A Revolução dos Cravos


Soldados e civis portugueses comemoram a vitória da Revolução dos Cravos. Deflagrada em 25 de abril de 1974, a insurreição militar depôs Marcello Caetano e encerrou a ditadura do Estado Novo, que governou Portugal por mais de quatro décadas.

Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, Portugal encontrava-se mergulhado em uma crise econômica, agravada pelo ambiente de instabilidade política que se arrastava desde a queda da monarquia. A deterioração das condições de vida da classe trabalhadora alimentou o clima de radicalização e insuflou as disputas pelo poder. Em maio de 1926, um golpe de Estado converteu Portugal em uma ditadura militar. Óscar Carmona assumiu o governo, primeiramente como presidente interino e posteriormente com a extensão do mandato referendada pelo pleito de 1928. Em 1933, Carmona promulgou uma nova Constituição, que instaurou em Portugal o Estado Novo — um regime ditatorial de inspiração fascista e governo de partido único (a União Nacional). António de Oliveira Salazar assumiu o governo português nesse mesmo ano. Sua presidência se prolongaria por 35 anos, tornando-se uma das ditaduras mais longas do século XX.

O regime salazarista reprimiu brutalmente seus opositores por meio de prisões arbitrárias, torturas e assassinatos. Imprensa, mídia e o setor cultural eram submetidos a uma censura rígida e os movimentos sociais eram perseguidos pela Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) — a polícia política do regime português, treinada pela CIA e pela Gestapo. Salazar chegou a manter campos de concentração para encarcerar seus opositores, nomeadamente o Campo de Tarrafal, localizado em Cabo Verde, onde pereceram diversas lideranças do Partido Comunista Português (PCP).

Malgrado as frequentes denúncias de abuso dos direitos humanos, a ditadura salazarista contava com forte apoio de poderosos grupos industriais e financeiros portugueses, beneficiados pelo apadrinhamento e proteção legal aos seus monopólios, bem como pelas políticas governamentais de arrocho salarial e de desarticulação dos sindicatos e movimentos operários, que barateavam a mão de obra. Os trabalhadores, entretanto, viam-se prejudicados pela prolongada perda de poder aquisitivo, que relegou boa parte da população portuguesa à pobreza, resultando em elevadas taxas de emigração. O governo português também encontrava-se mergulhado em uma grave crise fiscal, resultante dos gastos crescentes com a administração das colônias portuguesas na África e com o aumento das despesas militares durante a Guerra Colonial Portuguesa, quando o regime de Salazar passou a combater os movimentos independentistas em Moçambique, Angola, Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Os problemas econômicos e políticos levaram a uma situação de insatisfação generalizada com o Estado Novo. Em 1968, Salazar sofreu um acidente e foi substituído por Marcello Caetano, que chegou a ensaiar algumas medidas de distensão e liberalização política, ("Primavera Marcelista"). As expectativas de reformas, entretanto, não se concretizaram, agravando o descontentamento popular. Em 1973, setores progressistas dos militares, muitos dos quais simpatizantes do ideário comunista ou da luta emancipatória das colônias africanas, passaram a articular clandestinamente um movimento de oposição ao Estado Novo, dando origem ao Movimento das Forças Armadas (MFA). A insatisfação dos militares com o governo português se intensificou ainda mais após a demissão dos oficiais António de Spínola e Francisco da Costa Gomes, responsáveis pela publicação de um livro crítico à política colonial portuguesa. Assim, em 24 de março de 1974, após uma série de reuniões clandestinas com a participação de setores civis, os militares decidiram organizar a derrubada do regime.

Em 24 de abril de 1974, um grupo de militares liderados pelo coronel Otelo Saraiva de Carvalho instalou secretamente um posto de comando no Quartel da Pontinha, em Lisboa. Durante a madrugada do dia 25 de abril, os militares transmitiram através da Rádio Renascença a canção "Grândola, Vila Morena", de Zeca Afonso — obra censurada pelo regime português por suas supostas referências comunistas. A execução da canção era a senha previamente combinada para o início do levante militar e tomada de posições. Ao longo do dia, tropas militares estacionadas por todo o país conduziram uma operação concertada, tomando aeroportos e equipamentos públicos e ocupando os órgãos oficiais de comunicação do governo português, tais como a Radiotelevisão Portuguesa (RTP) e o Rádio Clube Português (RCP). Ao Norte, o tenente-coronel Carlos de Azeredo liderou a tomada do Quartel-General da Região Militar do Porto.

O regime português reagiu ordenando às tropas alocadas em Braga que sufocassem o levante. Os soldados, entretanto, já tinham aderido à sublevação e se recusaram a acatar as ordens. Ao perceber o que se passava, a população portuguesa saiu às ruas para demonstrar apoio à sublevação dos militares. Os populares passaram a oferecer cravos vermelhos aos soldados em sinal de agradecimento. Os militares enganchavam os cravos nos seus uniformes ou os posicionavam nas pontas de seus fuzis, razão pela qual o levante recebeu o nome de "Revolução dos Cravos". Partindo de Santarém, os militares da Escola Prática de Cavalaria ocuparam o Terreiro do Paço e o Quartel do Carmo, onde encontrava-se o mandatário Marcello Caetano, que se rendeu ao final do dia. O ditador partiu para Madeira e, em seguida, rumou para o exílio no Brasil. Agentes da polícia política do regime chegaram a ensaiar uma reação, matando quatro manifestantes civis, mas logo desistiram ao perceberem que a resistência seria insustentável.

Em 26 de abril, formou-se um "Governo de Salvação Nacional" baseado no "Programa dos Três Ds": democratizar, descolonizar e desenvolver. Entre as medidas imediatas estavam a extinção da polícia política, a legalização dos sindicatos e partidos e a libertação dos presos políticos. Uma semana depois, em 1º de maio, celebrou-se pela primeira vez em décadas o Dia do Trabalhador, que reuniu multidões em todo o país - um milhão de manifestantes apenas em Lisboa. O governo provisório também reconheceu a independência de todas as colônias portuguesas na África, encerrando a Guerra Colonial. No ano seguinte, em 25 de abril de 1975, organizaram-se as primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, com o Partido Socialista obtendo a maioria relativa dos assentos.

Sob o comando de Vasco Gonçalves, militar ligado ao Partido Comunista Português, importantes reformas foram empreendidas após a Revolução dos Cravos. Grandes empresas e setores estratégicos da economia foram nacionalizados, tais como os bancos, minas e companhias de telecomunicações e transportes. Iniciou-se também um amplo processo de reforma agrária, com a organização dos camponeses em cooperativas. Várias dessas medidas, entretanto, seriam revertidas ou atenuadas pelos governos conservadores, liberais e sociais-democratas que se sucederam em Portugal a partir de 1976 - nomeadamente nos anos oitenta, durante o governo de Francisco Sá Carneiro, marcado pelo aprofundamento do receituário econômico de cariz neoliberal.

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