O roubo ao Museu da Chácara do Céu

 Há 15 anos, o carnaval do Rio de Janeiro tornou-se cenário de uma das maiores tragédias da museologia nacional. Na tarde do dia 24 de fevereiro de 2006, enquanto o Bloco das Carmelitas arrastava foliões pelas ruas do bairro carioca de Santa Teresa, o Museu da Chácara do Céu, localizado na mesma região, era assaltado por quatro homens armados. O bando rendeu três seguranças e um funcionário do museu. Em seguida, os bandidos roubaram quatro pinturas e um livro raro (avaliados em dezenas de milhões de dólares) e fugiram se misturando aos foliões.

As telas roubadas estavam entre as obras mais importantes do Museu da Chácara do Céu - entidade pública federal vinculada ao Instituto Brasileiro de Museus. As pinturas subtraídas eram "A Dança" de Pablo Picasso, "Os Dois Balcões" de Salvador Dalí, "Marinha" de Claude Monet e "Jardim de Luxemburgo" de Henri Matisse. O livro raro era "Toros", uma coletânea de poemas de Pablo Neruda com ilustrações de Pablo Picasso. Todas as obras eram tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

A reação ao roubo variou do amadorismo ao desinteresse dos órgãos de segurança. A delegacia incumbida da investigação era especializada em crimes ambientais e arquivou o caso depois de algumas semanas para poder se dedicar à fiscalização do defeso (período de caça proibida). Os visitantes que estavam no museu no dia do roubo nunca foram interrogados e as digitais colhidas na cena do crime não foram incluídas no inquérito. O comunicado enviado pela Polícia Federal aos aeroportos de Rio de Janeiro e São Paulo não relacionava todas as obras, nem trazia descrição ou imagens das peças. A polícia suspeitou de dois franceses ativos no Brasil, Patrice Charles Rouge e Michel Cohen, ambos com longos históricos de fraudes e atividades irregulares no mercado de arte, mas não conseguiu localizá-los nem vinculá-los ao roubo. As obras nunca foram recuperadas.



"A Dança" (1956). Pablo Picasso. Óleo sobre tela, 100 × 81 cm.

Obra característica do período tardio do mestre catalão, marcado pelo estilo indefinido, pelas releituras de clássicos da história da arte e pelas referências a elementos diversos de suas fases anteriores, com ênfase no colorido e na composição de matiz expressionista. Pode ser considerada como uma releitura da célebre pintura homônima de Henri Matisse. A obra foi perfurada durante o roubo e partes da moldura foram encontradas incineradas com restos da tela. "A Dança" era uma de apenas quatro telas de Picasso conservadas em museus brasileiros. As outras três estão no MASP, em São Paulo



"Os Dois Balcões", ou "Homem de Compleição Malsã Escutando o Barulho do Mar" (1929). Salvador Dalí. Óleo sobre madeira, 23,5 × 34,5 cm.

Essa pequena obra pertence ao período mais criativo de Salvador Dalí. Em janeiro de 1929, por recomendação de Joan Miró, o pintor catalão assinou um contrato com o marchand Camille Goemans, comprometendo-se a repassar à sua galeria toda sua produção pictórica realizada nos sete meses seguintes. É desse período que datam algumas de suas maiores obras-primas, como "O Grande Masturbador" e "O Enigma do Desejo". "Os Dois Balcões" foi a última obra desse lote de pinturas exibidas em sua primeira mostra individual. A obra aborda o tema da "infância complexa" e traz um autorretrato do pintor na porção duplicada da fachada da casa paterna, com dois balcões. A obra é uma referência à "disputa" psicológica com a identidade do irmão homônimo, falecido pouco tempo antes do nascimento do artista. Essa era a única pintura de Salvador Dalí conservada no Brasil.



"Marinha" (c. 1885). Claude Monet. Óleo sobre tela, 65 x 91 cm.

A obra pertence a um ciclo de paisagens marinhas do litoral francês executadas pelo mestre do impressionismo nas últimas décadas do século XIX. O local retratado é uma falésia de Dieppe, na Alta Normandia. Essa obra de Monet já havia sido roubada do museu carioca em 1989, e recuperada alguns meses depois. Uma outra pintura de Monet quase idêntica a essa foi roubada de um museu em Nice, na França, em 1998, e recuperada pela polícia local no mesmo ano. Em 2007, essa mesma obra de Nice foi novamente roubada, sendo encontrada no ano seguinte, em Marselha. A pintura era uma das únicas três obras de Monet conservadas no Brasil - as outras duas estão no MASP, em São Paulo.



"O Jardim de Luxemburgo" (1903). Henri Matisse. Óleo sobre tela, 40 x 32 cm.

Paisagem parisiense característica da produção pré-fauvista de Matisse, essa obra já havia sido roubada do Museu da Chácara do Céu em 1989, mas foi recuperada após alguns meses.

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