Lula e o Novo Sindicalismo
As organizações políticas da classe trabalhadora foram duramente atingidas pelo golpe militar de 1964. Apenas um mês após o golpe, os militares fecharam o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a principal central sindical ligada aos partidos de esquerda. Mais de mil sindicalistas foram cassados, presos e exilados e cerca de 600 sindicatos sofreram intervenção direta do governo. Paralelamente, os trabalhadores foram submetidos a uma política de arrocho salarial que reduziu o valor real do salário mínimo em 42% ao longo de uma década. Também perderam diversos direitos trabalhistas, incluindo a garantia de estabilidade. Algumas categorias permaneceram combativas e convocaram greves contra a política de precarização, mas a promulgação do Ato Institucional Nº. 5 (AI-5) suspendeu os direitos civis dos trabalhadores e deu início à repressão brutal dos chamados "Anos de Chumbo". Nos anos seguintes, o movimento operário seria totalmente desarticulado, praticamente deixando de existir.
O esgotamento do chamado "milagre econômico", agravado pelo choque do petróleo e pela crise da dívida externa, levou a um período de estagnação e o regime militar, novamente, tentou fazer os trabalhadores pagarem a conta, submetendo-os a uma nova rodada de arrocho salarial. Paralelamente, durante o governo Geisel, o regime militar havia posto em prática um processo gradual de distensão das medidas restritivas aos direitos civis. O arrefecimento da repressão do regime, a crise financeira e as medidas antitrabalhistas fomentaram a rearticulação do movimento operário, dando origem ao chamado "Novo Sindicalismo". A principal liderança do movimento era Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.
Lula ganhara projeção nacional em 1977, ao liderar as reivindicações pela reposição dos salários com base no índice da inflação acumulada desde 1973. O governo militar reconheceu que os índices inflacionários foram mascarados, lesando os rendimentos dos metalúrgicos em 34%, mas não cedeu à reivindicação. Reeleito presidente do sindicato em 1978, Lula deu início a uma grande mobilização em prol do reajuste salarial e conclamou as categorias à paralisação. A partir de março de 1978, pela primeira vez em dez anos, o Brasil voltava a registrar greves operárias, com dezenas de milhares de metalúrgicos de diversas fábricas do ABC cruzando os braços. A produção de empresas como Mercedes, Chrysler, Brastemp, Pirelli, Philips e General Electric foi prejudicada ao longo de um mês, forçando o patronato à concessão de reajustes salariais a mais de 200 mil trabalhadores.
Em 1979, reivindicando a generalização do acordo de São Bernardo para o conjunto da categoria dos metalúrgicos, Lula voltou a exortar a paralisação, convocando uma greve geral. Os trabalhadores exigiam aumento salarial de 30% e o fim das demissões em massa. Mais de 180 mil trabalhadores aderiram à greve, paralisando a produção de gigantes do setor automobilístico como Ford, Volkswagen, Mercedes-Benz, Saab-Scania e Chrysler. A greve se espalhou pelo interior do estado, atingindo os principais centros industriais paulistas, como São José dos Campos e Campinas. Reagindo à estratégia de contratação de novos funcionários para substituir os grevistas na linha de produção, os manifestantes passaram a organizar piquetes e barricadas para impedir o ingresso nas fábricas. O regime militar reagiu invocando as Leis Antigreve e intervindo nos sindicatos, além de reprimir brutalmente os manifestantes com o uso da tropa de choque da Polícia Militar. A greve foi encerrada após celebração de acordo entre a FIESP e o operariado metalúrgico, que estabeleceu reajuste médio de 11% dos salários.
Em novembro de 1979, o regime militar adotou uma nova política salarial que restringia o direito de negociação, ao passo que patronato descumpriu parcialmente os acordos celebrados no ano anterior. Assim, Lula voltou a conclamar a realização de uma greve geral. A pauta incluía reajuste de 15% dos salários, redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução salarial, presença sindical nas fábricas e estabilidade no emprego. Mais de 80 mil trabalhadores aderiram à greve, que abrangeu a capital paulista, o ABC e várias cidades de grande e médio porte no interior do estado. Os empresários ameaçaram com represálias e o governo novamente reprimiu duramente a greve, mas a paralisação prosseguiu por 41 dias, congregando mais de 300 mil trabalhadores. As greves encorajaram a mobilização de diversas categorias por todo o Brasil, resultando em importantes paralisações no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e manifestações dos trabalhadores das áreas rurais do Norte e Nordeste.
Temendo que as greves evoluíssem para um movimento antigovernamental de porte nacional, a ditadura militar ordenou o fechamento dos sindicatos do ABC e afastou 42 dirigentes. Os principais líderes da greve foram detidos. Lula foi preso na sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), o órgão de repressão da ditadura militar, então chefiado pelo delegado Romeu Tuma. O sindicalista foi processado pela Lei de Segurança nacional e permaneceu 31 dias na prisão. Chegou a ser liberado por algumas horas para acompanhar o sepultamento de sua mãe, falecida durante o encarceramento. Outros 14 sindicalistas foram detidos, incluindo José Carlos Dias, Devanir Ribeiro, Dalmo Dallari e Antonio Roberto Espinosa.
A prisão de Lula e dos demais líderes sindicalistas serviu de combustível à radicalização do movimento operário e transformou o Novo Sindicalismo no principal protagonista da oposição ao regime militar e do movimento pela redemocratização. A rearticulação do movimento operário não alarmou apenas a ditadura militar brasileira, mas também o governo dos Estados Unidos, que ordenou à Agência Central de Inteligência (CIA) o monitoramento de Lula. Milhares de documentos produzidos pela CIA entre as décadas de 1940 e 1990 perderam a restrição de confidencialidade recentemente, sendo disponibilizados para consulta a partir de 2017 - incluindo diversos relatórios sobre Lula e o movimento operário. Em um dos documentos, lê-se que "o fenômeno Lula mostra que o trabalhismo não é tão dócil quanto os observadores acreditavam" e que "com a liderança renovada, o movimento teria potencial de se transformar em uma importante força política". O monitoramento de Lula pela CIA se estenderia ao longo dos anos oitenta, com memorandos regulares sobre a ampliação da base de militantes do PT e informes algo histéricos sobre uma suposta "simpatia que Lula nutre pelo regime de Fidel Castro em Cuba". O monitoramento de Lula continuou ocorrendo até depois da redemocratização, pelo menos até a eleição presidencial de 1989.
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