A visita de Albert Einstein ao Brasil


"O problema concebido pelo meu cérebro foi resolvido pelo luminoso céu do Brasil". A frase proferida por Albert Einstein em 1925 fazia referência ao histórico eclipse solar de 29 de maio de 1919. Nesse dia, uma equipe internacional de astrônomos chefiada por Andrew Crommelin registrava o fenômeno em Sobral, no interior do Ceará. A cidade fora escolhida por oferecer as condições ideais para observar o eclipse. Durante o fenômeno, os astrônomos tiraram uma série de fotografias que permitiram constatar que as estrelas não ocupavam as posições previstas pelas projeções matemáticas, estando ligeiramente deslocadas. Concluiu-se que a luz refletida pelas estrelas sofreu um desvio de suas trajetórias retilíneas em valores compatíveis com os cálculos baseados na hipótese geométrica da gravitação, formulada por Einstein alguns anos antes. Comprovava-se, assim, a veracidade da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein. A compreensão do fenômeno serviu de alicerce para diversos desenvolvimentos científicos - do estudo dos buracos negros até o funcionamento do sistema GPS.

Seis anos após o registro do eclipse em Sobral, Einstein conheceria o país onde sua teoria foi comprovada. Já mundialmente famoso, o físico começava a ser hostilizado na Alemanha, tanto por suas críticas ao envolvimento do país na Primeira Guerra Mundial quanto por sua origem judaica. Preocupado com integridade física do cientista alemão, Leopoldo Lugones, professor da Universidade de La Plata, o convidou repetidas vezes para vir para a América do Sul. Einstein aceitou o convite para um ciclo de conferências em universidades sul-americanas em 1925, visitando a Argentina, o Uruguai e o Brasil.

Einstein fez uma escala no Rio de Janeiro antes de prosseguir viagem até Buenos Aires e retornou posteriormente à cidade, hospedando-se por nove dias no Hotel Glória, entre 4 e 12 de maio. Em suas anotações, o cientista relatou que a cidade lhe causou boa impressão. Comeu vatapá, impressionou-se com a vegetação e com a diversidade étnica do país, elogiou a vista do Pão de Açúcar, reclamou do calor. Sua atração favorita foi o Jardim Botânico, sobre o qual escreveu: "O Jardim Botânico, bem como a flora de modo geral, supera o sonho das mil e uma noites. Tudo vive e cresce a olhos vistos por assim dizer. Deliciosa mistura étnica nas ruas: português, índio, negro, com todos os cruzamentos. Espontâneos como plantas, subjugados pelo calor. Experiência fantástica! Indescritível abundância de impressões em poucas horas."

Einstein aproveitou a oportunidade para travar contato com a comunidade científica do país. Esteve no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista e tirou fotos com o Meteorito do Bendegó. Visitou a Fundação Oswaldo Cruz, onde foi recebido por Carlos Chagas e Adolpho Lutz. Conheceu a equipe que auxiliara no registro do eclipse solar de 1919 durante a visita ao Observatório Nacional e foi tietado durante uma palestra na Academia Brasileira de Ciências. O psiquiatra Juliano Moreira o acompanhou ao Hospital Nacional dos Alienados, onde Einstein tentou interagir com os internos. Entre encontros com autoridades políticas e almoços no Copacabana Palace, Einstein proferiu uma série de palestras no Clube de Engenharia, no Clube Germânia, na Faculdade de Medicina e na Escola Politécnica da UFRJ. Tratou sobre a Teoria da Relatividade e seus estudos sobre o efeito fotoelétrico. As palestras, entretanto, não foram tão produtivas, uma vez que privilegiou-se a reserva de assentos na plateia aos militares, diplomatas e autoridades políticas - não aos cientistas, pesquisadores e estudantes.

Einstein agradeceu a recepção calorosa e não poupou elogios aos país. Na imprensa brasileira, entretanto, sua figura não era uma unanimidade. Gago Coutinho escreveu um artigo onde atacou de forma hostil a Teoria da Relatividade Geral e praticamente chamou Einstein de charlatão: "O eclipse total do Sol que em 1919 foi observado na cidade de Sobral, estado do Ceará, tornou-se muito popular, porque ao fazer a sua propaganda internacional Einstein e os seus partidários não deixam nunca de aproveitar aquele eclipse, afirmando que essa experiência confirmou plenamente a teoria, de uma maneira que não podia ser mais satisfatória. (...) Assim, o relativismo aproveita romanticamente o prestígio popular dos primitivos descobridores para fazer a conquista intelectual da América."

Por sua vez, o periódico "O Jornal", pertencente à rede Diários Associados de Assis Chateaubriand, publicou um artigo assinado por Licínio Cardoso, intitulado "Relatividade imaginária", novamente com críticas severas à Teoria da Relatividade Geral: "A cada página, pode-se dizer, da obra eu encontrava proposições análogas: umas confundindo o objetivo com o subjetivo, outras afirmando coisas de impossível realização, outras estabelecendo conceitos elementaríssimos e velhos como se fossem novos, tudo, está claro, no meu fraco entender; outras produzindo afirmações incompreensíveis". Cardoso conclui o artigo com uma empáfia cômica: "Demonstrei que o professor Einstein, confundindo os pontos de vista abstrato e concreto, toma por objetivo o que é subjetivo e vice-versa e não distingue entre ciência abstrata e relações particulares das existências concretas."

Concluía-se assim a visita de Einstein ao Brasil - com a imprensa nacional ensinando ao criador da Teoria da Relatividade Geral o que era a Teoria da Relatividade Geral. Einstein não se deu ao trabalho de rebater os artigos.



Albert Einstein visitando o Museu Nacional. Acompanhando o cientista estão Edgard Roquette Pinto (diretor do museu), Alberto Childe (arqueólogo), Alberto Betim Paes Leme (geólogo) e outros pesquisadores e funcionários da instituição.



Albert Einstein posa para foto ao lado do Meteorito do Bendegó no Museu Nacional.



Albert Einstein visitando a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ao lado de Carlos Chagas, Adolpho Lutz, Carlos Burle de Figueiredo, Area Leão, Nicanor Botafogo e Alcides Godoy.



Albert Einstein e a equipe do Observatório Nacional do Rio de Janeiro.



Albert Einstein visita o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, acompanhado por Pacheco Leão, diretor da instituição, e um rabino.



Albert Einstein com o presidente Artur Bernardes e ministros do governo.



Albert Einstein encaminhando-se para um almoço no restaurante do Copacabana Palace, acompanhado por Guilherme Guinle e Aloysio de Castro.



Albert Einstein na redação de "O Jornal", periódico que publicaria pesadas críticas contra a Teoria da Relatividade poucos dias após sua visita.



Manchete de jornal informa sobre a rotina de Einstein no Rio de Janeiro.



Albert Einstein com o Isidoro Kohn, seu tradutor durante a viagem.

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