Marisa Letícia


Marisa Letícia liderando a Passeata das Mulheres, em protesto contra a prisão de Lula e dos sindicalistas que organizaram as greves do ABC. São Bernardo do Campo, abril de 1980.

Marisa Letícia nasceu em 7 de abril de 1950, em São Bernardo do Campo. Vivia com seus dez irmãos em uma casa de taipa sem energia elétrica na zona rural do município, junto com o pai, o agricultor Antônio João Casa, e a mãe, a benzedeira Regina Rocco. Começou a trabalhar aos nove anos de idade como babá. Aos treze, largou os estudos para trabalhar como operária em uma fábrica de bombons. Na fábrica, conheceu seu futuro marido, o motorista Marcos Cláudio dos Santos. Marcos morreria assassinado em um assalto apenas seis meses depois do casamento, deixando Marisa viúva e grávida de seu primeiro filho. O menino seria batizado Marcos Cláudio, em homenagem ao pai.

Três anos depois, em 1973, Marisa conheceu Luiz Inácio Lula da Silva no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Lula, também viúvo, ocupava o cargo de secretário-geral do sindicato, onde Marisa Letícia compareceu para buscar um documento para o seu irmão. Os dois começaram a se relacionar e se casaram depois de sete meses. Do relacionamento de mais de três décadas nasceriam outros três filhos - Fábio, Sandro e Luís Cláudio. Marisa também tinha uma enteada - Lurian, filha de Lula e sua ex-namorada, Miriam Cordeiro.

Marisa ingressou no movimento sindical em 1975, após Lula vencer a eleição para a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista - cargo para o qual seria reeleito três anos depois. Lula logo se tornaria o principal expoente do chamado "novo sindicalismo", a rearticulação política da classe operária que se converteu na principal força de oposição ao regime militar entre o fim dos anos setenta e o início dos anos oitenta. Marisa ajudaria a popularizar o movimento entre as mulheres, incentivando a sindicalização e a adesão às greves. Também foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores (PT), tendo ajudado a recolher as assinaturas necessárias para a criação da legenda em 1980. Costurou a primeira bandeira do PT e estampou as primeiras camisetas com a identidade visual do partido.

Em 1980, após dois anos seguidos de agitação social, greves e grandes manifestações lideradas pelo Sindicato dos Metalúrgicos, Lula e outros sindicalistas foram presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional pela ditadura militar. Lula passaria 31 dias encarcerado na sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) - o órgão de repressão do regime, então chefiado pelo delegado Romeu Tuma. Para pressionar pela libertação dos presos políticos, Marisa organizou a Passeata das Mulheres ao lado das esposas dos sindicalistas presos. Centenas de mulheres e crianças marcharam da Praça da Matriz até o Paço Municipal de São Bernardo, sendo intimidadas ao longo do percurso por um batalhão de policiais, veículos blindados e cavalaria. Marisa Letícia também ajudou a organizar as reuniões clandestinas do movimento operário em sua casa, em função da intervenção federal que fechou os sindicatos.

Após a libertação de Lula, Marisa se envolveu num projeto de politização das trabalhadoras e esposas dos operários do ABC Paulista. Ao lado de Frei Betto, passou a organizar aulas abordando temas como ditadura militar, economia, direitos trabalhistas, direitos humanos, reforma agrária e sindicalismo, ministradas semanalmente no salão paroquial da Igreja Matriz de São Bernardo do Campo. Paralelamente, seguia apoiando a carreira política do marido: organizou a entrega de materiais de divulgação e estampou as camisetas durante a campanha de Lula ao governo paulista em 1982 e teve papel fundamental no pleito de 1986, quando Lula foi eleito deputado federal, entrevistando eleitores na rua para descobrir as demandas mais importantes para inclusão na campanha.

À medida que o PT se consolidava como principal legenda de esquerda no país no período pós-redemocratização, aumentava a virulência dos ataques dos adversários políticos. Na disputa entre Lula e Fernando Collor pela Presidência da República em 1989, circularam boatos de que Lula e Marisa moravam numa mansão no Morumbi e de que o metalúrgico teria decepado o próprio dedo para se aposentar por invalidez. Outros boatos diziam que Lula confiscaria as poupanças da população - algo que, ironicamente, o próprio Collor fez - e que fecharia as igrejas. A equipe de Collor pagou uma ex-namorada de Lula para acusá-lo falsamente em rede nacional de lhe oferecer dinheiro para que fizesse um aborto. Na campanha de 1994, dessa vez contra Fernando Henrique Cardoso (FHC), pulularam denúncias de enriquecimento ilícito e uso irregular de verbas, todas não comprovadas. A popularidade advinda da estabilização financeira obtida pelo Plano Real garantiu a FHC a reeleição em primeiro turno em 1998.

Com os filhos já crescidos, Marisa pôde se dedicar integralmente à campanha de Lula durante a eleição presidencial de 2002. Lula venceu o pleito, derrotando José Serra no segundo turno, e Marisa tornou-se a 35ª primeira-dama do Brasil - a primeira oriunda da classe trabalhadora. A imprensa não tardou em desqualificá-la, caçoando de seus trejeitos, hábitos e roupas, submetendo-a constantemente a comparações depreciativas com suas antecessoras - contrapondo, por exemplo, seu nível básico de instrução à titulação da antropóloga e professora Ruth Cardoso. Em 2005, Marisa Letícia cogitou comprar cotas do condomínio Mar Cantábrico, no Guarujá, da Cooperativa Habitacional do Sindicato dos Bancários de São Paulo. E, em 2010, aceitou compartilhar com Jacó Bittar, conselheiro do fundo de pensão da Petrobrás e amigo de Marisa e Lula há mais de 30 anos, um sítio em Atibaia a ser utilizado pelas duas famílias nos fins de semana.

As transações de Marisa serviriam de justificativa para incluí-la na guerra jurídica contra Lula, movida por setores do ministério público e do judiciário e apoiada de forma acrítica pela imprensa. Em setembro de 2016, Marisa tornou-se ré em duas ações penais de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato. Argumentava-se que os imóveis seriam vantagens indevidas ofertadas pelas empreiteiras OAS e Odebrecht em troca de favorecimentos de contratos com a Petrobrás. Boatos acusando-a de enriquecimento ilícito tomaram as redes sociais. As acusações viraram até mesmo mote de uma campanha publicitária das Lojas Marisa. Comentários insultuosos à aparência da ex-primeira-dama  também se tornaram recorrentes.

Submetida a intensa perseguição e severo linchamento moral, a ex-primeira-dama manteve-se reclusa e passou a ter de lidar com um estado permanente de estresse e ansiedade. Em 24 de janeiro de 2017, Marisa foi internada após sofrer um acidente vascular cerebral hemorrágico (AVC). Seu prontuário vazou para a imprensa, servindo de base para comentários como os do neurocirurgião Richam Faissal Ellakkis, profissional da Unimed, que aconselhou sua equipe médica a assassiná-la: "Tem que romper no procedimento. Daí já abre pupila. E o capeta abraça ela", escreveu o médico em uma mensagem.

A morte de Marisa Letícia foi anunciada uma semana depois de sua internação, no dia 2 de fevereiro. A imprensa foi alertada da morte antes mesmo da família. O anúncio do falecimento de Marisa foi seguido por celebrações enfáticas dos antipetistas nas redes sociais. Mesmo após sua morte e malgrado a extinção da punibilidade, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou recurso pedindo a absolvição sumária da ex-primeira-dama nos processos em que era ré.

Os ataques à honra de Marisa persistiram após sua morte. Carlos Henrique André Lisboa, o juiz de São Bernardo do Campo responsável pelo processo de inventário e partilha, acusou Marisa Letícia de possuir 256 milhões de reais em investimentos em certificados de depósito bancários (CDBs). Em abril de 2020, o magistrado corrigiu a informação. Ele alegou ter confundido e multiplicado acidentalmente o valor em 10 mil vezes. Os investimentos de Marisa Letícia eram, na verdade, de 26 mil reais. Em 2021, os processos em que Marisa havia sido acusada foram anulados por irregularidades processuais e parcialidade. O MP posteriormente arquivou as denúncias.

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