Lula e o Novo Sindicalismo

O líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva é preso pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão de repressão da ditadura militar, após comandar uma greve no ABC Paulista que paralisou 330 mil operários durante 41 dias. São Paulo, 19 de abril de 1980.

As organizações políticas da classe trabalhadora foram duramente atingidas pelo golpe militar de 1964. Apenas um mês após o golpe, os militares fecharam o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a principal central sindical ligada aos partidos de esquerda. Mais de mil sindicalistas foram cassados, presos e exilados e cerca de 600 sindicatos sofreram intervenção direta do governo. Paralelamente, os trabalhadores foram submetidos a uma política de arrocho salarial que reduziu o valor real do salário mínimo em 42% ao longo de uma década. Também perderam diversos direitos trabalhistas, incluindo a garantia de estabilidade. Algumas categorias permaneceram combativas e convocaram greves contra a política de precarização, mas a promulgação do Ato Institucional Nº. 5 (AI-5) suspendeu os direitos civis dos trabalhadores e deu início à repressão brutal dos chamados "Anos de Chumbo". Nos anos seguintes, o movimento operário seria totalmente desarticulado, praticamente deixando de existir.

O esgotamento do chamado "milagre econômico", agravado pelo choque do petróleo e pela crise da dívida externa, levou a um período de estagnação e o regime militar, novamente, tentou fazer os trabalhadores pagarem a conta, submetendo-os a uma nova rodada de arrocho salarial. Paralelamente, durante o governo Geisel, o regime militar havia posto em prática um processo gradual de distensão das medidas restritivas aos direitos civis. O arrefecimento da repressão do regime, a crise financeira e as medidas antitrabalhistas fomentaram a rearticulação do movimento operário, dando origem ao chamado "Novo Sindicalismo". A principal liderança do movimento era Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.

Lula ganhara projeção nacional em 1977, ao liderar as reivindicações pela reposição dos salários com base no índice da inflação acumulada desde 1973. O governo militar reconheceu que os índices inflacionários foram mascarados, lesando os rendimentos dos metalúrgicos em 34%, mas não cedeu à reivindicação. Reeleito presidente do sindicato em 1978, Lula deu início a uma grande mobilização em prol do reajuste salarial e conclamou as categorias à paralisação. A partir de março de 1978, pela primeira vez em dez anos, o Brasil voltava a registrar greves operárias, com dezenas de milhares de metalúrgicos de diversas fábricas do ABC cruzando os braços. A produção de empresas como Mercedes, Chrysler, Brastemp, Pirelli, Philips e General Electric foi prejudicada ao longo de um mês, forçando o patronato à concessão de reajustes salariais a mais de 200 mil trabalhadores.

Em 1979, reivindicando a generalização do acordo de São Bernardo para o conjunto da categoria dos metalúrgicos, Lula voltou a exortar a paralisação, convocando uma greve geral. Os trabalhadores exigiam aumento salarial de 30% e o fim das demissões em massa. Mais de 180 mil trabalhadores aderiram à greve, paralisando a produção de gigantes do setor automobilístico como Ford, Volkswagen, Mercedes-Benz, Saab-Scania e Chrysler. A greve se espalhou pelo interior do estado, atingindo os principais centros industriais paulistas, como São José dos Campos e Campinas. Reagindo à estratégia de contratação de novos funcionários para substituir os grevistas na linha de produção, os manifestantes passaram a organizar piquetes e barricadas para impedir o ingresso nas fábricas. O regime militar reagiu invocando as Leis Antigreve e intervindo nos sindicatos, além de reprimir brutalmente os manifestantes com o uso da tropa de choque da Polícia Militar. A greve foi encerrada após celebração de acordo entre a FIESP e o operariado metalúrgico, que estabeleceu reajuste médio de 11% dos salários.

Em novembro de 1979, o regime militar adotou uma nova política salarial que restringia o direito de negociação, ao passo que patronato descumpriu parcialmente os acordos celebrados no ano anterior. Assim, Lula voltou a conclamar a realização de uma greve geral. A pauta incluía reajuste de 15% dos salários, redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução salarial, presença sindical nas fábricas e estabilidade no emprego. Mais de 80 mil trabalhadores aderiram à greve, que abrangeu a capital paulista, o ABC e várias cidades de grande e médio porte no interior do estado. Os empresários ameaçaram com represálias e o governo novamente reprimiu duramente a greve, mas a paralisação prosseguiu por 41 dias, congregando mais de 300 mil trabalhadores. As greves encorajaram a mobilização de diversas categorias por todo o Brasil, resultando em importantes paralisações no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e manifestações dos trabalhadores das áreas rurais do Norte e Nordeste.

Temendo que as greves evoluíssem para um movimento antigovernamental de porte nacional, a ditadura militar ordenou o fechamento dos sindicatos do ABC e afastou 42 dirigentes. Os principais líderes da greve foram detidos. Lula foi preso na sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), o órgão de repressão da ditadura militar, então chefiado pelo delegado Romeu Tuma. O sindicalista foi processado pela Lei de Segurança nacional e permaneceu 31 dias na prisão. Chegou a ser liberado por algumas horas para acompanhar o sepultamento de sua mãe, falecida durante o encarceramento. Outros 14 sindicalistas foram detidos, incluindo José Carlos Dias, Devanir Ribeiro, Dalmo Dallari e Antonio Roberto Espinosa.

A prisão de Lula e dos demais líderes sindicalistas serviu de combustível à radicalização do movimento operário e transformou o Novo Sindicalismo no principal protagonista da oposição ao regime militar e do movimento pela redemocratização. A rearticulação do movimento operário não alarmou apenas a ditadura militar brasileira, mas também o governo dos Estados Unidos, que ordenou à Agência Central de Inteligência (CIA) o monitoramento de Lula. Milhares de documentos produzidos pela CIA entre as décadas de 1940 e 1990 perderam a restrição de confidencialidade recentemente, sendo disponibilizados para consulta a partir de 2017 - incluindo diversos relatórios sobre Lula e o movimento operário. Em um dos documentos, lê-se que "o fenômeno Lula mostra que o trabalhismo não é tão dócil quanto os observadores acreditavam" e que "com a liderança renovada, o movimento teria potencial de se transformar em uma importante força política". O monitoramento de Lula pela CIA se estenderia ao longo dos anos oitenta, com memorandos regulares sobre a ampliação da base de militantes do PT e informes algo histéricos sobre uma suposta "simpatia que Lula nutre pelo regime de Fidel Castro em Cuba". O monitoramento de Lula continuou ocorrendo até depois da redemocratização, pelo menos até a eleição presidencial de 1989.

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