O Regicídio de Lisboa

Reconstituição do Regicídio de Lisboa publicada pelo suplemento do "Le Petit Journal" de Paris. Em 1º de fevereiro de 1908, o rei de Portugal, Dom Carlos I, e seu filho, o príncipe Luís Filipe, foram assassinados por ativistas republicanos e membros da Carbonária Portuguesa, em um atentado na Praça do Comércio. O evento aprofundou a crise da monarquia, abrindo caminho para a implantação da República Portuguesa.

Desde o fim do século XIX, crescia o descontentamento popular com a coroa portuguesa. A insatisfação se aprofundou durante o reinado de Carlos I, da Casa de Bragança-Saxe-Coburgo-Gota, marcado por crises políticas, problemas econômicos e pelo esgotamento do sistema de governo conhecido como "Rotativismo", caracterizado pela alternância do Partido Regenerador e do Partido Progressista no comando do parlamento. O desgaste com a Questão dos Adiantamentos (abonos em dinheiro para cobrir despesas da família real), a Revolta dos Marinheiros e a cisão dos partidos, com a subsequente criação do Partido Regenerador Liberal em 1901 e da Dissidência Progressista em 1905, levou o monarca a intervir no poder legislativo.

Carlos I convocou João Franco, dirigente do Partido Regenerador Liberal, para formar um novo governo. Com apoio da Dissidência Progressista, Franco iniciou uma série de reformas fiscais e políticas. Apesar dos esforços, a agitação social se agravou, sobretudo após a repressão aos anarquistas e a greve acadêmica da Universidade de Coimbra. Após a Dissidência Progressista romper com o governo, João Franco aconselhou Carlos I a dissolver o parlamento. Receando perder o controle político do país, o rei seguiu a orientação, instalando uma ditadura.

A Dissidência Progressista se uniu então ao Partido Republicano na oposição. Apoiados por setores da maçonaria e da Carbonária Portuguesa (sociedade secreta anticlerical e antimonarquista), ativistas republicanos ligados às duas legendas tentaram derrubar o governo no chamado Golpe do Elevador da Biblioteca. O golpe fracassou e os conspiradores foram detidos e condenados ao exílio nas colônias portuguesas. Em resposta, o rei endureceu a repressão aos dissidentes e restringiu ainda mais as liberdades civis.

No dia 1º de fevereiro de 1908, a família real retornava a Lisboa após uma temporada de caça de inverno no Alentejo quando sua carruagem foi interceptada por ativistas republicanos junto à Praça do Comércio. Dois homens, o professor Manuel Buíça e o comerciante Alfredo Costa, sacaram carabinas escondidas em suas capas e começaram a atirar contra a carruagem. Uma bala atravessou o pescoço do rei, matando-o na hora. O príncipe herdeiro, Luís Filipe, sacou sua pistola para reagir, mas também foi morto com um disparo no peito. Atiradores escondidos em diferentes pontos da praça juntaram-se à ação, cravando a carruagem de balas. Os guardas reagiram, dando início a um tiroteio. Soldados da infantaria logo vieram em auxílio ao rei e conseguiram dominar os regicidas, executando-os no local. Um outro atirador ainda conseguiu atacar novamente a carruagem, atingindo dessa vez o príncipe Manuel no braço. A rainha Amélia de Orleans foi a única da família real a escapar ilesa.

A carruagem conseguiu fugir da emboscada, refugiando-se no Arsenal da Marinha. O anúncio da morte do rei foi recebida com frieza pelo povo português. A falta de comoção com o regicídio causou consternação na família real, que finalmente teve dimensão de sua impopularidade. Sobre o episódio, o rei da Inglaterra, Eduardo VII, consanguineamente ligado a Carlos I e Luís Felipe, declarou: "Mataram dois cavaleiros da Ordem Jarreteira como cães e lá no país deles ninguém se importa!". Manuel II assumiu o trono e, presidindo o Conselho de Estado, tentou formar um novo governo de distensão, composto por membros da Dissidência Progressista e do Partido Regenerador Liberal.

O novo rei anulou as medidas ditatoriais tomadas por seu pai, libertando os presos políticos, anistiando os marinheiros que haviam se sublevado em 1906 e autorizando a realização dos comícios republicanos. A coroa passava a ceder os anéis para não perder os dedos. A situação política, entretanto, continuou a se degradar, enquanto a base de apoio da monarquia era pulverizada. Nas eleições legislativas de agosto 1910, os republicanos demonstraram grande força popular, conseguindo 14 assentos no parlamento. Dois meses depois, iniciou-se uma nova sublevação. Em 5 de outubro de 1910, Manuel II foi deposto e a república portuguesa foi proclamada.

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