Bia Doria e a população em situação de rua
"Sempre me senti uma Evita Perón, porque eu sou mais do povo, eu me sinto do povo". Foram essas palavras que a artista plástica Bia Doria usou para se definir durante uma entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, concedida em outubro de 2016, logo após seu marido, João Doria, vencer a disputa pela prefeitura de São Paulo. Natural de Pinhalzinho, interior de Santa Catarina, Bia Doria reside na capital paulista há 41 anos, mas quase não conhece a cidade.
"O Minhocão hoje para que serve? É tipo um viaduto, né?", replicou Bia ao ser perguntada sobre a famosa via elevada que liga o centro paulistano à Zona Oeste. Na região central, Bia só conhece a Rua Avanhandava. A viela charmosa abriga um de seus restaurantes favoritos - o luxuoso Famiglia Mancini. A rua, assegura Bia Doria, é "o único lugar da cidade que dá pra andar a pé, igual a Nova York". Em contrapartida, a socialite diz conhecer os parques de Sidney, na Austrália, como a palma de sua mão. Também elogia as ciclovias de Singapura, "muito diferentes" das congêneres de São Paulo, que ela não usa por considerar perigosas. Os Estados Unidos e os países europeus também aparecem nos roteiros internacionais da artista plástica. Bia Doria chegou a receber 3,5 milhões de reais por meio da Lei Rouanet para realizar uma exposição em Miami.
Em São Paulo, a rotina de Bia é relativamente restrita. Nos dias úteis, seu motorista particular a conduz em um Porshe Cayenne por um corredor de três quilômetros que liga os bairros nobres de Vila Nova Conceição - onde fica seu luxuoso ateliê - e os Jardins, onde está sua mansão - uma das maiores e mais caras residências do Brasil, avaliada em 50 milhões de reais. O imóvel de 3.304 metros quadrados possui piscinas aquecidas, campo de futebol e quadras de tênis. Na decoração interna, além das esculturas de Bia, há painéis pintados por Di Cavalcanti, expostos ao lado de quadros de Romero Britto - o artista favorito da socialite, que já a retratou em cinco ocasiões distintas. Quando se cansa da correria urbana, Bia Doria se refugia em sua mansão em Campos do Jordão - a "Villa Doria", situada em um lote de 16.000 metros quadrados. A mansão é completa. Tem até um heliponto para a família Doria aterrissar seu helicóptero Bell 429.
A despeito de sua imersão no universo de pompa e luxo da elite paulistana, Bia Doria não está alheia aos problemas sociais da cidade. Durante a mesma entrevista para a Folha, a artista plástica compartilhou sua visão peculiar sobre a necessidade de combater a desigualdade econômica como uma ferramenta para melhorar a qualidade da criadagem: "Ficaria feliz se chegasse uma arrumadeira já sabendo fazer as coisas. Pouquíssimas delas sabem, a não ser as que já passaram por várias casas, mas aí elas vêm cheias de manias". Afinal, diz Bia, "não adianta ter uma funcionária que chega no ateliê e tem problemas de nutrição". Tamanha é a compreensão de Bia sobre a realidade social brasileira que ela até mesmo aprendeu o nome de algumas favelas paulistanas: "No Morumbi tem aquela favela, né? Paraisópolis. Ali é a Etiópia", afirmou.
O tato social de Bia tem sido posto à prova desde as eleições de 2018, quando João Doria abandonou a prefeitura paulistana para se tornar governador. Isso porque Bia agora acumula os cargos de primeira-dama do estado de São Paulo e de presidente do Fundo Social de Solidariedade - o órgão do governo paulista responsável por atender pessoas em situação de vulnerabilidade social. Desde então, Bia tem se dedicado a compartilhar suas análises sociológicas sobre o problema da população de rua. Em julho de 2020, por exemplo, ela convidou a socialite Val Marchiori, famosa por sua participação no reality show Mulheres Ricas, para gravar um vídeo no Palácio dos Bandeirantes tratando sobre o assunto. No vídeo, Bia Doria critica as ações das ONGs e de pessoas que distribuem comida para moradores de rua, por acreditar que tais ações apenas reforçam o que julga ser o verdadeiro problema por trás da existência dos mendigos - o comodismo e a falta de comprometimento. "Não é correto você chegar lá na rua e dar marmita, porque a pessoa tem que se conscientizar de que ela tem que sair da rua. A rua hoje é um atrativo, a pessoa gosta de ficar na rua. (...) A pessoa quer receber comida, roupa, uma ajuda, e não quer nenhuma responsabilidade. Isso está muito errado."
Mais recentemente, em entrevista para o portal UOL, Bia Doria voltou a tecer suas análises sociológicas, criticando o assistencialismo, a ação das ONGs e do padre Júlio Lancellotti, que se notabilizou por seu trabalho em prol da população de rua no distrito da Mooca. Na entrevista, Bia pontua que não adianta ajudar os moradores de rua, pois eles são acomodados. "Se tirar os doentes, idosos e crianças, os outros estão ali porque não querem trabalhar, porque as ONGs alimentam eles. É um comércio. Não vou dizer que eles são preguiçosos… eles se acomodaram. Pode dar curso, habitação, mas eles voltam para a rua." Ao ser questionada sobre a falta de ações do governo paulista, dirigido por seu marido, Bia retrucou: "Tem abrigos para todos e são bons. O orçamento que o Estado de São Paulo passa para as ONGs daria para construir não sei quantos prédios por mês, mas ninguém pode mexer nelas senão todo mundo começa a gritar. Tira um prato de comida do padre Júlio Lancellotti para ver como ele grita. Agora pergunta quantas pessoas ele tira da rua? As pessoas precisam voltar para a sociedade, as pessoas precisam tirar da cabeça esse assistencialismo."
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