Os sanatórios soviéticos

A Revolução de Outubro de 1917 na Rússia teve grande importância para a consolidação dos direitos trabalhistas, implementando diversas pautas reivindicadas pelos movimentos operários desde o século XIX, tais como a jornada de trabalho de oito horas diárias e o descanso semanal remunerado. Uma das contribuições mais relevantes da Rússia soviética para a classe trabalhadora foi a criação das férias laborais remuneradas, instituída décadas antes das potências ocidentais. Tomando como base a concepção marxista da teoria do valor-trabalho, o governo russo buscou harmonizar o incentivo ao trabalho e à produtividade com o bem estar da classe operária. A criação de uma força de trabalho saudável, bem disposta e contemplada em relação às suas necessidades básicas era considerado um dos elementos indispensáveis para o aumento da produtividade e um alicerce para a construção de uma sociedade próspera.

Assim, em 1920, Vladimir Lenin emitiu o decreto "Sobre a utilização da Crimeia para o tratamento médico de trabalhadores", determinando a criação de centros recreativos e terapêuticos para usufruto da classe trabalhadora. Em 1922, o Código de Trabalho foi aprovado, formalizando a obrigatoriedade da concessão anual de férias para todos os trabalhadores que tivessem acumulado mais de cinco meses e meio de trabalho no período de um ano. O "direito ao descanso" seria confirmado pela constituição soviética de 1936. Em cumprimento ao decreto de Lenin, o governo soviético iniciou a instalação dos sanatórios. Os sanatórios eram uma mistura de resort, colônia de férias e clínica médica, oferecendo hospedagem, atividades recreativas e tratamentos terapêuticos. Tinham por objetivo proporcionar descanso e recuperação para os trabalhadores, revigorando-os física e mentalmente antes do início de mais um ano de trabalho. Esperava-se, assim, criar um ambiente com mais satisfação, diligência e produtividade. Também serviam ao fortalecimento dos vínculos comunitários da classe trabalhadora e reforçavam o apoio popular ao projeto socialista.

Os sanatórios se tornaram parte fundamental da identidade sociopolítica da União Soviética e permanecem até hoje como uma das iniciativas mais impressionantes em prol do bem estar da classe trabalhadora. A criação de colônias de férias e resorts para que camponeses, mineiros, operários e pedreiros passassem semanas recebendo massagens e tratamentos médicos e estéticos, frequentando saunas, piscinas e banquetes impressionou os países do ocidente - onde tais rotinas eram privilégios de uma minúscula elite, acostumada a frequentar os sofisticados balneários de Baden-Baden ou Karlovy Vary. Algo bastante admirável em uma época em que, conforme dito pelo comissário soviético Nikolai Semashko, o único lugar reservado para o descanso dos trabalhadores era o cemitério.

O primeiro sanatório soviético foi inaugurado em 1925, sendo instalado no suntuoso Palácio de Livadia, a antiga residência de verão dos czares russos. Ao longo dos anos vinte, vários outros sanatórios foram inaugurados na Crimeia e no litoral do Mar Negro. Durante o governo de Josef Stalin, acompanhando o acelerado processo de industrialização, iniciou-se uma política de expansão sistemática dos sanatórios por todo o território soviético. Em apenas uma década, Stalin construiu 1.828 sanatórios e inaugurou 239.000 leitos. Havia uma grande preocupação estética na criação desses espaços, concebidos sob partidos arquitetônicos e projetos decorativos que exaltavam a classe trabalhadora e faziam alusão aos valores nacionais e ao ideário comunista. Mais do que espaços médicos e de repouso, eram centros projetados para fomentar a consciência política do "novo homem".

A maioria dos trabalhadores recebiam vales (ditos "putevki") que davam direito à hospedagem gratuita. O custo da viagem até o sanatório também era coberto pelo governo. O período de hospedagem variava entre duas e seis semanas. Os trabalhadores com problemas de saúde tinham prioridade. Já na chegada, os hóspedes passavam por uma avaliação médica. Tinham direito a até cinco refeições diárias e acompanhamento de um nutricionista, além de um enorme leque de atividades recreativas diárias que incluíam jogar bilhar ou xadrez, ler, nadar na piscina, frequentar a praia, assistir a uma peça de teatro ou apreciar um espetáculo musical.

Entre as atividades físicas e terapêuticas, havia ginástica, caminhada, massagem, sauna, banhos de argila medicinal, radônio ou águas termais e tratamentos então considerados inovadores, como a eletroterapia, a aromaterapia e a oxigenoterapia. Alguns sanatórios eram especializados em terapias específicas, tais como a Clínica Nacional de Espeleoterapia, na Bielorrússia, onde os hóspedes se purificavam no ar de uma mina de sal subterrânea, ou o sanatório de Kolkhida, na Geórgia, conhecido por suas areias magnéticas cintilantes. Os sanatórios mais cobiçados ficavam próximos ao mar, mas vários eram construídos junto a fontes termais ou em locais que propiciavam a conexão com a natureza. A expansão dos sanatórios estimulou o desenvolvimento da chamada "resortologia" - ciência médica que estudava propriedades curativas dos elementos e fatores naturais e seus mecanismos de ação sobre o corpo humano.

A hospedagem nos sanatórios consistiu no programa de férias mais cobiçado dos cidadãos soviéticos ao longo de décadas. Todos os anos os sanatórios hospedavam milhões de trabalhadores e a alta demanda fez que seguissem sendo expandidos de forma contínua até a década de 1980. O último a ser erguido foi o Sanatório de Reshma, inaugurado em 1987 nas margens do Rio Volga. Após a dissolução da União Soviética em 1991 e a transição para a economia de mercado, os sanatórios localizados em áreas de alto potencial turístico foram privatizados, sendo convertidos em hotéis de luxo, clínicas particulares ou spas. O antigo sanatório Aurora, no Quirguistão, por exemplo, cobra diárias de mais de mil reais atualmente - um valor inacessível para o bolso da imensa maioria dos cidadãos. Muitos balneários foram abandonados em função dos altos custos de manutenção e seguem até hoje sem uso, submetidos à deterioração contínua de suas instalações.



Trabalhadores jogam bilhar no Pátio Italiano do Palácio de Livadia, em Ialta. A Antiga residência de verão dos czares foi convertida em sanatório para usufruto dos camponeses em 1925.


Trabalhadores relaxam junto à fonte do jardim do Palácio de Livadia, em Ialta.



Trabalhadores jogando xadrez e apreciando a vista da varanda do Palácio de Livadia.



Trabalhadores observam as etiquetas com os preços dos pertences dos czares no museu do Palácio de Livadia.



Café da manhã em um sanatório soviético.


Hidroterapia no sanatório de Tskaltubo, na Geórgia.



Trabalhadoras soviéticas durante um banho de argila medicinal.


Trabalhadores no Palácio de Livadia em 1938.


Trabalhadores no sanatório de Odessa, Ucrânia, em 1951.



Banho de água sulfurosa no sanatório de Kemeri, na Letônia.


Trabalhadores se exercitando em 1951.



Banho de argila medicinal, 1952.


Baile em um sanatório de trabalhadores da indústria têxtil em 1953.



Trabalhadoras se exercitando em um sanatório de Moscou, em 1953.


Banho de radônio no Sanatório Kirov, em Pyatigorsk, na Ciscaucásia.



Tratamento com ducha de Charcot, no Sanatório Tselebny, em Yessentuki, Rússia.


O sanatório de Korpus Druzhba, na Crimeia.



Sanatório de Khoja Obi Garm, no Tajiquistão.


Sanatório de Zaamin, no Uzbequistão.



Piscina do Sanatório de Klyazma, na Rússia.


Piscina do Sanatório de Bucuria Sind, na Letônia.



Relevo com a figura de Stalin no Sanatório de Tskaltubo, na Geórgia.



Saguão do Sanatório Aurora, no Quirguistão.



Decoração do Sanatório Aurora, no Quirguistão.



Sanatório abandonado na Geórgia.



Sanatório abandonado na Geórgia.



Sanatório abandonado na Geórgia.


Piscina de um sanatório abandonado na Rússia.

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