Um Cristo Republicano
"Tiradentes Esquartejado" é uma pintura a óleo sobre tela executada pelo artista paraibano Pedro Américo em 1893. Pertence ao acervo do Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora, Minas Gerais.
A obra é fruto de um contexto político bastante atribulado, produzida pouco tempo após a queda da monarquia. A república, proclamada em 1889, ainda não havia sido consolidada e enfrentava uma grave crise econômica e questionamentos sobre sua legitimidade, ao passo que a instabilidade social impedia a unificação do apoio popular ao novo sistema de organização política. Uma das estratégias para unir o povo em torno de um projeto de nação era a criação da figura de um herói integrador, capaz de encarnar novos princípios e aspirações, que simbolizasse os ideais de exaltação à nação e culto ao patriotismo.
Tiradentes - mártir da Conjuração Mineira, de origem humilde e popular, retratado como um homem que deu a sua vida pra implantar uma República, perseguido, condenado e executado pelos poderes monárquicos - era a personalidade histórica que melhor se adequava às exigências de mitificação. A ele poderiam ser associados não apenas as convicções republicanas, mas também a defesa da liberdade e dos ideais nobres, a união em torno de um novo projeto. Era, portanto, um herói aglutinador.
O autor da obra, Pedro Américo, famoso pelas pinturas históricas que celebravam as vitórias militares do Segundo Reinado, era pintor oficial da monarquia. Com a proclamação da república, perdeu esse título e também o cargo de professor da Academia de Belas Artes. Suas ligações com o regime deposto o isolaram e fizeram escassear as encomendas de novos trabalhos. Motivado pela celebração do centenário da morte de Tiradentes, o artista resolveu produzir a tela como meio de obter apoio do governo republicano, ao qual pretendia oferecer a obra. Encomendas de obras de arte pelo poder público estavam em alta no período, pela necessidade de decorar os prédios governamentais que eram construídos ou reformados para abrigar as novas funções políticas e administrativas da república.
A obra foi concebida como parte de um ciclo de cinco telas retratando a Conjuração Mineira, mas somente a última, "Tiradentes Esquartejado", foi efetivamente pintada. A tela foi a primeira obra na história da arte ocidental a retratar um herói nacional em pedaços, com o corpo supliciado. O objetivo do autor era demonstrar a violência do sistema colonial e o tamanho do suplício do mártir. A intenção de identificá-lo como mártir também transparece no rosto de Tiradentes, representado ruivo, com cabelos longos e barba, se assemelhando à iconografia tradicional de Jesus Cristo. Essa percepção é reforçada pela presença do crucifixo, estrategicamente posicionado ao lado da cabeça. O braço direito pendendo para fora da plataforma de madeira também remete a outras representações de Jesus, como a Pietà de Michelangelo ou a Deposição de Caravaggio.
O cadafalso onde o corpo está depositado lembra um altar de uma igreja, reforçando a sacralização da composição e a associação de Tiradentes, que deu o sangue pela liberdade, a Cristo, que morreu para salvar a humanidade. A forca, localizada no segundo plano, está na altura do pé do mártir. Isso reforça a ideia de que a execução de Tiradentes foi um ato de redenção, com o herói ascendendo acima do seu instrumento de suplício. Já a disposição das partes dilaceradas do corpo lembra o formato do mapa do Brasil, reforçando seu título de herói nacional. O objetivo de Pedro Américo, entretanto, não foi alcançado. O quadro desagradou os republicanos, que não gostaram da ideia da representação do herói morto em pedaços, julgando-a incompatível com os objetivos do regime recém-implantado. Os críticos de arte também se chocaram com a crueza da representação, que chamaram de "um açougue de carne humana".
Se a recepção de "Tiradentes Esquartejado" foi fria na época em que foi produzida, a história trataria de corrigir quaisquer eventuais injustiças. A tela é hoje considerada uma das imagens mais conhecidas da arte brasileira, constando de quase todos os livros didáticos de história do país.
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