Fernando Collor e o confisco das poupanças

Uma aposentada chora após o anúncio do confisco da sua poupança, em frente à sede do Banco Central do Brasil. A medida foi anunciada em 16 de março de 1990 por Fernando Collor de Mello, recém-eleito Presidente da República. Todas as cadernetas de poupança do país com saldo superior a 50 mil cruzeiros foram confiscadas.

Excetuando-se o breve período de crescimento do PIB conhecido como "milagre econômico", a ditadura militar foi marcada pelo descontrole inflacionário, alimentado por altos níveis de endividamento externo e por uma sucessão de planos econômicos mal sucedidos. Os choques do petróleo em 1973 e 1979, a crise da dívida externa e a crise da moratória mexicana forçaram o governo a promover sucessivas maxidesvalorizações da moeda para estimular as exportações e captar recursos, dando origem a uma situação de hiperinflação. Em 1985, último ano do regime militar, a taxa de inflação estava em 285%. Aliada à política de arrocho salarial, a crise inflacionária legada pela ditadura militar corroeu de forma drástica o poder de compra da população, jogando dezenas de milhões de pessoas na miséria.

Durante a redemocratização, diversos planos econômicos foram formulados para tentar controlar a alta da inflação, sem sucesso. O governo Sarney implementou um severo programa de ajuste fiscal, impondo cortes de investimentos públicos, privatizações e demissões de servidores, complementados por quatro planos econômicos sucessivos, baseados no tabelamento e no congelamento de preços, salários e no controle da taxa de câmbio - o Plano Cruzado, Plano Cruzado II, Plano Bresser e Plano Verão. Todos os planos falharam, logrando obter, no máximo, uma redução temporária da inflação. Entre fevereiro de 1986 e novembro de 1989, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado era de 107.492,07%. O descontrole era tão grande que os preços dos produtos nos supermercados e mercearias chegavam a ser reajustados múltiplas vezes no mesmo dia.

O controle da hiperinflação foi tema central da eleição presidencial de 1989. Nesse ano, a taxa de inflação oficial medida pelo IBGE alcançou a impressionante cifra de 1.764%. Fernando Collor, candidato do Partido da Reconstrução Nacional (PRN), abordou como estratégia de marketing eleitoral o impacto negativo da inflação, assegurando possuir capacidade técnica para resolver o problema. Disputando o segundo turno com o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva, Collor difundiu o boato de que o adversário tinha a intenção de confiscar a poupança dos brasileiros e congelar os seus salários. Exortou, então, os poupadores a lhe confiarem o voto como único meio de preservarem suas economias. A poupança, dizia Collor em seu programa televisivo, era "sagrada".

Collor venceu a eleição e assumiu a presidência no dia 15 de março de 1990. No dia seguinte à posse, sua ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, convocou uma coletiva de imprensa para anunciar a implantação do Plano Collor - projeto de controle inflacionário instituído por medida provisória, sem necessidade de aprovação do Congresso. Visivelmente nervosa e gaguejando muito, a ministra enunciou as medidas: a moeda seria modificada de cruzados novos para cruzeiros, os preços e salários seriam congelados e, para espanto generalizado da população, todas as cadernetas de poupança que tivessem saldo superior a 50 mil cruzeiros (aproximadamente 5,5 mil reais) seriam confiscadas. Em suma, o governo Collor, no segundo dia de mandato, fez tudo aquilo que afirmara que Lula faria caso vencesse a eleição. O confisco das poupanças visava reduzir a quantidade de dinheiro em circulação no país para forçar a baixa dos preços. Conforme Zélia, o dinheiro ficaria retido por 18 meses no Banco Central e seria posteriormente devolvido em doze parcelas corrigidas.

Em paralelo ao confisco das poupanças, o governo Collor decretou feriado bancário de três dias. Quando os bancos reabriram no dia 19 de março, houve tumulto, filas gigantescas e depredação de agências bancárias. O anúncio súbito do confisco das poupanças, sem possibilidade de contestação, causou inúmeras tragédias, registrando-se vários casos de suicídio de pequenos empresários e profissionais liberais. Retendo um valor equivalente a 30% do PIB brasileiro à época, o congelamento de poupanças causou a quebradeira generalizada dos pequenos e médios negócios, aumentando drasticamente o índice de desemprego e a pobreza.

Além do confisco das poupanças, o Plano Collor instituiu uma série de medidas neoliberais, em conformidade com os ditames do Consenso de Washington, além de medidas de austeridade fiscal. Foram privatizadas 18 empresas estatais atuantes no setor primário da economia, sobretudo no setor siderúrgico. Ministérios, autarquias e empresas púbicas foram fechados e milhares de servidores foram demitidos. Programas e benefícios sociais foram cortados, subsídios e mecanismos de proteção do mercado interno foram abolidos. Malgrado as medidas impopulares, a população, assustada com a hiperinflação e influenciada pela cobertura midiática positiva em relação ao novo governo, deu apoio ao Plano Collor. Conforme o Instituto Datafolha, 81% dos brasileiros acreditavam que o plano seria benéfico para o país em 23 de março de 1991.

Dez meses depois, a confiança no plano despencara para 23%. Mesmo logrando uma redução momentânea da inflação, o plano falhou miseravelmente e até o término de sua vigência o IPCA acumulado já estava em 605,77%. Zélia lançou a segunda fase do plano, denominada Collor II, mas não conseguiu cumprir nenhum objetivo e acabou sendo substituída por Marcílio Marques de Moreira. A promessa de devolução do dinheiro confiscado das poupanças após 18 meses não foi cumprida. Os brasileiros tiveram de entrar na justiça para tentar reaver o dinheiro. Mesmo assim, muitos não conseguiram. Outros seguem lutando na justiça até hoje. Economias poupadas ao longo de toda uma vida e sonhos como a compra da casa própria desapareceram de um dia para o outro.

Dono de um patrimônio declarado de 20 milhões de reais, Fernando Collor leva o assunto com leveza. Eleito senador por Alagoas, Collor chegou a fazer uma piada com o confisco das poupanças em junho de 2020. Após tuitar que sua esposa havia "confiscado seu celular" por estar passando muito tempo nas redes sociais, replicou a afirmação com um piada de gosto duvidoso: "Não foi confisco, foi um bloqueio temporário". Criticado por milhares de internautas, se retratou no dia seguinte, pedindo "perdão para quem interpretou de maneira errônea ou se sentiu ofendido". "Sei que muitos sofreram na época e jamais brincaria com isso", afirmou o ex-presidente.

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