Colunas Capitolinas
Colunas Capitolinas - os monumentos doados por Benito Mussolini ao Brasil:
Quando visitou São Paulo no início do século XX, a italiana Gina Lombroso se surpreendeu: "Ouve-se falar o italiano mais em São Paulo do que em Turim, em Milão e em Nápoles". Malgrado o exagero retórico, a afirmação tem lastro. Em 1916, 37% da população da cidade de São Paulo tinha nascido na Itália. O enorme fluxo de imigrantes italianos deixou marcas profundas na cultura, no dialeto e no imaginário popular dos paulistanos e influenciou fortemente o processo de politização da sociedade, refletindo o quadro de agitação social e as disputas políticas e ideológicas que marcavam a Itália no período. A comunidade ítalo-paulista ajudou a criar e impulsionar diversas organizações anarquistas e socialistas no Brasil. Não obstante, uma parcela substancial dos imigrantes e descendentes de italianos eram seguidores fervorosos de Benito Mussolini, líder do movimento fascista que ascendera ao posto de primeiro-ministro da Itália em 1922.
Tamanha era a idolatria por Mussolini em São Paulo que em 1924 um conjunto de imigrantes italianos encaminhou à Câmara Municipal um pedido de autorização para erguer um monumento em homenagem ao líder fascista nas ruas da cidade. O pedido chegou a ser debatido pelos vereadores, mas a veemente oposição de setores da sociedade fez com que a proposta fosse engavetada. Em 1926, a comunidade italiana requisitou novamente permissão para homenagear o "Duce" através de um monumento público e, novamente, o projeto foi barrado. No ano seguinte, entretanto, uma façanha histórica de três aviadores italianos finalmente daria ao próprio Mussolini a oportunidade de ajudar erguer na cidade um totem de exaltação ao fascismo.
Em fevereiro de 1927, Francesco de Pinedo, Carlo del Prete e Vitale Zacchetti fizeram a primeira travessia aérea sem escalas sobre Atlântico Sul. Os aviadores cruzaram o oceano a bordo do hidroavião Savoia 55 "Santa Maria", saindo de Bolama, na antiga Guiné Portuguesa, e aterrissando em Natal, no Rio Grande do Norte. A travessia fazia parte do chamado "Reide das Duas Américas": os aviadores prosseguiram pela costa brasileira até a Argentina, depois voaram pelo interior da América do Sul rumo ao Caribe, alcançaram a América do Norte e cruzaram novamente o Atlântico, indo de Terra Nova, no Canadá, até arquipélago dos Açores. Foi o próprio Mussolini quem sugeriu a aventura a Pinedo - a quem chamava de "senhor das distâncias" -, chegando inclusive a auxiliá-lo na definição do roteiro. O líder fascista queria inspirar orgulho e cooptar apoio dos italianos que haviam imigrado para as Américas, ao mesmo tempo em que avançava seu interesse estratégico no estabelecimento de pontos de apoio para a frota de aeronaves italianas.
Assim, cientes do tamanho da comunidade ítalo-paulista, os aviadores italianos fizeram uma parada estratégica em São Paulo antes de prosseguir viagem até a Argentina, amerissando na Represa de Guarapiranga no dia 28 de fevereiro de 1927. Os pilotos foram recebidos pelo governador e exaltados como heróis por uma multidão eufórica de imigrantes italianos e descendentes que os aguardavam nas margens da represa. Para comemorar o feito, a Sociedade Dante Alighieri - uma associação internacional ligada à promoção da cultura italiana - propôs a construção de um "Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico", a ser erguido nas margens da represa, próximo ao local da amerissagem. A comunidade italiana imediatamente se engajou na arrecadação dos fundos e contratou o escultor ítalo-brasileiro Ottone Zorlini para produzir a obra.
O monumento foi concebido em completa adesão aos padrões estéticos cultuados pelo regime fascista italiano, marcados pela referência aos cânones da arte antiga e à história do Império Romano. Conforme Zorlini, a concepção geral da obra teve por base "a junção ideal da época da Roma antiga às modernas conquistas que renovam e perpetuam a grandeza do passado". O monumento tem nove metros de altura. Encimando o pedestal em granito, uma escultura em bronze denominada "Vitória Alada" reproduz a figura mitológica de Ícaro - divindade greco-romana que tentou abandonar Creta voando com um par de asas feitas com cera. Seu braço estendido aponta para o Oceano Atlântico. Na face principal do pedestal, estrelas de bronze compõem a constelação do Cruzeiro do Sul. Nas laterais do pedestal, encontram-se dois "fascios" - representações de feixes de varas de bétula branca amarrados e ligados a um machado de bronze. Os "fascios" eram representações de autoridade e poder do Império Romano que foram incorporados como símbolos por Mussolini, dando origem ao termo "fascismo". Um dos fascios possui uma esfera celeste com a inscrição "Ordem e Progresso" da bandeira brasileira. O outro é decorado com a figura da loba que amamenta Rômulo e Remo, iconografia da fundação de Roma.
Engastada no pedestal do monumento, encontra-se uma coluna com capitel em estilo coríntio, esculpida em mármore, que teria sido retirada de uma construção milenar descoberta em um sítio arqueológico próximo ao Monte Capitolino, em Roma. A coluna foi enviada a São Paulo como um presente do próprio Benito Mussolini para comemorar o feito de seus compatriotas. Em 21 de agosto de 1929, após a incorporação da coluna, o monumento foi inaugurado. Mussolini ainda enviaria uma segunda coluna, supostamente proveniente do mesmo sítio arqueológico, para a cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Chamada "Coluna Capitolina", foi incorporada a um monumento público inaugurado em Natal em 8 de janeiro de 1931. Em 1935, durante o Levante Comunista, a coluna de Natal chegou a ser derrubada, mas foi reerguida após o fim da sublevação. Os "fascios" no pedestal do monumento paulistano também foram removidos durante a Segunda Guerra Mundial, mas foram restaurados após o término do conflito.
Não há certeza sobre a autenticidade das colunas, que nunca foram submetidas a análise de especialistas. Mussolini tinha o hábito de presentear autoridades de outros países com supostos artefatos arqueológicos que eram, na verdade, falsificações contemporâneas. A ausência de desgaste por abrasão, as inconsistências estéticas e o estado de conservação excessivamente bom das peças tendem a fortalecer a hipótese de que as colunas doadas são falsificações. Malgrado a dúvida e apesar da origem insólita, os monumentos doados por Mussolini seguem expostos nas duas capitais. Nos anos oitenta, Jânio Quadros, então prefeito de São Paulo, incomodado com o fato do monumento estar "escondido" junto à Represa de Guarapiranga, ordenou sua transferência para o bairro nobre dos Jardins, posicionando-o em uma praça em frente à Igreja Nossa Senhora do Brasil, onde permaneceu por mais de duas décadas. Em 2010, Gilberto Kassab devolveu o monumento à sua localização original.
O "Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico" em São Paulo. Em destaque, os fascios laterais e as estrelas do Cruzeiro do Sul.
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