Libelu
Antonio Palocci, então estudante de medicina, preside uma reunião da organização trotskista Liberdade e Luta (Libelu) em Ribeirão Preto, interior de São Paulo.
Liberdade e Luta era uma tendência do movimento estudantil fundada na Universidade de São Paulo (USP) em 1976. A organização teve origem na chapa homônima criada para concorrer à primeira eleição desde a refundação do Diretório Central dos Estudantes (DCE). A Libelu era uma corrente de inspiração trotskista, vinculada ao jornal "O Trabalho" e à Organização Socialista Internacionalista - a seção brasileira da Quarta Internacional "La Verité".
A Libelu se tornaria uma das maiores organizações estudantis do Brasil nos anos setenta, participando ativamente da rearticulação da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Foi também o primeiro grupo político a retomar as palavras de ordem "abaixo a ditadura" após a promulgação do Ato Institucional Nº. 5 (AI-5). A organização, entretanto, repudiava a luta armada, defendendo a redemocratização pelas vias institucionais. Fortemente influenciada pela ascensão do pensamento pós-moderno, predominante nos meios universitários após maio de 1968, a Libelu tinha como enfoque a defesa das "liberdades democráticas" e a celebração da contracultura e da diversidade, não estando isenta de um certo viés anticomunista e cacoetes do pensamento liberal.
A Libelu criticava os países socialistas quase na mesma intensidade em que criticava ao regime militar brasileiro: repudiava o que chamava de "autoritarismo" do regimes socialistas da União Soviética e da China, desaprovava a guerrilha brasileira e criticava a Revolução Cubana. Também apoiou alguns dos movimentos anticomunistas do Leste Europeu ao longo dos anos setenta e oitenta, chegando a fazer campanha em favor da organização polonesa "Solidariedade" - financiada por grupos da extrema direita europeia, pela Igreja Católica e pelo governo dos Estados Unidos.
Formada majoritariamente por jovens oriundos da pequena burguesia paulistana e fortemente influenciada pela cultura de massa ocidental, a Libelu rejeitava as teses anti-imperialistas no campo da cultura e os códigos comportamentais comuns ao movimento, renegando-as como "dirigismo cultural". O movimento se notabilizou ainda por suas festas animadas, regadas a Rolling Stones, Led Zeppelin e Tropicalismo, sem censura ao consumo de maconha e fundamentadas na máxima "é proibido proibir". Em seu auge, o movimento foi capa da revista IstoÉ, que o definiu como símbolo maior do "charme da esquerda adolescente", foi citado em novelas e homenageado por poemas de Paulo Leminski, que se referiu aos trotskistas da organização como "aqueles que o poder não corrompeu". Os integrantes da Libelu costumavam frequentar o Bar da Terra ou o Riviera na Vila Madalena e organizavam e rodas de leitura para discutir Foucault, Barthes, Bataille e Paulo Francis.
A Libelu foi dissolvida em 1982, após sucessivas crises, disputas e rachas internos. Parte de seus integrantes ingressou no Partido dos Trabalhadores (PT), onde se subdividiram em duas correntes: "O Trabalho", organizada em torno da liderança de Markus Sokol, e "Articulação", que apoiava o "novo sindicalismo" e orbitava a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva. A lista de petistas oriundos da Libelu inclui, além de Markus Sokol e do renegado Antonio Palocci, Luiz Gushiken, Luis Favre e Sérgio Rosa. Acadêmicos ligados à Libelu também ocuparam importantes cargos durante as gestões do PT no governo federal, tais como Glauco Arbix, Edmundo Machado de Oliveira e Eugenio Bucci. Em 1992, um grupo de militantes egressos da Libelu foi expulso do PT junto com a corrente trotskista "Causa Operária". Outros egressos da Libelu filiados ao PT posteriormente migrariam para o PSOL.
A maioria dos antigos membros da Libelu, entretanto, abandonou a militância política de esquerda e substituiu a retórica revolucionária pela acomodação ao status de pequena burguesia. Muitos se tornaram profissionais bem sucedidos da arte, da arquitetura e da gastronomia - Rodrigo Naves, Anne Marie Sumner e Josimar Melo, por exemplo. Outros tantos se destacaram na mídia e na imprensa, como jornalistas, colunistas ou chefes de redação de veículos como Folha de S. Paulo, Veja e Globo, tais como Paulo Moreira Leite, Mário Sérgio Conti, Renata Rangel e Ricardo Melo. E há ainda um numeroso grupo de ex-trotskistas da Libelu que, curiosamente, se tornaram expoentes do liberalismo, do conservadorismo ou até mesmo do discurso reacionário. É o caso de Eduardo Giannetti, Reinaldo Azevedo e Demétrio Magnoli, entre outros.

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