Antonov já havia sugerido o bombardeamento do entroncamento ferroviário de Dresden durante a Conferência de Ialta.

Dresden também era um dos mais importantes centros industriais da Alemanha nazista, concentrando centenas de fábricas voltadas à fabricação de materiais bélicos em tempo integral - produzindo de torpedos para a Kriegsmarine até mísseis para a Luftwaffe, passando por todo tipo de armamento utilizado pela Wehrmacht. Entre as fábricas mais famosas da cidade estava a Zeiss, então dedicada a produzir aparelhos de mira, bombas e fuzis. Até mesmo as oficinas de arte no centro da cidade estavam participando do esforço de guerra, produzindo as caudas dos mísseis V-1. Aproximadamente 50 mil moradores de Dresden estavam diretamente empregados na indústria bélica.

O número de mortes causadas pelos bombardeios foi objeto de controvérsias que perduraram por décadas. Em 2004, a prefeitura de Dresden montou uma comissão de historiadores para avaliar a questão. A comissão pesquisou documentos, relatos e evidências historiográficas ao longo de cinco anos e publicou um relatório de quase 100 páginas em novembro de 2009. O relatório conclui que "o número de pessoas mortas pelos bombardeios de Dresden, conduzidos entre 13 e 15 de fevereiro de 1945, não ultrapassou a cifra de 25.000 indivíduos". Sobre as alegações de Irving e Goebbels de que centenas de milhares de pessoas teriam morrido nos ataques, a comissão afirmou que a simples análise da emissão de certidão de óbitos desmente tais cifras, que seriam "impossíveis considerando o contexto histórico". De fato, se o número de 300 mil óbitos fosse verdadeiro, já seria maior do que três quartos de todas as certidões de óbito de civis emitidas pela Alemanha ao longo de toda a Segunda Guerra Mundial. A afirmação de Goebbels de que a maioria das vítimas dos bombardeios eram refugiados fugindo do avanço do Exército Vermelho é igualmente falsa, uma vez que refugiados não tinham autorização para permanecer na região de Dresden durante o conflito.

Dresden não foi a única cidade alemã bombardeada pelos aliados ocidentais. Colônia, Hamburgo, Berlim e várias outras cidades foram submetidas a violentas campanhas de bombardeio que resultaram em dezenas de milhares de mortes. A estratégia de bombardear alvos civis para espalhar o terror, destruir a moral do inimigo e minar o estado psicológico das massas adotada por Estados Unidos e Reino Unido é moralmente ambígua e suscita críticas válidas. O debate sobre esses pontos, entretanto, não pode ser travado a partir do discurso revisionista da extrema-direita, que busca atenuar os crimes do regime nazista por meio da manipulação de narrativas. As evidências históricas desmentem os falsos paralelismos. O contexto histórico evidencia que a responsabilidade primária pelas consequências trágicas do bombardeio de Dresden cabe à própria Alemanha nazista e sua ideologia insana e genocida, responsável por produzir massacres em escalas nunca antes vistas. E se há bons argumentos para classificar os bombardeios de Dresden como crimes de guerra, também é prudente lembrar da impressão registrada por um sobrevivente de um gueto de Theresienstadt ao testemunhar os ataques: "Choramos de alegria quando vimos o céu vermelho. Dresden está queimando e os aliados estão próximos".

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