O Cerco a Leningrado

Em junho de 1941, quase dois anos após o início da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha Nazista deu início à Operação Barbarossa, codinome dado à invasão da União Soviética pelas forças militares do Eixo. Adolf Hitler considerava a União Soviética como a maior inimiga do nazismo. Além de odiar o fato do país ser um sustentáculo internacional do ideário socialista, o líder alemão enxergava os eslavos e demais etnias que compunham o povo soviético como "raças inferiores". Assim, Hitler pôs em prática em um plano esboçado quase duas décadas antes, como atestado por passagens do Mein Kampf: anexar a porção europeia da União Soviética ao território alemão, ampliando o "Lebensraum", isso é, o "espaço vital" do "povo ariano", substituindo a população nativa por colonos alemães e submetendo o povo soviético à condição de mão-de-obra escrava em campos de concentração.

A cidade de Leningrado (atual São Petersburgo) era um dos alvos estratégicos dos nazistas. Leningrado era um dos maiores centros industriais da União Soviética, respondendo por mais de um décimo de toda a produção industrial do país, além de sediar uma base militar da Frota do Báltico. Também possuía um importante valor simbólico, por ser a antiga capital do Império Russo e um dos berços da revolução socialista. Ciente de que a cidade seria atacada, Stalin encarregou o general Georgy Zhukov de preparar uma estratégia para debelar as forças nazistas.

Hitler, entretanto, não pretendia tomar a cidade. Seu objetivo era aniquilá-la - privar seus três milhões de habitantes do acesso a comida, água e insumos básicos, até que morressem de fome, sede ou de doenças. Nas palavras do historiador Max Hastings: "Por semanas, os russos mantiveram-se alheios ao fato de que os alemães não tinham intenção de atacar Leningrado. […] Em vez disso, Hitler preparou-se para matá-los de fome. O professor Ernst Ziegelmeyer, do Instituto de Nutrição de Munique – um dos muitos cientistas que deram conselhos perversos aos nazistas –, foi consultado sobre os aspectos práticos. Ele concordou que não havia necessidade de uma batalha; seria impossível que os russos fornecessem aos seus cidadãos sitiados mais de 250 gramas de pão por dia, ração insuficiente para sustentar a vida humana por tempo prolongado."

Os soviéticos haviam organizado a defesa pensando em deter uma eventual invasão de Leningrado. Escavaram quilômetros de trincheiras, posicionaram obstáculos de ferro e betão nas estradas para retardar o avanço dos blindados, ergueram 190 quilômetros de barricadas de madeira e posicionaram canhões e artilharia antiaérea em pontos estratégicos. Não imaginavam, entretanto, que o objetivo era apenas cercar a cidade. Comandando o Grupo de Exércitos Norte da Wehrmacht, auxiliado por tropas da Itália e a Finlândia, o marechal alemão Wilhelm von Leeb liderou a operação. Após derrotar a resistência soviética na Frente Noroeste, capturou as cidades de Ostrov e Pskov, avançando para Leningrado com duas frentes partindo de Narva e do Lago Ilmen. Paralelamente, as tropas finlandesas tomaram o Istmo da Carélia e avançaram rumo ao Lago Ladoga, aproximando-se da cidade pelo norte.

Em setembro de 1941, Leningrado estava totalmente cercada. A Luftwaffe - força aérea da Alemanha Nazista - começou uma intensa campanha de bombardeios diários, acompanhada de ataques de artilharia. Todos os acessos à cidade foram cortados, impedindo a saída de moradores e o transporte de quaisquer produtos e mercadorias. Em poucos dias, Leningrado não tinha mais comida, água potável, remédios, combustível, óleo, carvão ou quaisquer insumos básicos. Sem energia elétrica, o parque industrial da cidade ficou paralisado.

O Exército Vermelho conseguiu criar uma nova rota (dita "Estrada da Vida") que permitiu continuar abastecendo a cidade com alimentos e insumos através do Lago Ladoga. O cerco, entretanto, teve consequências devastadoras. Fábricas, escolas, hospitais, quase todos os equipamentos e a infraestrutura da cidade foram destruídos. Mais de 1,6 milhão de pessoas morreram - a grande maioria civis. A fome foi a principal causa da mortalidade, sobretudo durante o inverno de 1941/1942, quando as rações tiveram de ser limitadas a 125 gramas de pão por dia. As ruas ficaram tomadas por cadáveres, uma vez que os bombardeios diários impediam o enterro das vítimas. O Cerco a Leningrado é considerado o cerco militar mais letal da história. Sua taxa de mortalidade foi tão elevada que permite sua classificação como um genocídio perpetrado por motivações raciais e ideológicas, como parte do plano nazista de extermínio da população soviética.

Visando romper o cerco, os soviéticos deram início, no outono de 1942, à Ofensiva de Sinyavino, que durou três meses. Embora tenham sido derrotados, a ofensiva permitiu adiar a operação militar da Alemanha Nazista que visava tomar Leningrado de vez. Em 1943, o Exército Vermelho organizou uma nova contraofensiva, lançando a Operação Iskra, que atacou o cerco a partir do Lago Ladoga. Embora não tenha rompido o cerco, a operação conseguiu amenizar o bloqueio e fez chegar alguns mantimentos até a cidade. Os bombardeios diários, entretanto, continuavam ocorrendo e a situação humanitária da cidade era cada vez mais crítica.

Após um período de um ano sem novas ofensivas militares, o Exército Vermelho impôs importante derrota às forças nazistas, que falharam em capturar Moscou. Em seguida, os soviéticos derrotaram o nazistas em Stalingrado e Kursk, lançando dúvidas entre o oficialato nazista sobre a possibilidade de vencer a guerra. No começo de 1944, o Exército Vermelho mobilizou uma frente com mais de um milhão de soldados, lançando a Ofensiva de Leningrado-Novgorod. Extremamente violenta, a ofensiva custou a vida de 300 mil soldados soviéticos, mas expulsou definitivamente as tropas alemãs dos oblasts do noroeste do país.

Em 27 de janeiro de 1944, cientes da impossibilidade de vencer as numerosas tropas soviéticas, as últimas unidades do exército alemão capitularam e fugiram, desfazendo o cerco à cidade. Após quase 900 dias sob ataque e privações, Leningrado, muito ferida, sobrevivia à tentativa de extermínio nazista, tornando-se um dos maiores símbolos da resistência à barbárie.


Duas mulheres se lamentam no interior de uma residência destruída. Os nazistas empreenderam uma intensa campanha de bombardeio aéreo contra Leningrado, tentando forçar a cidade à submissão. A maioria dos edifícios de Leningrado foram destruídos e centenas de milhares de pessoas morreram.


Moradores de Leningrado cavam trincheiras e constroem barricadas nas ruas da cidade para deter o avanço das tropas nazistas.


Os bombardeios e a fome causada pelo cerco nazista causaram a morte de mais de 1,6 milhão dos 3 milhões de habitantes de Leningrado. Os corpos se acumulavam nas ruas. O cerco a Leningrado é considerado o cerco militar mais letal da história.


Civis caminham nas ruas de Leningrado diante de um prédio destruído por um bombardeio aéreo nazista. Um sistema de alto-falantes alertava os residentes sobre ataques iminentes.




Um homem soviético emaciado pela fome. Em novembro de 1941, Leningrado começou a experimentar escassez de alimentos. Nos três meses seguintes, sem alimentos ou calefação, 780.000 moradores da cidade morreram de frio e de fome.



Professoras e alunos dão o último adeus a uma criança morta, cujo corpo é carreProfessoras e alunos dão o último adeus a uma criança morta, cujo corpo é carregado para sepultamento em um cemitério de Leningrado.



Moradores de Leningrado recolhem água de degelo para consumo e uso doméstico - uma alternativa ao corte do fornecimento de água potável imposto pelo cerco nazista.



Crianças órfãs são acolhidas em um abrigo antiaéreo de Leningrado.



Crianças que perderam seus pais durante o cerco a Leningrado auxiliam na montagem de metralhadoras para uso da linha de frente.



A arte em meio ao caos: apesar das dificuldades, os soviéticos se esforçavam para tentar, na medida do possível, levar uma vida normal. Entre as atividades culturais levadas a cabo durante o cerco estavam as apresentações do Teatro Alexandrinsky.



A "Estrada da Vida". A rota aberta pelo Exército Vermelho sobre a superfície congelada do Lago Ladoga era a única via que ligava Leningrado ao mundo exterior e permitia o ingresso de alimentos e insumos básicos.



Soldados do Exército Vermelho celebram o fim do cerco de Leningrado em janeiro de 1944.



Civis comemoram o fim do cerco de Leningrado junto aos soldados do Exército Vermelho em janeiro de 1944.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Othon Pinheiro, Lava Jato e Programa Nuclear Brasileiro

Evolução do PIB per capita da antiga União Soviética

Explosão da Base de Alcântara