As origens do Dia Internacional da Mulher


Mulheres russas lideram uma passeata em protesto contra a fome, o desemprego e as más condições de vida na cidade de Petrogrado, em 8 de março de 1917. A passeata tornou-se o marco inicial da Revolução Russa, que resultaria na queda da monarquia czarista e na instalação do governo socialista soviético. Em 1975, a ONU oficializou a data da passeata, 8 de março, como Dia Internacional da Mulher. O evento é celebrado em mais de 100 países do mundo.

A ideia de se criar uma data para simbolizar a luta das mulheres por igualdade de direitos e por melhores condições de vida remonta ao fim do século XIX, em meio ao contexto de organização dos movimentos operários e de expansão movimento sufragista. As celebrações tiveram início na Europa e nos Estados Unidos. Em 1909, por sugestão de Theresa Malkiel, o Partido Socialista da América organizou seu primeiro Dia da Mulher, em comemoração à greve de trabalhadoras da indústria têxtil ocorrida no ano anterior. A data passou a se comemorada no último domingo de fevereiro. Em 1910, por ocasião da Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague, as delegadas alemãs Clara Zetkin, Käte Duncker e Paula Thiede propuseram criar uma celebração anual dedicada à luta pelos direitos das mulheres trabalhadoras.

A proposta de criação do Dia da Mulher foi aprovada, mas não se estabeleceu uma data fixa para a comemoração. A maioria dos países europeus celebrava a data em fevereiro ou março, não raramente em conjunto com o aniversário da Comuna de Paris. Em 19 de março de 1911, mais de um milhão de manifestantes comemoraram o Dia da Mulher na Áustria, na Dinamarca, na Alemanha e na Suíça. Apenas no Império Austro-Húngaro houve mais de 300 manifestações. A partir de 1913, as manifestações também começaram a ocorrer na Rússia, no último sábado de fevereiro. Essas primeiras manifestações uniam reivindicações dos socialistas e dos sufragistas - tais como igualdade de direitos civis e políticos, justiça social e condições dignas de trabalho - e acabaram se tornando eventos políticos de grande importância, pavimentando o caminho para várias conquistas da classe operária.

Foi na Rússia, entretanto, que ocorreu o evento que fixaria a data internacional da celebração. Em 8 de março de 1917, centenas de mulheres que trabalhavam como tecelãs no distrito de Vyborg, em Petrogrado (atual São Petersburgo), decretaram greve e saíram às ruas para protestar e conclamar o povo à rebelião. A manifestação atraiu adesão imediata dos populares, que tomaram a Avenida Nevsky, principal via de Petrogrado. A guarda czarista reprimiu brutalmente o protesto, mas só conseguiu inflamar ainda mais a revolta popular. A grande adesão à greve se explica pelo clima de tensão e agitação social em que a Rússia mergulhara desde a malsucedida Revolução de 1905. Nas semanas que precederam a manifestação das tecelãs, os bolcheviques haviam publicado uma série de artigos criticando severamente a situação de miséria em que se encontravam as mulheres operárias russas, contribuindo para acirrar os ânimos.

Com adesão cada vez maior, a greve das operárias de Petrogrado converteu-se em um movimento de massas e deu início à Revolução Russa. Percebendo que perdera apoio até da guarda imperial, o czar Nicolau II abdicou do trono em 15 de março de 1917 - apenas uma semana após o início dos protestos. Com a queda da monarquia, um governo provisório de caráter liberal assumiu o poder, mas foi deposto alguns meses depois pela sublevação bolchevique, durante a Revolução de Outubro, resultando na instalação do governo socialista soviético. Com o triunfo da revolução, Alexandra Kollontai e Vladimir Lenin transformaram o dia 8 de março em feriado oficial e a data passou a ser comemorada como Dia da Mulher pela Rússia, pelos países do bloco soviético e pelos socialistas em todo o mundo. Os comunistas chineses passaram a comemorar a data a partir de 1922 e a transformaram em feriado nacional após a fundação da República Popular da China em 1949. A revolucionária comunista Dolores Ibárruri também começou a organizar marchas femininas no 8 de março em Madri antes do advento da Guerra Civil Espanhola.

O 8 de março seguiria como uma data fortemente ligada ao ideário socialista até a década de 1960, quando foi adotado também pelas militantes da segunda onda do feminismo. Assim, a data ampliou seu arcabouço simbólico original, ligado à luta pela igualdade de gênero e defesa dos direitos civis, políticos e trabalhistas, passando a abranger questões como liberdade sexual, mercado de trabalho, direitos reprodutivos e desigualdade econômica. A atenuação do imaginário revolucionário originalmente associado à data facilitou sua assimilação pelos países capitalistas e o 8 de março gradualmente tornou-se uma data associada ao Dia do Mulher também no Ocidente.

Como parte do processo de "dessovietização" da data, surgiram diversas narrativas revisionistas buscando apagar a origem socialista do 8 de março e sua ligação histórica com a União Soviética. O mito sobre o 8 de março mais difundido no Ocidente alega que a data teria surgido como uma homenagem a um grupo de operárias de uma fábrica de tecidos de Nova York. Essas operárias teriam organizado uma greve em 1857, sendo brutalmente reprimidas e assassinadas em um incêndio criminoso. Não há, entretanto, nenhuma evidência documental ou historiográfica de que esse evento tenha ocorrido. Não há registro coevo de nenhum jornal ou historiador. Conforme apurado pelas pesquisadoras Liliane Kandel e Françoise Picq, o mito parece ter sido inspirado em um outro fato histórico - o incêndio da fábrica da Triangle Shirtwaist, ocorrido em 1911, quando o Dia da Mulher já era comemorado em vários países. Tal narrativa busca neutralizar o caráter de luta operária do Dia da Mulher, transformando-o em uma homenagem póstuma à morte passiva, e substitui sua gênese soviética e socialista por uma origem estadunidense, absolutamente alheia ao movimento operário internacional.

Em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 8 de março como Dia Internacional da Mulher. Desde então, a data foi oficializada por mais de 100 países. Em 27 países, a data é considerada feriado nacional - sobretudo as nações socialistas ou que formavam o antigo bloco soviético, como Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, Polônia, Cazaquistão, Cuba, China, Coreia do Norte, Vietnã e Laos. No Ocidente, a data tem sido cada vez mais despida de seu caráter original de luta em prol de reformas sociais e da conquista de direitos políticos e civis, transmutando-se em uma celebração comercial anódina recheada de platitudes e mensagens de bem-estar - não raramente, patrocinada por grandes corporações e utilizada como ferramenta de marketing para impulsionar vendas de produtos e serviços.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Othon Pinheiro, Lava Jato e Programa Nuclear Brasileiro

Evolução do PIB per capita da antiga União Soviética

Explosão da Base de Alcântara