Langston Hughes


Langston Hughes (1902-1967) foi um poeta, dramaturgo e ativista dos direitos civis estadunidense. Considerado um dos maiores intelectuais afro-americanos do século XX, Hughes foi pioneiro da "jazz poetry" e um dos líderes do chamado "Renascimento do Harlem", movimento de valorização das expressões culturais afro-americanas que influenciaria fortemente a cena artística novaiorquina.

Malgrado a genialidade de Hughes, o racismo exasperado da sociedade estadunidense e a segregação étnica validada pelas Leis Jim Crow seriam obstáculos descomunais em sua trajetória profissional. Em 1922, Hughes foi obrigado a abandonar a universidade, pois seus colegas e professores não aceitavam a presença de um negro em sala de aula. E apesar de seu enorme talento para a escrita, as redações de jornais se recusavam a empregá-lo em função de sua cor. O poeta teve de trabalhar por muito tempo como carregador de malas em um hotel de Washington para poder se sustentar. A crise econômica advinda da quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929 tornou a situação ainda mais crítica e acirrou ainda mais as tensões raciais nos Estados Unidos.

Assim, em 1932, quando recebeu um convite para se mudar para a União Soviética e participar da produção um filme, Hughes não pensou duas vezes. Admirador de Lenin e simpatizante das ideias socialistas, o poeta abraçou com entusiasmo a proposta e partiu para a União Soviética junto com um grupo de 22 jovens afro-americanos, todos selecionados para participar da empreitada. O filme soviético se chamava "Preto e Branco". O enredo abordava a luta dos trabalhadores negros do sul dos Estados Unidos contra o racismo e a repressão, sob a perspectiva dos próprios afro-americanos. O projeto era ambicioso. Numa época onde o cinema estadunidense estava repleto de filmes visceralmente racistas, estereotipando e ridicularizando os negros e exaltando a "supremacia branca" e o "caráter civilizatório" de organizações como a Ku Klux Klan, o filme soviético seria a primeira grande obra cinematográfica a criticar o racismo.

Desde o triunfo da Revolução de Outubro de 1917, o governo dos Estados Unidos mantinha uma grande campanha de desqualificação do governo socialista soviético, rotulando-o como "totalitário". O governo soviético respondia esses ataques pontuando os problemas da sociedade estadunidense, em especial a segregação racial, a violência contra os negros e as mazelas advindas do capitalismo. Frequentemente informado sobre a opressão imposta aos negros, o povo soviético desenvolveu uma forte empatia pela luta dos afro-americanos, comovendo-se em especial com o chamado "Caso Scottsboro", quando nove adolescentes negros do Alabama foram condenados à morte após serem injustamente acusados de estupro.

Quando o grupo de jovens afro-americanos desembarcou na União Soviética, foram surpreendidos pela recepção calorosa da população. Os estadunidenses ficaram hospedados nos hotéis mais luxuosos de Moscou e foram presenteados com jantares regados a vinho, ingressos para o teatro, ópera, balé e festas com a presença de dignitários soviéticos quase todas as noites. Foram tratados como convidados oficiais do Estado soviético e recebidos com as mais altas honras. Hughes disse que o grupo era apresentado nas solenidades como "representantes do grande povo negro" e, após descrever todas as incríveis comodidades de um dos resorts onde ficaram hospedados, comentou: "Eu nunca havia me hospedado num hotel como esse no meu país, já que, como regra, os negros não tinham permissão para isso".

Nas ruas, o tratamento era igualmente respeitoso. Nas filas e nos ônibus, os soviéticos ofereciam seus lugares aos afro-americanos como atos de cordialidade. Em nenhum lugar dos Estados Unidos existia um tratamento equivalente dispensado à população negra. Ao contrário - por muitas décadas ainda prevaleceriam regras proibindo a entrada de negros em estabelecimentos comerciais e determinando a segregação racial em ônibus e até bebedouros. Vinte e três anos depois, em 1955, Rosa Parks ainda seria presa por desafiar a lei que obrigava afro-americanos a cederem seus assentos aos brancos nos ônibus. Hughes ainda relata sua surpresa com o fato de que vários dos afro-americanos do grupo começaram a namorar mulheres soviéticas sem que ninguém demonstrasse incômodo - uma ação que nos Estados Unidos poderia facilmente resultar em um linchamento nos anos trinta.

O filme "Preto e Branco", entretanto, nunca foi concluído. Além de problemas técnicos de produção, o governo soviético iniciou uma breve política de distensão em relação aos Estados Unidos e julgou que seria mais diplomático paralisar o projeto. Parte dos jovens afro-americanos retornou para os Estados Unidos para reencontrar suas famílias. Muitos, entretanto, permaneceram na União Soviética, vislumbrando uma vida melhor longe do racismo da sociedade estadunidense. É o caso de Wayland Rudd e Lloyd Patterson, que se tornariam grandes estrelas da mídia local. Langston Hughes retornou para os Estados Unidos, mas jamais esqueceria a experiência, convertendo-se em um árduo defensor da União Soviética.

Os afro-americanos que permaneceram na União Soviética tiveram grande importância na consolidação do ativismo antirracista nesse país, que seria um dos pioneiros na luta contra a discriminação racial. Alguns anos depois, a Constituição Soviética de 1936 tornou-se a primeira carta magna do mundo a criminalizar o racismo, decretando a igualdade de todos os cidadãos "independentemente de sua nacionalidade ou raça, em todas as esferas do Estado", e determinando a punição legal a qualquer limitação direta ou indireta desses direitos. Em sua terceira visita à União Soviética, o sociólogo afro-americano W. E. B. Du Bois elogiaria o histórico do país em questões raciais: "De todos os países, somente a Rússia tornou o preconceito racial um crime; de todos os grandes imperialismos, somente a Rússia não possui colônias de servos negros ou brancos e, o que é mais importante, não tem investimentos em colônias e não está levantando lucros ensanguentados da mão de obra barata na Ásia e na África".

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