Lenin (III)


Lenin discursando na Praça Vermelha, em Moscou. Considerado um dos mais importantes personagens da história contemporânea, Lenin foi o líder da Revolução de Outubro de 1917 e fundador do primeiro Estado socialista, tendo lançado as bases de um sistema de governo que transformou a União Soviética em uma superpotência e insuflou a radicalização do movimento operário e a difusão do ideário comunista por todo o mundo. Seus aportes teóricos ensejaram a criação do marxismo-leninismo, base do pensamento comunista atual e inspiração dos mais relevantes movimentos insurrecionais ocorridos nos últimos cem anos.

Lenin nasceu em Simbirsk, na Rússia, em 22 de abril de 1870, em uma família de classe média alta, como um dos oito filhos de Ilya Ulianov, burocrata da nobreza czarista, e da professora Maria Alexandrovna Blank. A condição da família possibilitou a Lenin obter uma boa educação formal, mas a morte de Ilya em 1886 resultou em severas complicações financeiras. Os Ulianov ainda teriam de lidar com outra tragédia no ano seguinte, quando o irmão de Lenin, Alexandre, estudante da Universidade de São Petersburgo e membro do movimento "Norodnaya Volya", foi condenado à morte e executado após se envolver em uma conspiração para assassinar o czar Alexandre II. A morte de Alexandre influenciou Lenin a se interessar pelos movimentos revolucionários e a rejeitar os valores conservadores e pró-monárquicos da família.

Após ingressar no curso de direito da Universidade de Kazan, Lenin estudou as teorias da Karl Marx e Friedrich Engels, mas foi expulso da instituição por se envolver com grupos que faziam oposição ao regime czarista. Malgrado esse fato, conseguiu concluir a graduação pela Universidade de São Petersburgo pouco tempo depois. Atuando como advogado de trabalhadores e camponeses, Lenin consolidou sua impressão de que o sistema judiciário russo era perverso e enviesado em prol das classes economicamente privilegiadas. Mudou-se para São Petersburgo em 1893, envolvendo-se com uma célula revolucionária marxista. No ano seguinte, publicou seu primeiro tratado político, intitulado "Quem são os 'amigos do povo' e como lutam contra os social-democratas?", criticando os populistas. Em 1895, objetivando unificar os círculos marxistas, reuniu-se com Georgi Plekhánov na Suíça e com Karl Liebknecht em Berlim.

O talento retórico de Lenin e a defesa intransigente da mobilização proletária contra o czarismo incomodaram as autoridades. Em 1897, Lenin foi preso e condenado ao exílio na Sibéria. Durante a proscrição, iniciou um relacionamento amoroso com a revolucionária Nadejda Krupskaia, sua futura esposa, e escreveu "O desenvolvimento do capitalismo na Rússia". Após ser libertado em 1900, Lenin tornou-se um destacado dirigente do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) e passou a atuar na organização de seu órgão de imprensa, o jornal Iskra ("Centelha"). Diante da perseguição do governo czarista, mudou-se para a Alemanha, onde se consolidaria como um teórico de destaque, desenvolvendo suas próprias ideias sobre a revolução socialista. Em 1902, publicou o panfleto "Que Fazer?", em que defendia a necessidade de um partido de vanguarda para conduzir o proletariado até a revolução.

Fugindo da repressão da polícia alemã, Lenin se estabeleceu em Londres, onde seguiu trabalhando na publicação do Iskra. Em 1903, durante o II Congresso do POSDR, assumiu um papel de destaque diante da cisão do partido, estabelecendo a primazia do grupo dos bolcheviques (tendência radical majoritária que defendia a conquista do poder pela luta revolucionária) sobre os mencheviques liderados por Julius Martov (facção moderada que defendia o "possibilismo" e uma transição gradual e sem rupturas rumo ao socialismo). Enfurecido com a oposição do grupo de Martov, Lenin renunciou ao conselho editorial do Iskra e publicou o tratado antimenchevique "Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás".

Lenin exortou os bolcheviques a participarem ativamente da Revolução de 1905. O levante foi insuflado pela chacina dos trabalhadores grevistas de São Petersburgo, massacrados pela Guarda Imperial durante o Domingo Sangrento. Enfurecidos com o czar Nicolau II, trabalhadores de toda a Rússia iniciaram uma série de sublevações e greves massivas, organizadas por meio de sovietes (conselhos operários). A insurreição reverberou dentro das forças armadas, ocasionando o motim da tripulação do Encouraçado Potemkin, mas foi debelada pela capitulação da oposição liberal, cooptada pela promessa de reforma política — confirmando a previsão de Lenin publicada no panfleto "Duas Táticas da Social-Democracia na Revolução Democrática".

O fracasso da insurreição levou Lenin a endurecer as condições de funcionamento do POSDR, buscando neutralizar os mencheviques do partido para formar uma organização ideologicamente mais homogênea. Em 1908, Lenin se estabeleceu em Paris, onde viveu por três anos. Na capital francesa, alimentou uma intensa rivalidade com Alexander Bogdanov, a quem acusou de relativismo, e rebateu as críticas filosóficas ao materialismo histórico, escrevendo a obra "Materialismo e Empiriocriticismo". Após tomar parte do VIII Congresso da Segunda Internacional, Lenin organizou a Conferência de Praga, ocorrida em 1912, onde logrou expulsar os mencheviques, mas foi criticado por suas "tendências faccionalistas". Nesse mesmo ano, assumiu a direção do jornal Pravda ("A Verdade"), que se tornou o órgão oficial do POSDR.

Após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Lenin denunciou o conflito como uma guerra imperialista e lançou uma campanha exortando os trabalhadores a lutarem pela revolução proletária em escala continental. Na Suíça, organizou as conferências de Zimmerwald e Kienthal, onde esboçou a criação de uma nova Internacional, após a falência da segunda. Em 1917, lançou a obra "Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo", na qual identifica o colonialismo imperial e suas mazelas como frutos da expansão do capitalismo monopolista. Na Rússia, a guerra exacerbou o descontentamento popular com o regime czarista, agravando a pobreza, a escassez de alimentos e a crise hiperinflacionária. A crise atingiu seu ápice em março de 1917, dando início à Revolução Russa. A intensificação das greves, os protestos massivos e a perda do apoio dos militares forçaram o czar Nicolau II a abdicar do trono.

Com a queda do czar, instalou-se um governo republicano provisório, dominado por conservadores e liberais. Paralelamente, foi formado o Soviete de Petrogrado — comitê de trabalhadores que disputava o comando do processo revolucionário. No Pravda, Lenin propôs uma política de oposição ao governo provisório ("Cartas de Longe"). Posteriormente, retornou à Rússia e publicou suas "Teses de Abril", nas quais declarava oposição ao gabinete liberal e reconhecia os sovietes como legítimos representantes do povo russo. Difundindo lemas como "Paz, Terra e Pão" e "Todo Poder aos Sovietes", Lenin respondeu aos anseios do povo russo, consolidando-se na dianteira do movimento revolucionário. Em seguida, iniciou a articulação dos sovietes, viabilizada pelo Comitê Executivo Central Panrusso, estabelecendo uma verdadeira estrutura de poder paralelo. Perseguido pelo governo provisório, refugiou-se na Finlândia, onde escreveu "O Estado e a Revolução" e começou a preparar a insurreição junto a Leon Trotsky.

Encampando a defesa das "Teses de Abril", Josef Stalin e Yakov Sverdlov tomaram a dianteira na preparação da insurreição armada, acordada após o VI Congresso do POSDR. Uma estratégia bem sucedida de cooptação garantiu aos bolcheviques a adesão quase integral dos sovietes. Após retornar secretamente à Rússia, Lenin assumiu o comando do levante. Em 6 de novembro (24 de outubro no calendário juliano), com apoio do cruzador Aurora e de parte dos militares russos, a Guarda Vermelha invadiu o Palácio de Inverno e prendeu os membros do governo provisório. No dia seguinte, Petrogrado foi tomada. Uma semana depois, em 15 de novembro, os últimos focos de resistência do governo provisório capitularam em Moscou, consolidando a vitória dos bolcheviques. Após o triunfo da Revolução de Outubro, Lenin assumiu o posto de chefe-de-Estado da República Soviética da Rússia. Suas primeiras ações foram a convocação de uma Assembleia Constituinte e a organização do II Congresso dos Sovietes, que formalizou o primeiro governo revolucionário, integrado exclusivamente por bolcheviques.

Durante seu governo, Lenin buscou efetivar os três pilares apontados nas Teses de Abril — "Paz, Terra e Pão". Assinou o Tratado de Brest-Litovski com as Potências Centrais, retirando a Rússia da Primeira Guerra Mundial. Em seguida, determinou o confisco dos grandes latifúndios e a redistribuição da terra entre os camponeses, além de estabelecer as campanhas contra os Kulaks (grandes proprietários de terra) e a formação dos Comitês de Camponeses Pobres. Lenin também conduziu uma série de reformas sociais bastante avançadas, expandindo os direitos civis e serviços públicos em uma escala sem precedentes. O novo governo determinou a separação entre igreja e Estado, estabeleceu a igualdade formal entre homens e mulheres, eliminou as restrições ao divórcio, legalizou o aborto e criou uma política de emancipação feminina. A carga horária dos trabalhadores foi limitada a oito horas diárias e foram criadas as férias anuais remuneradas. O governo soviético criou o primeiro sistema universal de saúde e estabeleceu a universalização dos direitos à educação, moradia e alimentação.

Lenin também nacionalizou bancos, ferrovias, empresas de transporte, indústrias têxteis e os setores de metalurgia e mineração. Após 1920, iniciou-se a nacionalização em larga escala e a instituição do controle operário sobre as empresas. Ao lado de Trotsky, Lenin fundou o Exército Vermelho, responsável por derrotar as tropas estrangeiras e os contrarrevolucionários do Exército Branco durante a Guerra Civil Russa. Diante das dificuldades econômicas e das ameaças contrarrevolucionárias, Lenin adotou a estratégia do "comunismo de guerra", direcionando as forças produtivas para o esforço bélico, e instituiu a "Nova Política Econômica" (NEP), que marcou um retorno parcial à economia de mercado, visando ampliar a capacidade produtiva do Estado russo.

No âmbito da política externa, Lenin organizou a Internacional Comunista, objetivando promover a revolução socialista em escala global, fomentar a radicalização do movimento operário e promover o questionamento sobre os sistemas políticos dos Estados burgueses. Paralelamente, deu seguimento à sua produção intelectual, publicando "A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky" (alertando contra a colaboração de classes) e "Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo" (denunciando os desvios ideológicos da esquerda europeia).

Em 1922, criou a União Soviética, unificando a Rússia e os recém fundados regimes socialistas dos países vizinhos, como Ucrânia, Bielorrússia e Transcaucásia. Nesse mesmo ano, sofreu um acidente vascular cerebral que o deixou com graves sequelas. Lenin sofreria outros dois derrames nos meses seguintes, ficando com saúde muito debilitada. Faleceu em 21 de janeiro de 1924, aos 53 anos de idade, após ser atacado por uma crise de hemiplegia. Seu corpo foi embalsamado e permanece exposto desde então no Mausoléu da Praça Vermelha, em Moscou. Em sua homenagem, a cidade de São Petersburgo foi rebatizada como Leningrado.

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